São Paulo — Um relatório da casa de análise Nord Research destrinchou o modelo de negócios da fintech de crédito Creditas e disse que não vê motivos que justifiquem a entrada na aguardada oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) da companhia no mercado norte-americano, provavelmente no segundo semestre de ano.
A analista de ações da Nord Research, Danielle Lopes, avaliou que o business da Creditas, apresentada como a maior plataforma online de crédito com garantia do Brasil, não é rentável e depende muito da economia. “A empresa está indo na contramão de um negócio rentável. Focar somente em crédito deixa a companhia à mercê da economia - crises elevam inadimplência, apetite para risco por parte das instituições e juros altos com aumento de desemprego reduzem a demanda por crédito, o que não é interessante para um negócio”, justifica.
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O relatório comenta uma notícia publicada pelo jornal Valor Econômico, no último dia 19, de que a Creditas iniciou uma movimentação para listagem nos EUA no segundo semestre e estima um “valuation” (valor de mercado) de US$ 7 bilhões a US$ 10 bilhões na estreia.
“Nesse sentido, a fintech se assemelha ao Nu (NU): a ambição em ser a maior estreia em bolsa de uma companhia brasileira. E você lembra o que aconteceu com o banco do cartão roxo: precisou reduzir em 20% o preço para seu IPO”, compara o relatório.
Lopes avalia que, ao conceder empréstimos pessoais com garantia de imóveis e carros, há chance de calote de dívida com credores (pessoas físicas) e, portanto, não consegue fazer o bloqueio judicial de contas bancárias como fazem os grandes bancos.
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“Em caso de inadimplência, a empresa toma o bem colocado como garantia. Isso cria outro grande problema porque, na verdade, esses ativos adquiridos são grandes geradores de passivos. Em resumo, ela precisa vender esses carros e imóveis que eram garantias - faz as reformas necessárias e parcerias com concessionárias - para dar vazão e estancar as perdas do negócio principal”, exemplifica a analista.
Ela vê semelhantes entre Nubank e Creditas, fundada um ano antes do banco digital que abriu capital na Bolsa de Nova York no ano passado. “Ambos operam no prejuízo desde o início. Com receita de R$ 551,4 milhões nos nove primeiros meses de 2021, a Creditas teve prejuízo de R$ 215,8 milhões no mesmo período”, cita o relatório.
Sobre a decisão de entrar no esperado IPO, a analista recomenda aos investidores levar em consideração três pontos sobre a Creditas: alto centro de custos (mais de 2.500 colaboradores), rentabilidade baixa do segmento crédito e pouca margem de manobra para negociar taxas e reter o cliente como os grandes bancos.
“Apesar de parecer algo genial e inserido em uma proposta totalmente alinhada com a cultura do brasileiro (grandes tomadores de crédito), a forma como o negócio existe hoje não é saudável para o longo prazo, do ponto de vista de resultados”, menciona o relatório.
A analista avalia ainda que a Creditas tem dificuldade para oferecer a melhor taxa e rentabiliza o negócio ao mesmo tempo, já que a proposta é “roubar mercado de crédito dos bancos”. Lopes acrescenta que os grandes bancos são capitalizados o suficiente para negociar taxas com clientes relevantes a fim de não perderem as negociações.
“A proposta de valor da Creditas é oferecer empréstimo pessoal com uma taxa melhor do que os bancos. Mas já sabemos onde isso acaba, já que o negócio roda em prejuízo para captar clientes”, observa o relatório.
Lopes lembra que, em 2020, a Creditas recebeu um aporte de US$ 255 milhões e foi avaliada em US$ 1,75 bilhão, tornando-se um unicórnio brasileiro.
“Na época, a companhia fundada pelo espanhol Sergio Furio conseguiu novos sócios internacionais, como os fundos LGT Lightstone, Tarsadia Capital, Wellington Management, e.ventures e Advent International, por meio da afiliada Sunley House Capital. De lá para cá, a Creditas captou US$ 569 milhões em cinco rodadas de financiamento e mantém, no quadro de acionistas, empresas como o Softbank e Advent International”, relembra.
O relatório cita uma declaração do fundador e CEO da Creditas justificando a decisão de listagem nos EUA. “Nossos investidores são fundos de private equity estrangeiros, que preferem ver a empresa listada nos EUA onde os investidores entendem e estão mais abertos a teses de investimentos como da Creditas e onde as regras de governança são mais rígidas”.
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