Por Matheus Mans para Mercado Bitcoin
São Paulo - Entre abril de 2020 e março de 2021, representantes de distribuidoras de títulos e valores mobiliários e intermediários, de crypto-exchanges, de grandes bancos, gestores de recursos e advogados, entre outros agentes do mercado financeiro, se reuniram para discutir a construção de um ambiente estrutural e regulatório com foco na emissão, distribuição e negociação de valores mobiliários digitais.
A iniciativa partiu do Grupo de Trabalho Fintech do Laboratório de Inovação Financeira (LAB), fórum multissetorial criado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) junto com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE).
Com o propósito de criar um ecossistema de inovação financeira com negociações seguras e eficientes e potencial de ampliar o acesso de emissores e investidores ao mercado de capitais, a tecnologia de registro distribuído, com armazenamento e edição compartilhados de dados suportados pela blockchain, se mostra, segundo o estudo, uma alternativa.
“O uso dessas tecnologias permite maior eficiência, menor grau de ingerência humana, a desintermediação de mercados e o acesso direto do cliente a ativos. Tudo isso acaba gerando uma evolução nos ‘bastidores’ dos mercados tradicionais e também empodera mais o cliente”, diz Juliana Facklmann, head de regulação e estruturação de produto do Mercado Bitcoin, maior corretora de criptomoedas da América Latina, e uma das participantes das discussões no fórum do LAB.
Tokenização
No relatório produzido a partir dos primeiros debates, o LAB destaca que determinadas atividades regulamentadas, tal como a escrituração e a custódia de valores mobiliários, poderão ser efetuadas por agentes com atribuições diferentes das atuais, com potencial para reduzir custos e aumentar a eficiência.
O texto ressalta a posição da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que considerou o uso da tecnologia de registro distribuído como um facilitador da troca de valores e de ativos, sem a necessidade de uma autoridade central de confiança ou de um intermediário, permitindo, de início, ganhos de competência relacionados à desintermediação.
Esse ganho, segundo a OCDE, poderia ser conseguido com as oportunidades da tokenização de ativos no âmbito das ofertas de valores mobiliários digitais, diz o LAB. Essa vantagem viria, na visão da Organização, das inúmeras possibilidades e funções que o token pode desempenhar, diferentemente dos valores mobiliários existentes hoje.
Some-se a isso o potencial do processo de tokenização de permitir a ampliação do acesso direto de investidores a ativos financeiros. Juliana diz que o fato de esses órgãos terem incentivado e permitido a elaboração de estudos sobre tokenização e desintermediação demonstra a importância do tema e de se repensar as estruturas de mercado atuais.
Criptoativos
Outro assunto do fórum diz respeito aos benefícios e vantagens do uso de criptoativos em mercados financeiros e de capitais e sua regulação ao redor do mundo, ressaltando que diversos países têm buscado construir pontes entre os ativos tradicionais e o segmento cripto com objetivo de criar um marco regulatório específico para os valores mobiliários digitais e, assim, assegurar um arcabouço legal para os mesmos.
A possibilidade de utilizar esses ativos digitais nesse mercado surge com a constatação da grande variedade de uso das criptos, entre elas a categoria de tokens mobiliários, que funcionam como canal de investimento e, portanto, sob a regulamentação do mercado de valores mobiliários.
“Há muitos países que estão testando a regulação de criptoativos com vários modelos que vêm sendo utilizados, desde os mais extensivos e detalhados até os mais enxutos e principiológicos”, diz Juliana. “Dada a constante inovação e indefinição do cenário, as regulações mais enxutas e principiológicas que endereçam a mudança e inovação no mercado têm obtido maior sucesso e adesão”, completa. Para a executiva do Mercado Bitcoin, o estudo da LAB indica que o Brasil segue um caminho positivo para a regulação do mercado de ativos digitais.
“Estar atento aos movimentos internacionais, compreender os institutos locais e criar um ambiente no qual a inovação possa ocorrer com segurança devem ser o pilar da regulação brasileira desse mercado e, ao que tudo indica, têm sido observados pelos reguladores e legisladores locais. Vale lembrar que o Brasil tem de estar bem posicionado, pois a competição sobre criptoativos é global”.
No início de dezembro de 2021, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 2303/15, do deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), que prevê regras para a negociação de criptomoedas no país. O projeto está no Senado para apreciação.