Bloomberg Opinion — Por quase 40 anos, os Estados Unidos e grande parte do mundo foram abençoados com inflação baixa. Não mais. Dependendo de quem você acredita, o aumento dramático de preços e salários dos últimos meses é ou fogo de palha ou o começo de algo mais ameaçador. Ambos os lados deste debate falam com confiança sobre o que acontecerá a seguir. Mas a história da previsão de inflação sugere que a humildade é o melhor caminho.
Cada oráculo conta com um conjunto diferente de ferramentas para prever o futuro. Na antiguidade, as entranhas de animais – idealmente, o fígado de uma ovelha sacrificada – seriam examinadas em busca de pistas do que estava por vir. Nos EUA do pós-guerra, economistas profissionais que buscavam prever a inflação optaram por algo um pouco menos sanguinário: a Curva de Phillips, batizada em homenagem ao economista William Phillips.
A nova abordagem tinha muitas vantagens, e poupar ovelhas era a menor delas. A Curva de Phillips postulava uma relação inversa previsível entre desemprego e inflação: se o desemprego aumentasse, a inflação caía e vice-versa. Essa relação entre as duas variáveis permitiu aos economistas pesar as implicações das decisões políticas, bem como prever as taxas de inflação futuras.
Com o tempo, os economistas desenvolveram diferentes versões do modelo da Curva de Phillips. A maioria girava em torno de uma taxa de desemprego ideal. Acima desse ponto ideal a inflação cai; abaixo dele a inflação aumenta. Essa taxa foi apelidada de Taxa de Desemprego Não Aceleradora da Inflação ou Nairu (da expressão em inglês “Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment”).
Na década de 1970, Milton Friedman e outros economistas atacaram os pressupostos teóricos que fundamentavam o modelo, argumentando que ele não se sustentaria em períodos mais longos. Mas a curva continuou sendo a bola de cristal preferida dos analistas que esperavam descobrir para onde a inflação estava indo no curto prazo.
O novo consenso foi bem captado pelo economista Alan Blinder. Em 1997, ele escreveu que “a curva de Phillips empírica funcionou incrivelmente bem por décadas” e aconselhou seu uso contínuo pelos formuladores de políticas.
Alguns economistas começaram a questionar a afirmação de Blinder. Em 2001, dois economistas da Universidade da Califórnia em Los Angeles – Andrew Atkeson e Lee Ohanian – publicaram um artigo baseado em um experimento que comparou a capacidade preditiva da Curva de Phillips com um modelo que era ridiculamente simples: prever o próximo da inflação do ano pela média das taxas dos quatro trimestres anteriores. Em outras palavras, a inflação do próximo ano será a mesma do ano anterior. É isso.
“Estabelecemos essa previsão ingênua como nossa referência”, explicaram, “não porque achamos que é a melhor previsão de inflação disponível, mas porque achamos que qualquer modelo de previsão de inflação baseado em alguma relação econômica hipotética não pode ser considerado uma orientação útil para a formulação de políticas, já que suas previsões não são mais precisas do que uma simples estimativa ateórica”.
Atkeson e Ohanian compararam seu modelo com duas variações diferentes da Curva de Phillips, bem como com as métricas internas de previsão do Federal Reserve. O resultado? O modelo ingênuo resistiu a todos os concorrentes, igualando e, em alguns casos, superando os sofisticados e multivariáveis modelos de previsão adorados pelos economistas.
Estudos subsequentes corroboraram amplamente esses achados, mas acrescentaram algumas ressalvas importantes. Pesquisadores como James Stock e Mark Watson descobriram em 2008 que a precisão das previsões baseadas nos modelos da Curva de Phillips melhorava quando a taxa de desemprego se desviava significativamente da Nairu, e vacilava quando a taxa se aproximava do ideal.
Mas vale lembrar que esses avanços temporários no poder preditivo eram relativos a um “modelo” que uma criança poderia ter inventado. (Qual será a inflação no próximo ano? O mesmo que no ano passado!)
Esse ponto foi enfatizado de forma ainda mais pungente por um estudo posterior dos economistas Marie Diron e Benoit Mojon, que criaram seu próprio experimento de raciocínio igualmente interessante. Seu “modelo” comparativo era ainda mais simples: pegue a meta de inflação de um banco central e use esse número como uma previsão consistente para a inflação a cada ano.
Nos EUA, o número alvo não oficial foi de 2%. A construção de Diron e Mojon, portanto, previu uma inflação de 2%, ano após ano. Eles fizeram a mesma coisa com outros países. Adivinha? Eles conseguiram superar os complexos modelos multivariáveis por um longo período de 1995 a 2007. Nada mal.
Para aqueles que continuam apegados à esperança de que a inflação seja previsível, há outro método um pouco mais antigo que lembra as ovelhas oraculares: basta perguntar o que o resto do rebanho acha que vai acontecer. Em outras palavras, questione pessoas comuns (ou analistas profissionais) sobre suas expectativas para a inflação e calcule a média das respostas.
Esta abordagem, como mostrou um estudo de referência de 2007, oferece melhores resultados do que qualquer um dos modelos de previsão padrão. Nesta investigação em particular, foram incluídos a Curva de Phillips, bem como métodos preditivos que consideram sinais dos mercados de títulos – ou seja, dados sobre a estrutura da dívida.
É compreensível que as expectativas de inflação sejam confiáveis. Se você acredita que os preços vão subir, você agirá de maneira a garantir que isso se torne realidade. Em outras palavras, as expectativas de inflação são tanto planos de ação quanto previsões. Elas são auto-realizáveis.
Um estudo mais recente corroborou esses resultados, mostrando que as expectativas de inflação tanto de consumidores comuns quanto de analistas profissionais geralmente superaram outros métodos em um confronto década a década que remonta à década de 1960. Ainda assim, em duas dessas décadas, versões modificadas do “modelo” de Atkeson e Ohanian conseguiram ser os mais bem-sucedidos.
Se a melhor abordagem é perguntar a outras pessoas o que elas acham que vai acontecer, certamente os analistas profissionais levam vantagem, certo? Mesmo aqui, as evidências são contraditórias. Embora os profissionais tenham um histórico melhor no longo prazo, há um período embaraçosamente longo, de 1984 a 2006, em que os americanos médios superaram os profissionais.
Deixe essa informação se assentar por um momento. Americanos comuns — um número significativo dos quais acredita em casas mal-assombradas (42% ou 58%, dependendo da pesquisa); possessão demoníaca (41%); a cidade perdida de Atlântida (57%); e astrologia (30%) – superam consistentemente os economistas do Federal Reserve, profissionais do mercado de títulos e, em muitos anos, analistas econômicos profissionais.
É algo para se ter em mente na próxima vez que um economista treinado falar sobre um modelo que mostra que a inflação vai subir, cair ou permanecer a mesma. Na verdade, a sabedoria coletiva de pessoas que nunca ouviram falar da Curva de Phillips provavelmente será uma estimativa melhor para o que está por vir.
Stephen Mihm, professor de história da Universidade da Geórgia, é colaborador da Bloomberg Opinion.
Os editoriais são escritos pela diretoria editorial da Bloomberg Opinion
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
– Esta notícia foi traduzida por Marcelle Castro, Localization Specialist da Bloomberg Línea.
Veja mais em bloomberg.com
Leia também
- Fale sobre suas finanças, é um ato saudável
- Reino Unido não deve se desarmar na guerra do ‘soft-power’
- Mercado começa a precificar alta maior de juro pelo Fed já em março
© 2022 Bloomberg L.P.