Como a decisão da CVM sobre o Maxi Renda pode afetar fundos imobiliários

Fundos de fundos e fundos de tijolo podem ser os mais impactados. Analistas e gestores criticam insegurança jurídica

Decisão da CVM sobre fundos imobiliário do BTG traz insegurança para segmento
27 de Janeiro, 2022 | 06:42 PM

Bloomberg Línea — Dentro da indústria de fundos imobiliários do país, dois tipos de ativos são potencialmente os mais afetados caso a decisão da CVM (Comissão de Valores Imobiliários) sobre a interrupção de pagamentos de dividendos se houver prejuízo contábil abranja todo o mercado: os fundos de fundos, lastreados em cotas de outros fundos imobiliários, e alguns fundos de tijolo, ativos lastreado em imóveis.

O novo entendimento está por enquanto restrito ao Maxi Renda (MXRF11), do BTG, a quem a decisão do colegiado da CVM se refere, mas o clima no segmento de fundos imobiliários é de confusão porque o mercado ainda espera uma sinalização clara se haverá mudança na regra para o restante ou se trata-se de uma situação específica de um único fundo.

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Atualmente, fundos imobiliários distribuem dividendos mensais com base no ganho de caixa; isto é, distribuem 95% do resultado da diferença entre o que entra com o aluguel por seus inquilinos e o que sai do caixa para custear despesas com a administração.

No entendimento da CVM sobre o MXRF11, se houver prejuízo contábil – isto é, se houver queda do valor dos ativos na contabilidade – o fundo não poderia distribuir dividendos porque não teve lucro contábil. A distribuição neste caso seria carimbada como amortização e estaria sujeita à tributação. O BTG, administrador do MXRF11, deve recorrer da decisão.

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“O maior problema é o da insegurança jurídica. A indústria inteira de fundos imobiliários se baseia em longo prazo. Se você não consegue prever o ciclo inteiro do investimento porque as regras mudam no meio do caminho, por que você deveria investir nisso”, questiona Giancarlo Nicastro, presidente da SiiLA, empresa que atua na análise de dados do mercado imobiliário da América Latina.

POR QUE ISSO É IMPORTANTE: Fundos imobiliários se tornaram um ativo bastante popular nos últimos anos no Brasil. Hoje, 1,5 milhão de pessoas detêm esse tipo de investimento.

Gestores e analistas ouvidos pela Bloomberg Línea consideram que os segmentos mais impactados poderiam ser os fundos de fundos, já que atualmente apresentam maiores descontos uma vez que seu portfólio é composto de cotas de outros fundos imobiliários, cujas cotações caíram bastante em 2021 com as altas da Selic.

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Como o valor dos ativos que estão no portfólio caiu, o segmento não teria lucro contábil e, na hipótese da decisão sobre o MXRF11 ser estendida, tampouco poderiam distribuir dividendos.

“Estamos num momento ainda tentando entender se esta questão está relacionada só a um fundo específico ou se pode se estender. Falando em tese, caso essa mudança se estenda, os FOFs poderiam ser bem impactados já que o valor patrimonial deles são as cotas de outros fundos e esse mercado teve uma queda importante no ano passado e isso, em tese, poderia acabar virando prejuízo contábil, mesmo com o caixa não sendo afetado”, afirma Marcos Corrêa, especialista em fundos imobiliários da Suno Research.

FUNDOS DE TIJOLO: Uma segunda classe potencialmente afetada seria a de fundos de tijolos, em especial de lajes corporativas e de shopping centers, setores mais afetados pela pandemia. A redução contábil do valor patrimonial nem sempre está ligada ao que acontece no caixa gerado pelo ativo: o valor de um prédio pode sofrer redução na avaliação em um momento de retração do mercado sem que isso tenha relação com a qualidade dos inquilinos que estão dentro do imóvel e baixa taxa de vacância, que são métricas diretamente ligadas à capacidade de geração de caixa.

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“A lei 8.668/93 regra que 95% do Lucro em regime de caixa deve ser distribuído no semestre, portanto, caso essa medida seja eventualmente implantada e de entendimento aos demais fundos imobiliários, haverá um prejuízo para o mercado como um todo, uma vez que altera a dinâmica da distribuição de renda da classe e gera insegurança jurídica”, escreveram Rodrigo Sgavioli, chefe de alocação e fundos da área de análise da XP, e a analista Maria Fernanda Violatti, em um relatório sobre o impacto da decisão sobre o MXRF11.

“Ou seja, os FIIs deixariam de ter recorrência na distribuição de dividendos, perdendo a essência do próprio produto”, concluem.

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O QUE PODE ACONTECER: A indústria de fundos imobiliários já projeta impactos sobre os investidores, caso a decisão sobre o MXRF11 abranja também outros fundos.

Nicast, da SiiLA, acredita que o primeiro impacto seria o de menos previsibilidade sobre o pagamento de proventos. “Se isso se estender para o restante dos fundos, vai ficar muito difícil haver pagamento mensal de dividendos, já que os fundos vão ter de reter dinheiro para ajustar o lucro ou prejuízo contábil com base em avaliações que costumam ser feitas uma vez por ano”, disse Nicast.

A Bloomberg Línea procurou a CVM, mas a entidade não se manifestou até o publicação desta reportagem.

CONTEXTO: A decisão de 21 de dezembro, que foi tornada pública em 25 de janeiro, ocorreu no âmbito do julgamento do recurso do BTG Pactual, administrador do MXRF11, contra a Superintendência de Supervisão de Securitização da CVM sobre a distribuição de rendimentos do Maxi Renda, um dos maiores fundos imobiliários do país, com quase 500 mil cotistas.

Conforme a área técnica da CVM, a administração do MXRF11 vem distribuindo dividendos aos cotistas baseados no regime de caixa, mesmo quando os rendimentos superavam o lucro contábil do exercício. Segundo a CVM, este mecanismo de distribuição provoca aumento da rubrica de prejuízos contábeis acumulados do fundo de forma recorrente e, portanto, segundo a decisão, “tais valores não poderiam ser classificados como rendimentos, mas sim como amortização do custo do capital investido pelos cotistas.”

A título de exemplo, se um fundo tem a capacidade de entregar R$ 1 por cota, mas seu lucro contábil foi de R$ 0,70, os R$ 0,30 centavos restantes não seriam entregues como dividendos não tributáveis, mas como amortização sobre a qual podem incidir impostos.

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Graciliano Rocha

Editor da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela UFMS. Foi correspondente internacional (2012-2015), cobriu Operação Lava Jato e foi um dos vencedores do Prêmio Petrobras de Jornalismo em 2018. É autor do livro "Irmã Dulce, a Santa dos Pobres" (Planeta), que figurou nas principais listas de best-sellers em 2019.