Bloomberg Línea — As festas de fim de ano trouxeram uma avalanche de novos casos de covid-19; em alguns países, isso foi agravado por complicações ou restrições ao acesso aos testes, após o alerta generalizado dos governos e autoridades de saúde para abster-se de aglomerações.
Na América Latina, antes mesmo do fim de 2021, a Argentina tinha o maior número de infecções desde o início da pandemia, registrando 42.032 casos positivos em 29 de dezembro, segundo dados do Ministério da Saúde. Logo depois, em 6 de janeiro, o país ultrapassou a marca dos 100 mil em 24 horas. Um dia depois, ultrapassou 110 mil. Enquanto isso, o Brasil vive um “apagão de dados oficiais” sobre a doença desde o dia 10 de dezembro, quando o sistema do Ministério da Saúde sofreu um ataque hacker.
O México ultrapassou os 15 mil casos diários pela primeira vez em quatro meses em 4 de janeiro. Segundo dados do Ministério da Saúde, a estimativa de casos ativos aumentou 273% de 21 de dezembro a 4 de janeiro. Quatro dias depois, o país registrou 30 mil casos, superando a marca de agosto e os picos máximos da primeira e segunda ondas.
Os níveis de testagem variam em cada país latino-americano, de acordo com suas limitações e diversidade nas estratégias de saúde. No entanto, o fator comum são os serviços médicos que voltam a ser afetados pela alta demanda em função da chegada da variante ômicron. O setor público é o mais saturado, o que afeta diretamente a população pobre.
Filas crescentes e “apagão de dados” no Brasil
Os registros de casos de covid no Brasil não têm acompanhado o mundo real, que traz uma explosão de contaminação pelo vírus após as festas de fim de ano. Enquanto o país tenta sair de um “apagão de dados” do governo federal, com as falhas do sistema oficial - o Conecte SUS -, laboratórios particulares e farmácias não têm dado conta de atender o salto na busca por testagem, ao passo que as filas só crescem na rede pública.
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Relatos de clientes dão conta de que laboratórios têm marcado exames com mais de oito dias de espera, e com resultados de testes com previsão de 48 horas para liberação de resultado.
“Há uma pandemia silenciosa de ômicron no Brasil”, disse Pedro Hallal, epidemiologista e professor da Universidade Federal de Pelotas a Bloomberg News. “Não há testes ou estatísticas oficiais suficientes para mostrar o quanto o número de pessoas infectadas está crescendo.”
No Rio de Janeiro, a prefeitura montou sete centros de testagem e atendimentos para pessoas com sintomas gripais em pontos estratégicos da cidade para desafogar hospitais e clínicas da rede. Ainda assim, há relatos diários de filas longas e muitas horas de espera. A prefeitura de São Paulo ampliou o atendimento e a aplicação de testes rápidos em unidades básicas de saúde.
As farmácias de todo país têm enfrentado um aumento nas buscas por testes, com uma “explosão no número de positivos”, conforme a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma).
De acordo com a associação, que reúne as 26 maiores redes de farmácias do país, houve um salto de 50% no número de testagens na semana de 27 de dezembro a 2 de janeiro em comparação com a anterior. O percentual de diagnósticos do coronavírus sobre o total de atendimentos também teve um salto e foi o maior desde a implementação do serviço, em abril de 2020.
Segundo um porta-voz da Abrafarma em resposta à Bloomberg Línea, não há informações oficiais de falta de testes, além de relatos de dificuldades de agendamento e alta demanda, algo que não era previsto para esta época. Segundo ele, não há notificação oficial de um desabastecimento ou falta total de testes.
Os sistemas de marcação de testes das farmácias não têm dado conta das tentativas dos usuários. No site da rede Pacheco, por exemplo, aparece a seguinte mensagem ao tentar agendar: “Devido a alta procura por agendamento de testes, nosso sistema está passando por instabilidades. Pedimos desculpas pelo transtorno e sugerimos que tente novamente mais tarde ou procure a loja mais próxima de você.”
Já a Pague Menos registrou um aumento considerável na demanda por testes de covid nas unidades da rede em todo o País. Em resposta a um pedido da Bloomberg Línea, a companhia informou que na segunda quinzena de dezembro de 2021 e nos 5 primeiros dias do mês de janeiro de 2022, houve um crescimento de mais de 200% no número de testes realizados, em relação ao mesmo período do ano anterior. Os exames são feitos apenas com agendamento prévio pelo site ou telefone e, atualmente, a espera é de 4 dias.
Um levantamento realizado pelo Data & Analytics da Dasa, rede que representa marcas como Hospital 9 de Julho, Laboratório Bronstein, Sérgio Franco e Lavoisier, identificou aumento na taxa de positividade que passou de 18,98%, em 29 de dezembro de 2021, para 40,46%, em 5 de janeiro de 2022, com base nos exames realizados nas mais de 900 unidades ambulatoriais da rede por todo Brasil. O volume de testes de RT-PCR para covid cresceu 53,4% no mesmo período.
México: saturação no sistema público, farmácias e laboratórios
O México começou 2022 com uma dificuldade de acesso a testes gratuitos em duas instituições na Cidade do México e no Estado do México, onde foi registrado o maior acúmulo de casos ao longo da pandemia.
As pessoas se aglomeram principalmente nos centros públicos de saúde para fazer o teste, esperando por vezes até cinco horas ou mais, desde que consigam pegar uma das 50 senhas distribuídas muito antes do início do turno. Caso contrário, inicia-se uma peregrinação que pode durar até o dia seguinte.
Farmácias e laboratórios particulares não estão isentos: também há várias horas de espera para adquirir um teste rápido que custa em média em torno de US$ 13,20 e US$ 22, respectivamente. Algumas farmácias até criaram um sistema de agendamento para evitar aglomeração. Em várias tentativas de contato telefônico com uma rede privada de laboratórios, a mensagem era sempre a mesma: “por contingência sanitária, temos um número limitado de operadores”.
Em meio a alta demanda, a Secretaria de Saúde da Cidade do México decidiu ampliar o horário de atendimento nos 117 postos de saúde a partir de 4 de janeiro e afirmou que reabasteceriam os suprimentos para dobrar o número de testes e chegar a 23,4 testes diários. Além disso, os módulos de teste gratuito foram reativados em oito shoppings distribuídos em diferentes pontos da cidade.
“Na última semana, aumentamos em média 150% o número de testes gratuitos na Cidade do México. Nesta sexta-feira (7) realizamos quase 23 mil testes, em comparação aos 7 mil da semana anterior”, disse Eduardo Clark, responsável pelo setor de tecnologia na Cidade do México.
As autoridades da capital indicaram que estão analisando reativar os grandes quiosques de covid-19 nos municípios com maior índice de testes positivos e demanda, bem como utilizar autotestes de raspagem nasal.
Em Toluca, capital do Estado do México, região com o segundo maior número de casos, a população também luta para encontrar testes, com senhas entregues com até três dias de antecedência, segundo a agência Quadratín.
Outras regiões também estão saturadas, segundo meios de comunicação locais: Sonora, Guanajuato, Chihuahua, Zacatecas, Tabasco, Yucatán e Quintana Roo; e cada estado tem sua própria estratégia de combate à doença.
Desde o início da pandemia, a abordagem das autoridades de saúde foi realizar um número limitado de testes, focando na vigilância de pessoas com sintomas mais graves e apontando que existem outras estratégias para controlar o vírus.
No país, são realizados 122 testes por milhão de habitantes todos os dias, segundo informações de 1º de janeiro da plataforma Our World in Data da Universidade de Oxford, que coleta dados de fontes oficiais. Nos Estados Unidos, o número chega a 3.957.
Segundo a plataforma da Iniciativa Gisaid, que promove a troca constante de dados do coronavírus, o México é o país latino-americano com mais relatos da nova variante. Argentina e Brasil seguem logo atrás.
O presidente Andrés Manuel López Obrador nega que o país esteja passando por uma quarta onda de covid, postura também assumida pela prefeita da capital, Claudia Sheinbaum, salientando que embora as infecções estejam a aumentar, as hospitalizações e óbitos não dispararam.
Até agora, o governo não falou sobre a escassez de testes. A Bloomberg Línea solicitou ao Ministério da Saúde dados estimados sobre o estoque de testes do país, mas até a publicação desta nota não obteve resposta.
Espera de 48 horas por teste na Colômbia
As entidades de Bogotá e o governo do país, que conta com prevalência de 60% da variante ômicron, não falaram sobre escassez de testes.
Apenas as autoridades de Cali, na parte ocidental do país, fizeram uma declaração pública. Além disso, fizeram um alerta para o aumento de casos na cidade. “Quero informar que se esgotaram os suprimentos para a amostragem neste posto e em alguns outros pontos da cidade. Lamentamos o transtorno e estamos trabalhando para atender à comunidade”, disse Miyerlandi Torres, secretária de Saúde da cidade, em 3 de janeiro.
Ao passo que o Ministério da Saúde afirma que a disponibilização de testes gratuitos depende das secretarias locais, estas – pelo menos em Bogotá – indicam que a responsabilidade é das Entidades Promotoras da Saúde (EPS) e das Instituições Prestadoras de Serviços de Saúde (IPS); o fato é que na capital do país, desde o final do ano passado, as pessoas precisam se aglomerar em filas que se estendem por quarteirões para obter um teste gratuito.
Os colombianos têm duas opções para fazer um teste de PCR: pontos em secretarias distritais e laboratórios privados que cobram cerca de US$ 70 por um teste de PCR ou US$ 30 por um teste de antígeno. Dessa forma, as pessoas mais pobres são as mais afetadas pela superlotação. Dois laboratórios privados confirmaram que o número de testes aumentou, mas que o aumento se deve à época de viagens e aos requisitos de saída e entrada em outros países.
A Bloomberg Línea soube do caso de Alexandra e Mario, um casal de Bogotá com dor de cabeça e mal-estar, que ficaram dois dias na fila para fazer o teste, porém, após várias horas de espera, foram informados de que estavam esgotados. Em 48 horas foram a vários pontos da cidade, andando de táxi e transporte público, até conseguirem aceder ao teste: deram positivo e perguntam-se quantas pessoas infectaram na empreitada.
O governo havia declarado em setembro passado que a meta era realizar 50 mil testes por dia. Em dezembro, a média era de 50 mil, mas em 5 e 6 de janeiro, esse número chegou a 100 mil.
Com o pico de infecções e a alta demanda, no dia 7 de janeiro o Ministério da Saúde decidiu priorizar os testes para pessoas do grupo de risco e sintomáticos.
Sigilo sobre testes na Venezuela
Desde que o governo de Nicolás Maduro fez o anúncio oficial do primeiro caso de Covid-19 registado em março de 2020, os testes de PCR ficaram a cargo exclusivamente do Estado.
O laboratório do Instituto Nacional de Higiene Rafael Rangel (INHRR) foi o único autorizado a realizar testes, até julho daquele ano, quando o partido no poder também autorizou o Instituto Venezuelano de Pesquisas Científicas (IVIC) para esse fim, em meio aos alertas que especialistas e universidades fizeram sobre os números irreais de infecções, que eles atribuíram à centralização dos testes.
Até o final de 2020, alguns laboratórios privados em Caracas já ofereciam testes rápidos e moleculares para detectar o vírus.
O custo aproximado de cada teste de PCR, cujos resultados eram entregues em 24 horas, era de até US$ 80. Apesar de não haver respaldo do uso desses testes de maneira geral, eles foram aceitos no Aeroporto Internacional Simón Bolívar de Maiquetía, assim como aqueles que o INHRR continuou aplicando, especificamente para viajantes de forma gratuita. Em agosto de 2021 eles foram suspensos.
Após o processo de descentralização, as reclamações sobre a impossibilidade de acesso aos PCRs no país diminuíram. A população que não teve acesso aos exames pagos foi solicitada a se dirigir diretamente ao hospital de campanha instalado pelo governo Maduro no Poliedro de Caracas ou a alguns Centros de Diagnóstico Integral (CDI), que existiam apenas naquela cidade.
Mesmo assim, o sigilo sobre o número de testes diários foi mantido e desde abril de 2021, o Ministério da Saúde deixou de informar expressamente esses dados, segundo os Médicos Unidos pela Venezuela, que até maio registrava cerca de 2.000 testes diários.
Flor Pujol, virologista do IVIC, indicou que o país conta com testes PCR e descartou a falta de reagentes, embora possa haver falta de viroculturas. Pujol também apontou que, embora o número de testes e casos tenha diminuído, isso pode mudar com a chegada da variante ômicron.
Tentativa de evitar o colapso na Argentina
A preocupação das autoridades sanitárias argentinas hoje não são os registros de óbitos e internações, mas o aumento de resultados positivos nos testes, que nos últimos dias foi superior a 50%. Ou seja, uma em cada duas pessoas testadas - a porcentagem é um pouco maior - dá positivo. Isso produziu um colapso nos centros de teste. E isso levou o Ministério da Saúde Nacional, juntamente com o Conselho Federal de Saúde, a criar novas diretrizes para solucionar esse novo conflito.
O governo informou em 6 de janeiro que os contatos diretos não farão teste de swab nasal, apresentando ou não sintomas. Essas pessoas, por outro lado, terão que se isolar por cinco dias.
“Não é estritamente necessário realizar um teste para confirmar o diagnóstico, pois, diante de uma circulação viral tão alta, a confirmação pode ser estabelecida por nexo clínico e epidemiológico”, disse Carla Vizzotti, ministra da Saúde, acrescentando que “caso a pessoa tenha tido contato próximo com um caso confirmado, mas não apresente sintomas, deve realizar o isolamento correspondente, mas não é indicada a testagem”.
Dado o pico de demanda por swabs e o registro de infecções, a Administração Nacional de Medicamentos, Alimentos e Tecnologia Médica (Anmat) aprovou na primeira semana do mês a venda exclusiva em farmácias dos quatro kits de autoteste de coronavírus. São eles: Panbio COVID-19 Antigen Self-Test, SARS-CoV-2 Antigen Self Test Nasal, SARS-CoV-2 Antigen Rapid Test, WL Check SARS-CoV-2. O preço varia entre 2.000 e 2.500 pesos argentinos.
Nicolás Kreplak, Ministro da Saúde da província de Buenos Aires, assegurou que “qualquer procedimento diagnóstico ou medicamento de uso livre tem uma particularidade: são segmentados entre os que têm acesso e condições financeiras e os que não têm, o que implica em não se ter controle preciso sobre eles”.
A Confederação de Bioquímicos Argentinos criticou a aplicação dos kits de autoteste, considerando-os inconvenientes porque “são indicativos apenas e não têm valor diagnóstico”. “Eles não garantem a cadeia de rastreabilidade, a confiabilidade do resultado ou o relatório epidemiológico correspondente”, acrescentaram.
Testes só com agendamento prévio no Equador
Desde 4 de janeiro, o sistema público de saúde do Equador só realiza testes de covid com receita médica.
A ministra da pasta da saúde, Ximena Garzón, anunciou a medida devido a uma demanda excessiva por testes gratuitos em todo o país. Na esfera privada não há tal restrição e os testes continuam sendo realizados normalmente. No entanto, os laboratórios estão saturados e apesar de terem material disponível, os resultados são entregues mais tarde do que o normal.
Garzón garante que o excesso de demanda por PCR e testes de antígenos causou “estresse no sistema de saúde”, apesar de existirem 1.343 centros de amostragem e processamento gratuitos em todo o país.
“Os testes e consultas no sistema público vão continuar a ser gratuitos, embora não queiramos que os testes sejam desperdiçados devido à escassez que existe”, disse em uma coletiva de imprensa. Atualmente, o país conta com cerca de 250.000 testes de antígenos e outros 80.000 PCRs. Um valor que o Ministro considera suficiente para a vigilância epidemiológica.
Compras no Peru
No Peru também se veem longas filas para a realização de exames gratuitos fornecidos pelo Estado e há queixas generalizadas porque não são suficientes para todas as pessoas que os requerem. No entanto, o Governo Nacional não fala em escassez.
Cevallos disse ter mais de 1,2 milhão de testes de reserva disponíveis e que existe a possibilidade de fazer novas compras para evitar problemas no País. Em 2021 foram gastos mais de 83 milhões de soles porque os testes eram mais caros. Neste momento compramos 2,8 milhões de testes a um preço mais baixo, felizmente”, disse.
“O Conselho de Ministros discutiu sobre a possibilidade do Ministério da Economia disponibilizar o valor exato do orçamento necessário para contratar mais pessoal e superar o número de 10.000 testes diários realizados pelo INS, para nos aproximar de valores muito mais elevados, que é o que necessitamos. Serão feitos acordos com universidades e com o setor privado”, ressaltou.
Alta demanda em duas regiões do Chile
O Chile diminuiu significativamente os casos de Covid-19 depois de vacinar massivamente a maioria de sua população-alvo e realizar milhões de testes para detectar o vírus.
De acordo com o Ministério da Saúde, um total de 27.738.019 testes foram analisados em todo o país ao longo da pandemia. Em 6 de janeiro, registrou o maior número de infecções nos últimos seis meses. Um dia depois, apresentou o maior número em dois meses com 3.799 casos diários, com 74.482 exames que resultaram em positividade de 4,75%.
O ministro da Saúde, Enrique Paris, disse que o Chile se preparou, reforçando sua estratégia de Testagem, Rastreabilidade e Isolamento (TTA), que se traduz em: capacidade de testagem, disponibilidade de leitos nos centros de saúde e “grande parte da população-alvo já vacinada”.
Enquanto isso, nas regiões chilenas de Tarapacá e Biobío tem havido uma grande demanda por testes de PCR, segundo o jornal El Mercurio. Na primeira, observa-se uma espera de até quatro horas nos pontos de Busca Ativa de Casos (BAC).
O secretário regional de Tarapacá pediu que a população tenha paciência e retorne no dia seguinte, em caso de não atingir a cota, informou a mídia, enquanto seu parceiro de Biobío pediu testes para viajantes tanto na ida quanto na volta, no auge da temporada de verão.
Começou na segunda-feira (10) a aplicação de uma quarta dose da vacina contra a covid-19 para pessoas imunocomprometidas.
Com a colaboração de Andrés Garibello, Raylí Luján, Mariano Espina, Kariny Leal e Maolis Castro
– Esta notícia foi traduzida por Bianca Carlos e Marcelle Castro, Localization Specialists da Bloomberg Línea.
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