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Ideias Bloomberg Línea

Coração de porco em peito humano tem batimentos mexicanos

Qual a relação entre o ex-chefe de gabinete do presidente do México e um dos maiores marcos cirúrgicos do século XXI?

Tempo de leitura: 3 minutos

Bloomberg Línea Ideias — A notícia correu o mundo: na segunda-feira (10), David Bennett (um nova-iorquino com uma doença em estado terminal) se tornou o primeiro homem na história da medicina a receber o coração de um porco geneticamente modificado. No Centro Médico da Universidade de Maryland, Bennett foi incentivado a tentar seu último recurso, e uma equipe de cirurgiões decidiu realizar um procedimento inovador por “motivos de compaixão” – uma das oportunidades oferecidas pela Food and Drug Administration (FDA, reguladora de saúde dos EUA) para este tipo de teste em pessoas vivas.

Este é o primeiro caso de xenotransplante de coração, ou seja, o transplante desse órgão entre duas espécies diferentes.

A opção de Bennett tem um protagonista mexicano.

Trata-se de Alfonso Romo, o chefe de gabinete da presidência do México até poucos meses atrás, que, entre seus muitos negócios fora do país, tem uma empresa fundada em 2005 em La Jolla, na Califórnia, chamada Synthetic Genomics. Para isso, contratou ninguém mais, ninguém menos, que Craig Venter – cientista que conseguiu decodificar a sequência do genoma humano – para montar um laboratório focado em projetos genômicos com US$ 15 milhões.

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Romo sempre flertou com tecnologia futurista e os avanços genéticos desde que detinha a Seminis, a maior empresa de germoplasma do planeta, vendida primeiro para a Paine e depois para a Monsanto. A título de curiosidade, Romo é considerado o “pai” da cenoura baby – aquelas cenourinhas que fazem sucesso nas saladas – desenvolvida pela Seminis.

Há sete anos, a Synthetic Genomics começou a trabalhar em um projeto único e inovador: fazer uma série de mudanças genéticas em porcos para tornar seus órgãos mais adequados para serem transplantados em humanos sem rejeição.

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Para esta iniciativa, Romo e Venter fizeram parceria com outra empresa de biotecnologia, a United Therapeutics, de Silver Spring, Maryland (UTHR). Até a terça-feira (11), suas ações subiam, indicando um bom sinal do mercado de que a medicina é o novo foco de investimentos neste mundo pós-pandemia.

Lembro-me de ter entrevistado Alfonso Romo em seu condomínio nas chamadas “Torres de Coca-Cola”, no bairro de Polanco, na Cidade do México, há 11 anos, quando me disse que essa empresa era liderada por uma pessoa que ele admirava muito e que estava orgulhoso de trabalhar em seus projetos de saúde: Martine Rothblatt. Ela foi empresária do setor de telecomunicações, advogada especializada em direito espacial, doutora em ética da medicina, filósofa existencialista, escritora, promotora da Inteligência Artificial, bilionária e uma das primeiras empreendedoras transexuais dos Estados Unidos. Sua marca esteve em ícones como GeoStar e PaAmSat, e no desenvolvimento do primeiro rádio via satélite com a WorldSpace e a Sirius.

No entanto, Rothblatt deixou o mundo corporativo para investir toneladas de dinheiro em pesquisa genética quando soube, há 15 anos, que uma de suas filhas, Jenesis, foi diagnosticada com hipertensão pulmonar e que sua única salvação era um transplante.

Diante da pouca possibilidade de consegui-lo tanto para sua filha quanto para milhares de pacientes no mundo, ela se concentrou totalmente em buscar alternativas como a preparação de órgãos em animais para realizar transplantes e, de acordo com muitos estudos e desenvolvimentos clínicos, os mais próximos em tamanho e compatibilidade foram os dos porcos.

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Nos últimos sete anos, o laboratório de Romo (que conta com outro mexicano de classe mundial em sua diretoria – o cientista e divulgador Juan Enriquez) conseguiu mudanças ao adicionar aos porcos genes humanos que produzem uma proteína chamada CD46, que modera a ação do sistema imunológico para tornar o órgão menos suscetível à rejeição pelo receptor.

Em outubro do ano passado, a parceria Romo e Rothblatt permitiu o primeiro xenotransplante para um paciente com problemas renais, que não sobreviveu.

Mas no caso de David Bennett as previsões são otimistas.

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Alfonso Romo deixou seu escritório no Palácio Nacional e seu trabalho de conectar empresários com a presidência de Andrés Manuel López Obrador, mas nunca deixou seu interesse (pessoal e financeiro) pelo mundo da ciência.

Este texto não reflete necessariamente a opinião dos conselhos editoriais da Bloomberg Línea, Falic Media ou Bloomberg LP e seus proprietários.

-- Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.

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Bárbara Anderson

Barbara Anderson é jornalista e editora de negócios, finanças e empresas