Bloomberg — Para os verdadeiros crentes da criptomoeda, o Bitcoin (BTC-USD) é a última reserva de valor, a proteção mais sólida contra a inflação galopante fabricada por bancos centrais imprudentes que imprimiam dinheiro. Já para os céticos, o mundo cripto é uma miragem cujo aumento expressivo para além de US$ 2 trilhões foi simplesmente o subproduto especulativo da quantidade extraordinária de dinheiro fácil que está circulando na economia global - na verdade, uma grande bolha.
Ambas as teorias estão prestes a enfrentar seu maior teste até agora.
O Bitcoin, a criptomoeda original, emergiu das cinzas da crise financeira global há mais de uma década como um atalho entre bancos e agências governamentais atoladas na grande calamidade de Wall Street na época. O token digital ganhou seguidores, inspirou uma onda de “wannabes” e sobreviveu a algumas investidas mais selvagens. Mas foi só na grande crise seguinte, da covid-19, que esse mercado realmente decolou.
O mundo cripto explodiu depois de março de 2020, quando o Federal Reserve e o Congresso liberaram um estímulo no valor de trilhões de dólares para conter o golpe econômico da pandemia. Uma grande parte desse dinheiro foi parar em ativos digitais, aumentando os preços do segmento. O Bitcoin disparou 305% em 2020 e subiu outros 60% no ano seguinte, atingindo um recorde de quase US$ 69 mil no início de novembro.
Desde então, no entanto, tem sofrido uma queda implacável, pressionada em grande parte pela mudança de postura da política monetária do banco central. Agora, com as chances de que os formuladores de política comecem uma série de aumentos nas taxas já em março - apenas uma das várias etapas que eles devem tomar para remover a liquidez - ainda não se sabe se o criptossistema pode resistir sem ela.
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Até o momento, os prognósticos não parecem bons: o Bitcoin já caiu cerca de 40% de suas máximas, enquanto a moeda número 2, o Ether (XET-USD), e outras “altcoins” também sofreram quedas acentuadas.
“Se eles vão aumentar as taxas três vezes em 2022 e manter o programa, e a era das taxas baixas acabou, vamos realmente ver o quanto as pessoas acreditaram nessa tese do Bitcoin”, disse Stephane Ouellette, executivo-chefe e cofundador da plataforma de criptoativos FRNT Financial Inc. “Eu acredito que o Fed, ficando cada vez mais agressivo, seja muito ruim para os valuations”.
O sr. Powell era mais divertido imprimindo dinheiro.
Michael O’Rourke, estrategista-chefe de mercado da JonesTrading, concorda. “As compras de ativos aparentemente perpétuas do Federal Reserve têm sido a pedra angular para o investimento em criptoativos”, disse ele. Se o banco central seguir o caminho traçado em sua última ata, que mostrou que os membros do Fed estão preparados para se mover mais rápido do que o esperado para aumentar as taxas de juros e, potencialmente, encolher o balanço, então “isso prejudicaria imediatamente a tese altista por trás do Bitcoin e de muitas outras criptomoedas“, disse O’Rourke.
Durante a maior parte de seus 13 anos de história, o Bitcoin desfrutou de um ambiente de política monetária fácil, com taxas de juros zero ou negativas. Embora não haja uma linha direta dos cofres do Fed para as ordens de compra de Bitcoin, há uma conexão, de acordo com David Tawil, presidente da ProChain Capital, um fundo de hedge de criptoativos. Por um lado, o fato de o Fed comprar qualquer tipo de ativo pode ter efeito cascata, elevando os preços de outros investimentos. “Todo o poder de compra, todo o poder de investimento que existe, tem que ir para algum lugar”, disse ele por telefone.
Em segundo lugar, com as taxas nas mínimas históricas, os investidores foram forçados a vasculhar o mercado em busca de oportunidades de maior rendimento e muitos recorreram aos criptoativos, dada a sua capacidade de postar ganhos extraordinários. Pense em um investidor de junk bonds que estava acostumado a retornos elevados de um dígito, mesmo em dias ruins, disse Tawil. “Ele será forçado a colocar dinheiro em algo mais arriscado, mas, mais importante, algo que rende aquilo que ele está acostumado a receber.”
Então, o que acontece quando as condições financeiras ficam mais apertadas?
“O movimento inicial é o oposto do que aconteceu quando eles colocaram o dinheiro - tudo vai balançar para o outro lado, até que se acalme”, disse Tawil. “É por isso que você tem essa reação imediata no mercado, porque todos estão prevendo que o dinheiro vai deixar as coisas mais arriscadas.”
A última vez que o banco central dos EUA aumentou as taxas foi em dezembro de 2018, numa alta final após uma série de elevações nos juros. Naquela época, o Bitcoin era negociado por cerca de US$ 3.700 e conceitos como “finanças descentralizadas” e “tokens não fungíveis” estavam a anos de entrar no vernáculo. Acabou sendo um ano difícil para a criptomoeda original, principalmente, no final do período, quando o Bitcoin perdeu mais de 40% de valor nos últimos dois meses - momento que também coincidiu com uma queda nas ações dos EUA.
Essa dinâmica está se repetindo agora, com o Bitcoin caindo no mesmo ritmo que ações com preço elevado antes de uma nova rodada de aperto do Fed, disse Peter Boockvar, diretor de investimentos do Bleakley Advisory Group e editor do The Boock Report.
“Por enquanto, está se provando ser apenas um ativo do tipo risco on/risco off”, disse ele. “Espero que o Bitcoin seja negociado da mesma forma como outros ativos de risco em resposta ao aperto do Fed.” Boockvar comparou a moeda digital ao ARK Innovation ETF, de Cathie Wood, que é visto como um dos ativos de risco de maior sensibilidade e que também se mostrou altamente afetado ao aperto do Fed conforme os investidores começam a prestar mais atenção aos valuations.
O Bitcoin, entretanto, continua sendo um metamorfo supremo. Ele tem representado muitas coisas para muitas pessoas por mais de uma década e suas narrativas (muitas vezes contraditórias) continuarão a evoluir. Afinal, ele foi considerado como morto repetidamente, denunciado como veneno de rato e considerado uma bolha apenas para voltar cada vez mais forte depois.
E conforme aumenta a adoção por parte de investidores institucionais, o futuro do Bitcoin também pode se tornar mais claro, diz Max Gokhman, diretor de investimentos da AlphaTrAI, que está trabalhando em uma aplicação de seus algoritmos de inteligência artificial para o espaço de ativos digitais.
“Não devemos descartar que, no futuro, os casos de uso do Bitcoin podem evoluir para onde ele se reinventa e ganha importância”, disse ele.
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