São Paulo — A falta de harmonização entre leis estaduais e a Nova Lei do Gás prejudica a abertura do mercado e impacta negativamente o consumidor. A avaliação foi feita por uma carta conjunta assinada por três entidades do setor no Brasil, divulgada ontem (18).
“Leis e projetos de leis estaduais colocam em risco mercado nacional de gás”, alertaram a Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres), a ATGás (Associação de Empresas de Transporte de Gás Natural por Gasoduto) e o IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás).
Veja mais: Alta dos combustíveis: Lira diz que governadores deveriam cobrar Senado
As entidades defenderam, na nota, que os estados ampliem as discussões sobre os temas e evitem retrocessos e conflitos com a legislação federal que dificultem ou tornem mais lentos os processos de abertura do mercado de gás, podendo no pior dos casos, gerar judicializações não desejáveis em um mercado que está se abrindo e necessita de segurança jurídica.
Alguns estados do Nordeste (Paraíba, Maranhão, Pernambuco, Piauí e Ceará) já estão com suas leis aprovadas, enquanto no estado do Rio Grande do Norte a proposta de lei está em fase final de tramitação. Os marcos estaduais já servem para atrair investimentos estrangeiros. Na última segunda-feira (17), o governo do Ceará e a empresa de energia britânica Bp assinaram um memorando de entendimento (MoU) para atuarem em cooperação com o objetivo de explorar oportunidade para a potencial implantação de um hub de gás natural no Porto do Pecém (litoral cearense).
Para as três entidades, um exemplo do efeito negativo de alguns novos dispositivos estaduais é a determinação de requisitos limitantes para a migração do consumidor livre, colocando obstáculos à abertura efetiva do mercado.
Veja mais: Rússia restringe oferta e preço do gás dispara na Europa
“São exigidos do consumidor livre a comprovação e assinatura (simultânea) de diversos contratos. Como exemplos, em Pernambuco e Paraíba determinou-se limite mínimo de consumo de 50 mil m³/dia, na contramão do que vem sendo implementado nos outros estados da federação (10 mil m³/dia, ou zero no caso de São Paulo). Já no Ceará é previsto até um encargo adicional, denominado ‘gestão do mercado livre’”, citou a nota.
Conflitos com Nova Lei
Nos últimos meses de 2021, esses estados elaboraram projetos de lei sobre a prestação do serviço de gás canalizado e o mercado livre, com o objetivo de atualizar seus arcabouços regulatórios em linha com o novo marco legal federal, instituído pelo Lei n°14.134/21 (Nova Lei do Gás).
“Esse é um movimento que seria muito bem-visto pelo mercado, uma vez que existe a necessidade de elaboração de regras claras e objetivas referentes à atividade de distribuição em muitos estados, não fosse pelo fato de alguns destes processos terem ocorrido com pouca publicidade e, em alguns casos, com tramitação extremamente rápida, dificultando o salutar e democrático processo de consulta e discussão com as partes envolvidas. Como consequência, diversos pontos destes novos dispositivos legais causam preocupação, por estarem desalinhados com os ditames da Nova Lei do Gás — esta, sim, amplamente discutida por muitos anos com toda a sociedade — e com o Manual Orientativo de Boas Práticas Regulatórias do Comitê de Monitoramento da Abertura do Mercado de Gás Natural (CMGN)”, observou a nota divulgada pela Abrace, ATGás e IBP.
As três entidades sustentam que são diretamente confrontantes com as disposições federais as normas de âmbito estadual que pretendem: introduzir uma definição de gasoduto de distribuição que se sobreponha ou seja conflitante com os critérios de definição dos gasodutos de transporte (uma vez que os Estados não detêm competência para tratar dessa matéria, nem para alterar disposição de lei federal); atribuir às agências de regulação estaduais a classificação de dutos novos e reclassificação dos existentes; impor requisitos demasiadamente limitantes ou processos demorados para migração do consumidor para o mercado livre; criar novas taxas e encargos que oneram as transações do mercado livre; e se sobrepor à regulamentação da atividade de comercialização de gás, já tratada pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).
“A definição, no nível estadual, de regras de classificação dos gasodutos de distribuição em desalinho com a regulação federal coloca em risco um dos grandes benefícios pretendido pelo novo mercado de gás, que é o da construção de um amplo mercado nacional integrado por meio do sistema de transporte, promovendo assim uma maior segurança de suprimento, maior disponibilidade e competitividade do insumo para todos os consumidores do país. Deste modo, ao contrário do que se deseja, os novos marcos estaduais oportunizariam a verticalização da distribuição, induzindo a criação de ‘ilhas de mercado’ fomentadas por monopólios regionais, descaracterizando o sistema de redes e o ganho de escala que tenderia a beneficiar o consumidor. Acrescentam-se também custos desnecessários ao subutilizar infraestruturas existentes e compartilhadas”, avaliaram as entidades do setor.
Novas taxas
Outros pontos também chamam a atenção das associações. “Algumas legislações estaduais determinam regras desnecessariamente burocráticas e onerosas para a comercialização de gás, atividade já regulada a nível federal, impondo a necessidade de autorização estadual para comercializadores, com a abertura de filiais nos estados, requisitos nos contratos livres e criação de novas taxas e encargos para venda de gás no mercado livre - o que, por certo, não está em harmonia com o dinamismo e competitividade tão almejados no NMG [Novo Mercado de Gás]”, cita a nota.
As entidades acrescentam que, no estado (Rio Grande do Norte) onde ainda tramita projeto de lei sobre o assunto, deveriam ser realizadas audiências públicas com debate com a participação das três associações, além de outros interessados. “Para os estados que acabaram de editar suas leis, que seja feito um esforço para aprimorar os pontos frágeis dessas legislações, de forma transparente e, também, envolvendo todos os interessados. Um grande mercado nacional de gás natural possibilitará o aumento dos investimentos e da competitividade em todos os elos da cadeia, sem gerar privilégios a nenhum agente econômico, mas, sim, benefícios concretos para toda a sociedade”, sugerem.
A movimentação dos estados nordestinos no novo mercado de gás ocorre em um contexto de corrida para atrair novos investimentos, diante de economias regionais fragilizadas pela desaceleração da atividade econômica, aumento do desemprego e queda de arrecadação em dois anos de pandemia da Covid-19. Os dados econômicos dos estados se tornam vitrines na disputa eleitoral neste ano. Nos anúncios das intenções de investimentos para o mercado de gás, os estados têm adotado um discurso de aposta em energias renováveis, na internacionalização de suas economias e nos esforços para atrair capital para melhorar seus indicadores de PIB, de geração de emprego e de renda.
Leia também: Ray Dalio e Larry Fink voltam às ações de petróleo e gás