Como funciona o ajuste fiscal que Ronaldo está fazendo no Cruzeiro

No comando do clube, Ronaldo cortou 2/3 do orçamento do futebol em 2022, mas as contas ainda estão longe de fechar

Ronaldo Fenômeno começou a gestão no Cruzeiro com cortes no departamento de futebol
11 de Janeiro, 2022 | 02:07 PM

Anunciado em dezembro como comprador de 90% das ações do Cruzeiro, Ronaldo disse que a volta do clube à série A do Brasileiro depende primeiro de um ajuste com cortes de despesas para equilibrar as contas. Numa entrevista coletiva em Belo Horizonte, nesta terça, o ex-jogador disse que a situação financeira é crítica e que a dívida bilionária pode inviabilizar o clube.

“Cada dia nós abrimos uma gaveta e encontramos uma surpresa negativa”, reclamou o Fenômeno, falando a jornalistas na capital mineira.

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“O Cruzeiro é um paciente em estado grave, na UTI, e nós estamos oferecendo o tratamento necessário para que saia dessa condição, e que possamos fazer o máximo pra que seja o clube grande que merece ser”, comparou.

Este é o terceiro ano consecutivo que o clube disputa a série B.

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POR QUE ISSO É IMPORTANTE: O Cruzeiro foi o primeiro grande clube brasileiro a adotar o modelo de Sociedade Anônima do Futebol (SAF), cuja lei foi aprovada pelo Congresso no segundo semestre de 2021. A lei facilita a transformação dos times em empresas – seguindo um modelo que é comum na Europa há duas décadas – com um mecanismo de governança de sociedades anônimas e enquadrado em um regime tributário especial.

Ronaldo foi anunciado como comprador do Cruzeiro SAF em dezembro numa transação de R$ 400 milhões, a serem pagos em cinco anos, e assumirá a dívida do clube, estimada em R$ 1 bilhão. A operação foi assessorada pela XP.

CLUBE GASTA MAIS QUE ARRECADA: Segundo Ronaldo, a auditoria financeira nas contas do clube – etapa da aquisição do clube, que ainda não foi concluída – mostrou que boa parte das receitas deste ano e do próximo já foram antecipadas e não entrarão no caixa do clube.

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Segundo ele, o departamento de futebol previa gastos de R$ 90 milhões em 2022 e receita de R$ 60 milhões (boa parte dela já antecipada pela gestão anterior).

“Infelizmente o cenário hoje é bem complicado, com receitas até o próximos dois anos já antecipadas, inclusive já gastas. Nós encontramos um cenário realmente trágico no clube, mas temos que estancar o sangramento”, disse.

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A tesoura do ex-camisa 9 cortou o orçamento do futebol para R$ 35 milhões este ano. Para ficar dentro do novo teto, não houve a renovação do contrato do goleiro Fábio, ídolo cruzeirense – o que suscitou uma avalanche de críticas de torcedores nas redes sociais.

“Todo esforço que a gente podia ter feito para manter o Fábio e oferecer a ele um período para ele se despedir da torcida, da casa que foi sua durante tantos anos, foi feito. Uma pena que não chegamos a um acordo. Mas temos que seguir adiante”, disse Ronaldo.

O cartola afirmou que o objetivo é montar uma equipe competitiva para voltar à série A do Brasileiro, mas dentro do orçamento do clube.

Segundo o ex-jogador, o principal problema de curto e médio prazo é a dívida com vencimento em 2022 e 2023, que totaliza R$ 140 milhões e podem culminar num “transfer ban” (proibição de registrar novos atletas pela Fifa em função de dívidas com outros clubes de futebol. Entre os credores deste passivo estão os clubes Defensores (Uruguai) e Mazatlán (México) pelas transferências de Arrascaeta e Riascos.

Na coletiva, Ronaldo disse que ainda não tem pronto o planejamento financeiro para este ano nem quis detalhar como quanto do aporte anunciado de R$ 400 milhões será gastos este ano.

Ronaldo falou pouco sobre a ponta da receita. Ele mencionou que o programa de sócio-torcedor está abaixo do que pode render em receitas para o clube. O programa tem atualmente 10 mil torcedores, um número baixo, segundo ele.

MAIS CONTEXTO: Não é a primeira vez que Ronaldo assume o comando de um clube. Sua empresa, a Tara Sports, com sede em Madri, é a acionista majoritária do Real Valladolid. A entrada dele no Cruzeiro, entretanto, ainda tem alguns pontos obscuros, como se há ou não outro investidor no negócio.

Com a aprovação da lei das Sociedades Anônimas do Futebol, em agosto passado, clubes de futebol, que até então funcionam como associações sem fins lucrativos, podem se transformar em sociedades anônimas, atrair investidores. Pela lei, os clubes que aderirem ao modelo terão de adotar um modelo de gestão similar ao de outras sociedades anônimas já existentes, com obrigatoriedade de criação de conselhos de administração e fiscal e contratação de auditoria anual.

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Por este modelo, clubes transformados em SAF têm seis anos para quitação de 60% das dívidas da antiga estrutura jurídica e o restante deve ser liquidado entre o sétimo e o décimo ano. Há vantagens fiscais: nos cinco primeiros anos, os impostos totalizam 5% da receita, mas não incidem sobre a venda de jogadores. A partir daí, a alíquota cai para 4%, mas as transferências passam a ser tributadas.

O espírito da lei é que as SAF possamm oferecer garantias reais para investidores e obter dinheiro novo, já que têm um regime de governança definido por lei, vantagens tributárias e o cronograma de equacionamento das dívidas.

No Brasil, o Botafogo está em negociações com o investidor americano John Textor, dono de empresas de mídia e tecnologia. Textor já é proprietário do Crystal Palace, clube inglês da primeira divisão.

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Graciliano Rocha

Editor da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela UFMS. Foi correspondente internacional (2012-2015), cobriu Operação Lava Jato e foi um dos vencedores do Prêmio Petrobras de Jornalismo em 2018. É autor do livro "Irmã Dulce, a Santa dos Pobres" (Planeta), que figurou nas principais listas de best-sellers em 2019.