Por Gino Matos para Mercado Bitcoin
São Paulo — A ideia de um universo virtual que simula a vida real disparou em popularidade no último trimestre de 2021, com o termo metaverso atingindo pico de buscas no Google. Marcas famosas, como Adidas, Nike e Budweiser perceberam o aumento do interesse e decidiram investir nesse mundo, criando versões digitais de seus produtos na forma de tokens não fungíveis, os NFTs.
Agora, simular a realidade em ambiente virtual vem chamando também a atenção de países e alguns estados. Um exemplo é a ilha caribenha de Barbados, que anunciou, em novembro, que planeja replicar sua embaixada no metaverso Decentraland, enquanto Seul, capital sul-coreana, pretende investir US$ 3,3 bilhões até 2030 para criar uma versão online da cidade em proporções exatas à vida real, com a oferta de serviços públicos e culturais nesse novo ambiente. A pretensão, em ambos os casos, é gerar praticidade no acesso.
Liliane Tie Arazawa, community builder da Women in Blockchain Brasil e gestora de projetos, considera que Seul possui um caminho facilitado para o metaverso por meio do AI Chatbot, aplicativo aberto ao público para consultas e reclamações. “Os serviços de moradia, segurança, bem-estar, transporte e meio ambiente já prestados provavelmente serão integrados à área imersiva”, observa.
Além disso, as lições aprendidas pela capital sul-coreana poderão ser repassadas a países, trazendo à tona problemas contemporâneos mundiais que ainda demandam solução dentro e fora do metaverso, avalia Liliane.
No caso de Barbados, ela diz que a criação da primeira embaixada do metaverso, baseada em terreno virtual soberano, deve ter relevantes impactos sociais, considerando que a ilha caribenha recentemente se tornou uma República, encerrando um ciclo de quase 400 anos de história escravagista e colonial.
“Momentos de ruptura histórica como esse costumam ser prenúncio de um período de transformações profundas, como o exemplo da Estônia, hoje referência em governo e sociedade digital. Com o metaverso, Barbados poderá explorar mais sua diplomacia digital e as riquezas de seu patrimônio cultural do que conseguiria via embaixadas físicas”, completa.
Praticidade virtual na vida real
Yulgan Lira, fundador e CEO da Colb, avalia que a entrada estatal no metaverso é uma “consequência natural” com o aumento de pessoas no universo virtual, já que o Estado deve atender seus cidadãos onde quer que estejam. “É como a evolução da adoção de órgãos públicos às redes sociais, mas com muito mais potencial de abranger diferentes classes de serviços”, diz.
Lira cita o recolhimento de impostos e a certificação de documentos usando blockchain como exemplos de serviços que podem ser oferecidos de forma virtual. Faz, contudo, uma ressalva: “para isso os órgãos públicos precisam amadurecer o entendimento da tecnologia blockchain para que tais serviços sejam coerentes com a presença dele no metaverso”.
A coerência da qual Lira fala é definida por ele como uma renovação legislativa e administrativa que, embora demande tempo e esforço, reduzirá o custo e tornará práticos os serviços públicos hoje tidos como burocráticos.
Gustavo Rabay Guerra, sócio do escritório Rabay, Palitot & Cunha Lima Advogados e professor da Universidade Federal da Paraíba, compartilha da visão de Lira sobre a redução da burocracia em muitos serviços públicos, acrescentando que oportunidades de interação antes consideradas difíceis e “até mesmo impossíveis” poderão ser criadas com a presença estatal no metaverso.
“Será possível, por exemplo, interagir com o paciente em ambiente 3D [nos setores de saúde] e ter uma visão mais fidedigna de seu estado clínico. A população poderá ser melhor assistida em hospitais que não dispõem sempre de plantonistas para uma especialidade médica mais complexa, o que pode deixar uma porta muito larga para combinar esse tipo de consulta com o uso de inteligência artificial”, diz Guerra.
O metaverso deve permitir até mesmo que os serviços do Estado alcancem pessoas com deficiência e as socialmente vulneráveis usando a realidade estendida, monitorando melhor suas necessidades e empregando, de forma mais eficiente, os recursos vindos de doações, na visão do advogado.
Privacidade
Considerando que o metaverso é um conceito de liberdade que ultrapassa a ausência de barreiras geográficas, a presença estatal pode preocupar os entusiastas mais libertários. Yulgan Lira, da Colb, diz que alguns Estados já objetivam criar seus próprios metaversos, visando controlar o que acontece nesses ecossistemas virtuais.
Lira não crê, contudo, que esse será o “caminho vencedor” no longo prazo. “Ele quebra os valores da tecnologia blockchain, como liberdade, privacidade e poder distribuído entre os integrantes da rede. A centralização aumenta os riscos de corrupção e abuso de poder, problemas já comuns no mundo real”, diz.