Bloomberg — Durante as férias, passei o máximo de tempo possível ao ar livre e o menos tempo que pude na frente das telas. Ao iniciar o tempo de tela de 2022, há alguns anúncios importantes no mundo dos transportes e da eletricidade que me fazem pensar no ano (e anos) à frente. Eles variam amplamente, mas apontam para duas coisas: um aumento maciço de eletricidade limpa e transporte eletrificado e uma descentralização simultânea de ambos ao mesmo tempo. As implicações do último são fascinantes, mas primeiro, a escala.
Na Índia, a geração solar ultrapassou por pouco a geração eólica em 2021, tornando-se a terceira maior fonte de elétrons atrás do carvão e da energia hidrelétrica. Eólica, solar e biomassa são agora mais de 10% da geração de energia da Índia; se somadas a energia proveniente de hidrelétricas e usinas nucleares o país já tem 25% de sua energia de carbono zero. O carvão ainda domina – foi 72% de toda a geração e em um nível recorde no ano passado – mas espera-se que mal cresça até 2030, enquanto a energia solar triplicará.
A expansão solar da Índia continuará, e também no resto do mundo. Grande parte disso será altamente distribuída, na escala de uma casa, e grande parte será emparelhada com uma bateria. A BNEF espera que a capacidade de geração fotovoltaica em pequena escala se expanda quase dez vezes até 2050. A capacidade da bateria se expandirá quase 130 vezes até meados do século.
As baterias, é claro, não serão apenas estacionárias e usadas para aplicações na rede elétrica. Nos Estados Unidos, a Ford anunciou a segunda duplicação da capacidade de produção de sua picape elétrica, F-150 Lightning, em menos de doze meses, de 40.000 para 80.000 e agora 150.000 unidades por ano. Um executivo da Ford disse que “parece que a demanda certamente existe” para que os veículos elétricos representem 10% do mercado de carros dos EUA, o que alinharia esse mercado atrasado com o mercado global, que atingiu essa marca no terceiro trimestre de 2021.
Os principais fabricantes estão planejando usar seus veículos como opções de armazenamento que não só são capazes de reter e usar uma carga de energia, mas também poder descarregá-la em outra coisa. A Volkswagen, que está no meio de sua própria expansão significativa de veículos elétricos, disse no mês passado que seus EVs farão parte de um “ecossistema universal e contínuo de carregamento”. A VW vê a cobrança bidirecional como uma forma de seus veículos “serem usados no mercado de energia como unidades móveis de armazenamento de energia”.
Esses desenvolvimentos apontam para uma descentralização de partes significativas dos sistemas de energia e transporte. Milhões de sistemas de geração solar e sistemas de bateria serão de propriedade individual, participando de mercados de energia que apenas algumas décadas atrás eram território exclusivo de grandes empresas de serviços públicos e empresas estatais e reguladas pelo estado. Os carros são de propriedade individual desde o início, é claro, mas se centenas de milhões deles se tornarem participantes do mercado de energia nos próximos anos, eles desempenharão um papel muito diferente do que desempenham hoje.
A descentralização dos sistemas de energia pode permitir o florescimento de uma miríade de novos modelos de negócios. Os indivíduos podem arbitrar os diferenciais de preços; vizinhos podem negociar entre si; as empresas podem agregar ativos e atuar no lugar de players maiores e mais estabelecidos do mercado de energia. Essas são boas possibilidades que devem ser adotadas - mas também levantam questões.
Os mercados de energia não são a internet do consumidor. Os mercados de energia são altamente regulamentados por um motivo, e coletivamente colocamos expectativas nesses mercados – de confiabilidade, de serviço universal e de custo – que normalmente não aplicamos a ações individuais. Em uma era descentralizada, um participante individual seria capaz de definir o preço de sua própria energia por 10.000 vezes acima da média? Ou, será que com um simples clique, insiders realizariam “operações de lavagem” (do inglês wash trading) enganando o mercado com sinais de preço que não refletem a oferta e a demanda?
Outra questão igualmente importante é: a descentralização necessariamente implica mais inovação? Aaron Levie, o CEO do provedor de serviços em nuvem Box, captou muito bem as compensações entre descentralização e inovação em uma série de tweets no final de dezembro. Levie escreveu especificamente sobre software e o potencial para construir aplicativos descentralizados que rodam no blockchain, conhecido como Web3, mas seus insights são relevantes aqui também.
A web, diz Levie, “já está descentralizada, permitindo que você lance qualquer novo produto no mercado a qualquer momento”. Uma descentralização adicional - na qual cada produto em si não tem um centro - quebra a eficiência natural de um mercado em determinar o produto certo de que ele precisa. Acrescente requisitos de disponibilidade e confiabilidade, e não fica claro até que ponto os mercados descentralizados de eletricidade e transporte elétrico poderiam operar sem algum controle centralizado.
O futuro provavelmente oferecerá uma combinação: descentralização de ativos junto com entidades que servirão a funções de “comando e controle”. Isso poderia deixar muito espaço para a inovação e muito espaço para o surgimento de novos negócios e modelos de negócios.
– Esta notícia foi traduzida por Marcelle Castro, Localization Specialist da Bloomberg Línea.
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