Bloomberg — Um estudo pioneiro que avaliou a linguagem utilizada em registros de um centro médico de Chicago constatou que os profissionais da saúde descrevem, com mais frequência, pacientes negros com referências consideradas negativas, como “não colaborativo” e “agitado”, em comparação com pessoas brancas da amostra.
Os negros tiveram 2,54 vezes mais chances de ter um ou mais “descritores negativos” em seus prontuários, mesmo quando ajustados por características sociodemográficas e de saúde, segundo um estudo que será publicado na edição de fevereiro do periódico Health Affairs.
Os médicos tradicionalmente usam termos como “não aderente” e “não colaborativo” quando os pacientes não seguem seus conselhos. No entanto, podem usar outras descrições mais neutras, como a de que um paciente “recusou” o tratamento, disse Michael Sun, estudante de medicina do terceiro ano da Escola de Medicina Pritzker da Universidade de Chicago e principal autor do artigo.
Pacientes negros há muito relatam tratamento injusto por parte dos profissionais da saúde. O estudo sugere que pode haver um viés implícito entre profissionais individuais, como médicos e enfermeiros, e um viés mais amplo nos sistemas de saúde que, segundo os autores, “tem o potencial de estigmatizar pacientes negros e possivelmente comprometer seus cuidados”.
O objetivo do estudo é “não policiar a linguagem”, disse Sun, mas induzir o pensamento sobre “as razões subjacentes pelas quais estamos usando certas palavras”. Ele espera que suas descobertas incentivem os profissionais a “descreverem os pacientes com mais compaixão, a fim de fornecer cuidados mais equitativos”, acrescentou.
A pandemia de covid-19 gerou um escrutínio intenso das disparidades no setor de saúde e os possíveis vieses que podem contribuir para tanto. Os negros estavam mais propensos a falecer em decorrência do vírus, principalmente no início da pandemia. O ceticismo do setor de saúde também impediu que os negros procurassem as vacinas.
A American Medical Association publicou em junho passado novas diretrizes abordando o racismo estrutural na medicina, incluindo discriminação, preconceito, abuso e microagressões. Os Institutos Nacionais de Saúde também lançaram no ano passado uma iniciativa para examinar e acabar com o racismo estrutural e as desigualdades raciais na pesquisa biomédica.
Para o novo estudo, os pesquisadores usaram machine learning para analisar a linguagem em 40.113 históricos e anotações de cerca de 18.459 pacientes feitas por profissionais da saúde, como médicos e enfermeiros. As anotações foram feitas em um grande centro médico acadêmico urbano em Chicago entre 1º de janeiro de 2019 e 1º de outubro de 2020. Mais de 60% dos pacientes da amostra eram negros, quase 30% eram brancos, 6,2% eram hispânicos ou latinos e 3,5% foram caracterizados como “outros”.
O estudo também constatou que pacientes com seguro-saúde Medicaid ou Medicare tinham mais chances de receber um descritor negativo em comparação com pacientes com seguro privado ou do empregador. Pacientes solteiros também tiveram maiores chances ajustadas de um descritor negativo em comparação com os casados.
A análise não examinou se as taxas de não conformidade variavam por raça ou tipo de seguro.
Outros estudos e pesquisas mostraram disparidades no tratamento médico nos Estados Unidos. Entre 2005 e 2013, mais de 12% dos entrevistados negros relataram discriminação racial nos serviços de saúde em comparação com 2,3% dos brancos em um estudo dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças.
--Com a colaboração de Carey Goldberg.
--Esta notícia foi traduzida por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.
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