Credit mergulha no caos após demissão de Horta-Osorio por regra de covid

Executivo encarregado de reestruturar o banco foi demitido após nove meses de trabalho por violar as regras de quarentena

“Trata-se de responsabilidade pessoal no contexto profissional”
Por Ambereen Choudhury - Patrick Winters
17 de Janeiro, 2022 | 01:32 PM

Bloomberg — [15h29 -- Correção: Antonio Horta-Osorio era presidente do conselho do Credit Suisse, e não CEO, como informado no título desta matéria anteriormente]

O executivo encarregado de reestruturar o Credit Suisse foi demitido após apenas nove meses de trabalho por violar as regras de quarentena da covid, causando uma nova turbulência na gigante financeira suíça, enquanto a empresa se esforça para se recuperar de uma série de escândalos.

PUBLICIDADE

A saída do presidente do conselho, Antonio Horta-Osorio, revelada em um anúncio surpresa à meia-noite de segunda-feira (17), traz um fim abrupto ao mandato de um especialista em recuperação de empresas, que prometeu incutir uma cultura de responsabilidade pessoal no banco após seu período mais turbulento desde a crise financeira. Ele foi substituído por Axel P. Lehmann, membro do conselho do Credit Suisse, que supervisiona o comitê de risco, mas é pouco conhecido fora de Zurique.

Horta-Osorio, que recebeu o título de cavaleiro britânico depois de ressuscitar o Lloyds Bank, está saindo após uma investigação do banco sobre relatos de que ele quebrou os protocolos de quarentena na Suíça e no Reino Unido, ressaltando a crescente pressão sobre executivos, políticos e até esportistas de elite que ignoram os protocolos.

O momento não poderia ser pior para o banco suíço depois de ter contado com o banqueiro português à sua frente para administrar os efeitos dos colapsos da Greensill Capital e da Archegos Capital Management, trazendo a estabilidade necessária após uma série de saídas da alta gerência.

PUBLICIDADE

O Credit Suisse caiu até 2,2% no início do pregão de Zurique e foi 1,8% menor, a 9,38 francos, às 12h09, horário de Brasília.

Mesmo antes das notícias de suas violações de quarentena começarem a surgir no mês passado, o estilo de liderança de Horta-Osorio recebeu avaliações mistas no Credit Suisse. Alguns executivos, que falaram sob condição de anonimato antes da demissão, disseram que a abordagem contundente do executivo de 57 anos era o que o banco precisava e o apreciavam andando em pregões de Nova York a Londres e Paris. Outros o descreveram como conflituoso.

Para Lehmann e o CEO do Credit Suisse, Thomas Gottstein, o desafio será reconstruir a confiança entre funcionários e investidores após um êxodo constante de talentos e uma queda de 23% nas ações do banco no ano passado. Horta-Osório foi visto por muitos como o arquiteto da mudança estratégica do banco, no final do ano passado, para transferir recursos do banco de investimento para a gestão de patrimônio, incluindo uma saída do negócio de corretagem principal no auge da explosão do caso Archegos.

PUBLICIDADE

“Trata-se de responsabilidade pessoal no contexto profissional”, disse Sven Feldmann, reitor associado da Melbourne Business School. “Pensar que o presidente do conselho está acima da lei teria enviado um sinal errado para todo o banco. Ao tirá-lo do cargo, o banco está mostrando que tem tolerância zero para quem não cumpre as regras e leva a sério a implementação de uma mudança de cultura”.

O Credit Suisse disse no mês passado que Horta-Osorio violou as regras de quarentena ao deixar a Suíça antes que seu período de isolamento obrigatório terminasse. A Reuters informou mais tarde que o financista havia participado das finais de tênis de Wimbledon, em Londres, no início de julho, época em que os viajantes da Europa eram obrigados a passar por quarentena. Na ocasião, Horta-Osorio pediu desculpa por ter violado “involuntariamente” as regras suíças.

“Lamento que várias das minhas ações pessoais tenham causado dificuldades para o banco e comprometido minha capacidade de representá-lo interna e externamente”, disse Horta-Osório no comunicado. “Portanto, acredito que minha demissão é do interesse do banco e de seus stakeholders neste momento crucial.”

PUBLICIDADE

Horta-Osório ingressou no Credit Suisse em abril. Os apoiadores do banqueiro incluem grandes acionistas do Credit Suisse, como David Herro, da Harris Associates. “Estou muito, muito satisfeito que a pessoa no topo da organização seja extremamente capaz e tenha uma boa compreensão do risco”, disse Herro à Bloomberg TV, em outubro. Herro também apoiou o ex-CEO, Tidjane Thiam, antes de sua demissão por um escândalo de espionagem.

Ao mesmo tempo, as ações do Credit Suisse definharam sob Horta-Osório e seu estilo de liderança irritou alguns. Em um exemplo do verão de 2021, ele disse em uma reunião de banqueiros que a empresa tinha um ótimo negócio de gestão de patrimônio “com serviços auxiliares”, segundo várias pessoas que ouviram as observações. Para vários negociadores e traders importantes, essas palavras foram percebidas como um golpe, já que o banco de investimento gerou mais receita do que qualquer outra divisão da empresa.

Ao recorrer a Lehmann, o banco está nomeando um membro suíço que passou quase duas décadas no Zurich Insurance Group e é bem versado em gerenciamento de risco, já que o Credit Suisse busca reforçar suas defesas após o rombo de US$ 5 bilhões deixado pelo caso Archegos. Ele foi eleito para o conselho do banco em outubro, tendo anteriormente atuado como diretor de operações do UBS Group e chefe da divisão suíça do banco. Tal como Horta-Osório, tem experiência em varejo, bem como no ramo corporativo, tendo tido menos exposição à atuação na área de investimento.

A revisão da estratégia de seis meses de Horta-Osório resultou em uma estrutura simplificada e na saída do banco do negócio de hedge funds, embora tenha ficado aquém das mudanças radicais que caracterizaram a revisão do Deutsche Bank três anos antes. As ações do Credit Suisse estão atrás de pares globais desde que o plano de revisão foi anunciado em novembro. Surgiram especulações sobre possíveis fusões e aquisições.

“A rotatividade em curso com as mudanças de gestão traz mais incerteza”, escreveram os analistas do JPMorgan Chase, liderados por Kian Abouhossein, em nota aos clientes. A especulação sobre uma fusão “não é provável em nossa opinião, muito menos agora com a mudança de presidente; por enquanto, vemos o Credit Suisse dando continuidade a seu status de entidade independente.”

A nomeação de Lehmann levanta questões sobre se ele e Gottstein continuarão com a estratégia definida no final do ano passado ou se tentarão realizar mais mudanças de curso, incluindo novos cortes no banco de investimento. Durante seu curto período no cargo, Horta-Osório também fez várias nomeações executivas de alto nível e Lehmann também pôde trazer seu próprio pessoal.

Em comunicado, Lehmann disse que o banco “estabeleceu o rumo certo” com sua revisão estratégica e que continuará trabalhando para fortalecer a cultura de risco em todo o banco.

A saída de Horta-Osório ocorreu menos de um dia depois que um tribunal australiano confirmou a decisão do governo de revogar o visto de Novak Djokovic, depois que o astro do tênis tentou contornar uma exigência de entrada em um dos países mais vacinados do mundo. No Reino Unido, o futuro do primeiro-ministro Boris Johnson está por um triz, após uma reação pública a partidos que não cumprem as regras em seu gabinete, em Downing Street.

– Com a colaboração de Marion Halftermeyer.

– Esta notícia foi traduzida por Marcelle Castro, Localization Specialist da Bloomberg Línea

Veja mais em bloomberg.com

Leia também