Nômade digital? Novas modalidades de visto de trabalho ajudam

Com demissões e onda de pessoas insatisfeitas, demanda por força de trabalho estrangeira cresce e pode favorecer brasileiros

Loja de roupas em Miami Beach anuncia vagas de empregos em vitrine; mercado de trabalho norte-americano busca preencher vagas contratando estrangeiros
08 de Janeiro, 2022 | 07:58 AM

São Paulo — Advogados especializados em imigração nunca viram tantos brasileiros interessados em entender a burocracia para arrumar as malas e refazer a vida fora do país. Motivos não faltam: a economia nacional entrou em recessão técnica, sem perspectiva para a recuperação consistente do mercado de trabalho e da renda. A boa notícia: novas modalidades de vistos de trabalho serão a grande tendência migratória para 2022, segundo o Relatório Global de Tendências Migratórias 2022 da Fragomen, empresa mais antiga de imigração do mundo.

“As novas necessidades em termos de qualificação e também a consolidação do teletrabalho, as diferenças de câmbios e facilidades de pagamentos globais e a tendência global de diversidade, que fez com que os executivos entendessem o valor de diferentes culturas, perspectivas, olhares e inovações, fomentam a contratação de estrangeiros, inclusive brasileiros, em muitos casos de forma remota”, analisa Diana Quintas, sócia da Fragomen no Brasil.

PUBLICIDADE

Segundo a Fragomen, governos de todos os continentes estudam novas regras migratórias para desburocratizar e estimular a mobilidade global de profissionais qualificados. “O Brasil ainda está atrasado nesta discussão. Apesar de termos uma Lei de Migração bastante moderna, as políticas migratórias ainda não se atualizaram para tornar o país atrativo para trabalhadores estrangeiros em modalidade remota”, afirma Diana.

Veja mais: Os 10 países da AL que dão visto para nômades digitais

Uma das tendências que vai causar forte impacto no mercado global, segundo a Fragomen, é a redução de tipos de vistos que precisam de uma empresa patrocinadora. Cada vez mais, os países têm se aberto para receber profissionais qualificados autônomos, empreendedores ou em busca de trabalho superqualificado sem o convite prévio de uma empresa nacional ou de atuação local.

PUBLICIDADE

Alguns países como Belarus, Botsuana, Etiópia, Finlândia, Lesoto, Luxemburgo, Madagascar, Nova Zelândia, Eslovênia e Zâmbia já concedem vistos de trabalho para profissionais qualificados sem o patrocínio de um empregador local, segundo a Fragomen.

A crise no turismo gerada pela pandemia também impulsionou governos a investirem em programas para atrair estrangeiros que quiseram aproveitar o home office para morar em outro país. Novos vistos para nômades digitais foram criados nos últimos anos em 23 países, metade deles na América Latina e Caribe, segundo a Fragomen.

“Em 2020 o crescimento de vistos para nômades digitais cresceu exponencialmente e a tendência é que cada vez mais países adotem políticas migratórias semelhantes. Esse movimento mostra que a imigração ganhou importância nas agendas para recuperação econômica, principalmente de países muito dependentes do turismo”, diz Diana

PUBLICIDADE

Muitas novas políticas migratórias foram pensadas a partir da crise do coronavírus, mas os resultados tendem a ser permanentes, como processos mais digitais, menos burocráticos e com menos compromissos presenciais em consulados, embaixadas e ministérios, por exemplo, segundo a Fragomen.

O Relatório Global de Tendências Migratórias, publicado anualmente pela Fragomen, destaca algumas mudanças e tendências migratórias:

  • África

As Ilhas Maurício criaram um visto para nômades digitais de até dez anos. A África do Sul deverá publicar uma lista de profissionais desejados por seu mercado que poderão obter vistos de trabalho. E a Zâmbia também publicará uma lista semelhante

PUBLICIDADE
  • América Latina

O Peru reduziu a burocracia e o tempo para conceder vistos de imigrante. À medida que o combate à Covid-19 se torna mais efetivo, outros países devem aprovar novas regras de imigração. A Colômbia já anunciou que facilitará a validação de diplomas para atrair mais profissionais estrangeiros qualificados ao país. Já o Panamá lançará novas categorias de vistos também focadas em atrair força de trabalho qualificada

  • América do Norte

O Canadá continuará seus programas de atração de imigrantes e já mudou algumas regras trabalhistas que garantem mais direitos aos estrangeiros

  • Ásia e Pacífico

O governo da Austrália priorizou pedidos de vistos de profissionais qualificados para trabalhar em setores considerados críticos para a economia durante a pandemia. O Vietnã publicou novas resoluções facilitando a imigração de especialistas e profissionais técnicos para preencher postos de trabalho desocupados durante a pandemia

  • Europa

Apesar de ter passado por três processos eleitorais, a Bulgária conseguiu aprovar um visto para startups. A Grécia aprovou o visto para nômades digitais e a Bélgica lançou um novo visto para estrangeiros graduados no país poderem ficar até um ano procurando trabalho. A necessidade de recuperação pós-crise dá elementos suficientes para que a Europa não crie medidas super restritivas para imigração

  • Oriente Médio

Os Emirados Árabes Unidos criaram uma nova categoria de vistos para “talentos especializados” para as áreas de engenharia de software e ciências. O Omã passou a conceder vistos de investimentos que permitem residência por dez anos, o primeiro do país que não precisa de uma empresa patrocinadora

É comum ver anúncio de vagas de emprego nas vitrines do comércio das cidades americanas, como em Miami

“Grande Demissão”

Especialistas em imigração apontam os EUA ainda como o destino preferido dos brasileiros que desejam refazer a vida em outro país. Eles citam um fator conjuntural da economia norte-americana que tem favorecido o “bye, bye, Brazil”: a Grande Demissão (”Great Resignation”). “Esse é um movimento que tem sido liderado pelos profissionais mais jovens, até 30 anos, que estão cansados do modelo atual de trabalho, às vezes pouco flexíveis, com microgerenciamento e organogramas verticais”, diz Rodrigo Costa, CEO da AG Immigration, escritório de advocacia especializado em imigração.

As pressões geradas pela crise da Covid-19, o burnout, cargas horárias excessivas, a aversão pelo retorno presencial ao trabalho e a busca por novos propósitos – intensificada pela pandemia, que fez com que as pessoas revissem projetos pessoais e profissionais – também tem agravado a situação. “A boa notícia é que isso abre espaço para profissionais estabelecidos do Brasil e de outros países, que não sentem tanto esses choques culturais quanto os grupos mais jovens e que estão motivados a buscar uma carreira nos EUA”, afirma Costa, especialista em mercado de trabalho americano.

Veja mais: Corretoras diversificam opções para comprar moeda estrangeira

Com mais de 11 milhões de vagas abertas, os EUA estão facilitando a emissão de vistos permanentes para cidadãos estrangeiros que queiram trabalhar no país, seja em setores menos especializados – como construção civil, limpeza, alimentação ou varejo –, seja em áreas que exigem mão de obra mais qualificada, como medicina, enfermagem, engenharia, tecnologia da informação e aviação, segundo a AG Immigration.

“Hoje os vistos EB, ou Employment Based, como são conhecidos, são os mais usados para os brasileiros que querem trabalhar nos EUA. Mas é importante destacar que, dependendo do caso, podem existir opções mais ou menos burocráticas”, afirma Felipe Alexandre, sócio-fundador e advogado da AG Immigration.

O salário mínimo americano – que atualmente é de US$ 7,25 por hora de acordo com a lei federal e, em alguns estados, chega a US$ 14 (Califórnia) ou US$ 15,20 (Washington, D.C.) é um dos atrativos para os brasileiros que sonham em morar nos EUA.

Vistos

Os vistos permanentes para os EUA, são divididos em EB-1, EB-2, EB-2 NIW, EB-3, EB-4 e EB-5. Cada categoria traz diferentes exigências, mas todas esperam que o imigrante comprove interesse e condições de contribuir com alguma demanda da sociedade americana. Para profissionais brasileiros, as categorias EB-2 e EB-2 NIW são as que trazem melhores oportunidades, pois visam justamente suprir carências no mercado de trabalho americano. É o visto que permite ao estrangeiro com uma carreira sólida adquira um trabalho nos EUA e possa viver com sua família no país.

Entretanto, a categoria EB-2 exige que uma empresa americana faça a solicitação do visto por meio de um Labor Certification, provando que não há americanos disponíveis para ocupar a vaga. A categoria EB-2 NIW, por sua vez, dispensa tal exigência. O interessado precisa comprovar que seu trabalho será melhor aproveitado sem que haja perda de tempo com o Labor Certification. A atual situação de vagas em aberto nos EUA é uma porta de entrada para a aquisição de EB-2 NIW.

Veja mais: Exigência só de ‘teste de farmácia’ pode incentivar viagem aos EUA

Segundo o especialista em direito internacional Leonardo Leão, CEO da Leão Group, as áreas de maior destaque têm sido o campo médico, o tecnológico, e as engenharias. “Mas isso não quer dizer que outras profissões também não tenham possibilidade de obter residência permanente”. Segundo Leonardo Leão, a forma mais acertada de se obter o visto de residência permanente, também conhecido como green card, é apostar na honestidade, uma vez que os sistemas são rigorosos. “Não existe escadinha. Americano é muito pragmático, se você cumpre a lei, ele realiza seu processo. Não existiria toda a legislação se não tivessem interesse em contar com os imigrantes”, afirmou.

Golpe

O número de brasileiros que querem deixar o país e se mudar para os EUA tem crescido a cada dia, mas esse número é igualmente proporcional à quantidade de pessoas que acabam caindo em golpes de empresas que fazem promessas sobre empregos e vistos, desiludindo quem busca uma vida diferente em outro país. A avaliação é de Daniel Toledo, advogado que atua na área do direito internacional, fundador da Toledo e Associados e sócio do LeeToledo PLLC, escritório de advocacia internacional com unidades no Brasil e nos EUA. Ele relata um caso de seu cliente, que foi vítima de um desses golpes.

“Inicialmente, uma pessoa entrou em contato por e-mail, se apresentando como um funcionário de uma empresa que supostamente faz assessoria nos EUA. Ele realizou essa entrevista via chamada de vídeo e alguns dias depois, recebeu uma mensagem sendo parabenizado por ter sido aprovado no processo de seleção”, revela Toledo. Para começar o processo de entrada no país, o suposto empregado deveria realizar o pagamento de US$ 15 mil, valor que, segundo a representante da empresa, seria utilizado para a contratação de um advogado e todos os custos para a solicitação de um visto da categoria EB3, que atende a estrangeiros que tem um emprego fixo nos EUA.

Segundo Toledo, esse tipo de prática não é comum entre as empresas do país, que geralmente arcam com praticamente todos os custos de seus funcionários. “É muito improvável que uma empresa peça algo assim. Se uma companhia realmente estiver interessada em seu trabalho, vai arcar com os custos inicialmente, mesmo que faça um acordo e desconte esse valor do salário posteriormente. É algo que, de fato, ocorre”, relata.

Depois de muito esforço e ter que se desfazer do carro que usava para ir até o trabalho, e o da sua mulher, ou seja, ele não dispunha daquele valor inicialmente, o cliente depositou o valor solicitado pela suposta empresa. Mas alguns dias depois, foi bloqueado em todos os canais de atendimento. “Ele recebeu dois e-mails que diziam que a suposta empresa estava negociando e já havia mandado a solicitação para o advogado. Mas ele foi bloqueado e pararam de responder suas mensagens. Rapidamente constatamos que o endereço físico que constava no timbre da assinatura não existia”, relata Toledo.

Por mais que a ansiedade de sair do Brasil seja imensa, o advogado reforça que é preciso estar atento a todos os detalhes ao receber esse tipo de proposta. “Devemos fazer a lição de casa, pesquisar no Google, e checar quanto tempo aquele profissional tem de mercado, quantos processos já realizou, como são as suas redes sociais e site”, recomenda.

Leia também: Quais os salários mínimos da América Latina no início de 2022

Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.