Bloomberg Línea — Juan Guaidó não é o mesmo de três anos atrás - é possível notar por suas vestimentas, seu discurso e até os fios brancos na cabeça. O cenário também mudou. Após ter cinco escritórios revistados, ele recebeu a Bloomberg Línea em sua residência para conceder uma entrevista presidencial em nome do governo interino que comanda e do qual tomou posse em 23 de janeiro de 2019.
O tempo não passou em vão, e entre acertos e erros, que hoje reconhece, ele se permitiu falar da construção de um mandato que mais uma vez foi renovado por unanimidade no Parlamento Nacional, que continua contando com o apoio dos Estados Unidos e de outros países, embora isso não o impeça de ter seus tropeços.
Ele sabe que o fortalecimento da unidade continua sendo o grande desafio para a oposição venezuelana, além de lidar com o desgaste do período, que se reflete em todo o país, como resultado da expectativa gerada pelas eleições livres, que este ano podem estar mais próximas, com a aplicação de um mecanismo como o Referendo de Revogação de Nicolás Maduro. Analistas afirmam que seus desafios são meramente políticos, não econômicos, justamente pela falta de autoridade nas instituições do Estado.
Com a recuperação de ativos no exterior, você ativou programas como o Héroes de la Salud, que aliviou o setor de saúde em questões econômicas, porém isso não aconteceu novamente. Como você acredita que o governo responsável pode proporcionar à população uma mudança em termos econômicos tangíveis? Você planeja utilizar os recursos recuperados para isso?
A oferta para alcançar a mudança econômica na Venezuela e a confiança e o investimento estrangeiro tem a ver com segurança jurídica – em primeira instância – e confiança na sociedade venezuelana. Isso só é possível com uma mudança, o resto conseguimos ao abordar a grave emergência humanitária gerada pela ditadura. Gerar governança e certeza, estabilidade para promover o investimento estrangeiro, entendendo que haverá segurança jurídica. Dedicamo-nos a aliviar a crise porque os tempos da política não esperam os tempos da fome, da doença galopante e muito menos da emergência humanitária, então o desafio é aliviar a emergência para chegar ao cerne da catástrofe. Medidas puramente assistenciais e humanitárias não são e nem serão suficientes.
E qual é a situação do caso Monómeros? A justiça colombiana começou a investigação. Com isso, a Venezuela perdeu o controle da Monómeros? Como recuperá-lo?
A Monómeros é uma empresa colombiano-venezuelana, com capital venezuelano, e assim deve permanecer. O que devemos buscar é eficiência, transparência e prestação de contas; por isso, a Assembleia realizou duas investigações, a Comissão de Controladoria e a Comissão Especial. Propus um decreto de reestruturação, que infelizmente o Parlamento rejeitou para acelerar os tempos de mudança e prestação de contas e auditoria externa. Neste momento, o conselho de administração da Pequiven deve apresentar através de um headhunter um substituto para a direção e para a gerência, tudo isso nos alavancando na institucionalidade colombiana, que infelizmente hoje está sequestrada na Venezuela. Por isso, a medida é que acompanhemos todas as investigações e, se houver um funcionário que comprovadamente se aproveitou de seu cargo para se beneficiar pessoalmente, ele deverá arcar com todas as consequências. Os venezuelanos estão sofrendo muito e justamente o que destruiu a Venezuela foram 20 anos de impunidade que reinou por muito tempo, e hoje a ditadura ainda persiste. Não vamos tolerar isso, por isso agimos como agimos, de uma maneira muito pomposa, aliás.
No mês passado publicamos um artigo na Bloomberg Línea após as declarações de duas fontes da coalizão de oposição, que falaram sobre as fraturas dentro da oposição e a tentativa de Henrique Capriles de substituí-lo na liderança. Qual é sua opinião?
Acabo de ser ratificado por unanimidade por todo o Parlamento Nacional como presidente da Assembleia Nacional, incluindo com votos dos partidos Primero Justicia, Un Nuevo Tiempo, Voluntad Popular, Acción Democrática, Causa R, Proyecto Venezuela, Convergencia, ou seja, qualquer opinião de qualquer líder, com qualquer influência, é uma opinião desse líder, o fato fala por si. A ratificação unânime do Parlamento Nacional não se trata apenas do apoio a uma pessoa; assumo a presidência circunstancialmente porque também acredito na alternância, portanto a ratificação é também política, para a defesa da República, dos que ficam da República e dos que a defendem com vigor, porque como disse no ano passado, o que resta da República está no Parlamento Nacional e vamos defendê-lo. Fingir também é se render à ditadura, então para nós foi fundamental não ser um apoio a Juan Guaidó, mas à política de defesa da República, para conseguir eleições livres e justas o mais rápido possível, e acredito que isso deixa claro qualquer opinião, que também é pessoal.
Acabo de ser ratificado por unanimidade por todo o Parlamento Nacional como presidente da Assembleia Nacional, (...) qualquer opinião de qualquer líder, com qualquer influência, é uma opinião desse líder
Juan Guaidó, presidente interino da Venezuela
Você acredita que há condições para retomar as negociações com o México? Acredita que podem chegar a um acordo? De que tipo?
Acredito em um acordo urgente de salvação nacional, sem dúvidas. As condições existem para se alcançar um acordo, o que é mais notável hoje, com certeza, diante de uma ditadura sem apoio popular, internacionalmente identificada com crimes contra a humanidade, que tem a ver com a não independência dos poderes, especialmente do sistema judiciário venezuelano, uma alternativa democrática exigindo solução de conflitos, a maioria do país buscando soluções e a possibilidade de um acordo. Acredito que existam condições de se retomar a possibilidade de um acordo. Note-se que uso a palavra “negociação” por último, para não confundir o meio com o fim. A Venezuela precisa de um acordo, precisa de uma solução para o conflito, que passa por eleições presidenciais livres e justas, que passa pela garantia de todos os setores, que passa pelo equilíbrio do sistema judicial venezuelano para que o devido processo seja respeitado em todos casos. Que não se repita o que aconteceu em Barinas, mas também no Amazonas em 2015, onde novamente utilizaram a mesma arma como recurso para também violar a vontade do povo. Sem dúvida, existem condições para poder chegar ao acordo. A ditadura deve estar pensando duas vezes, especialmente nos grupos dentro da ditadura que deixam claro que Nicolás Maduro não tem nenhum apoio popular, muito menos seus enviados. É preciso ver quem foi derrotado em Barinas também. O Sr. Arreaza tinha conhecimento nacional e internacional e mesmo assim foi derrotado abruptamente. Imagino que estejam pensando não duas, mas três vezes: a FAN, o PSUV, os partidos que chamaram de Povo Patriótico.
Um Referendo de Revogação pode ser incluído nas eleições livres deste ano?
Precisamos de uma eleição para sair de Maduro, e a boa notícia para todos os venezuelanos é que quem tem prazo de validade, mesmo em sua lógica, é Maduro. Há um debate muito intenso no PSUV. Eles têm prazo de validade. Precisamos da eleição para nos livrarmos de Maduro e disputar o poder. Estamos exigindo uma eleição presidencial que eles nos devem desde 2018. Agora, podemos ativar um mecanismo de plebiscito para que o povo decida que Maduro deve sair? É necessário ativá-lo, o problema é ativá-lo. Nós, venezuelanos, não podemos nos prender a um mecanismo burocrático para dizer a Maduro se queremos que ele seja removido ou não, já sabemos sua resposta, ele nos disse em 2016, ele nos roubou o referendo de revogação, o desafio é ativá-lo, o desafio é produzir a eleição, antecipada presidencial ou plebiscitária que afaste o regime. E tenho muito cuidado para não dizer “revocatório”, e quero explicar isso: não é porque tenho medo da palavra ou porque seja um mecanismo, é porque não podemos confundir o objetivo com o mecanismo. O mecanismo é uma eleição livre e justa, o objetivo é afastar Maduro. Se conseguirmos ativar um processo como esse, não tenho dúvidas de que Barinas será multiplicada por 24 mais 1, que é a diáspora que tem que participar também. Se nomearmos a diáspora como um estado, seria o maior em números. Agora, não vamos cair num falso dilema, votar ou não votar, esse não é o dilema, queremos participar, mobilizar, votar, precisamos defender o voto e a vontade do povo, como Barinas fez, duas vezes. O desafio é defender a vontade do povo e que ela seja expressa de forma majoritária. Encontrar esses espaços seguros para a participação cidadã para que se possa refletir a diferença. Encerrar-se apenas no mecanismo seria facilitar a narrativa da ditadura.
– Esta entrevista foi traduzida por Bianca Carlos e Marcelle Castro, Localization Specialists da Bloomberg Línea.
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