Contágios por ômicron começam a aparecer após ‘apagão de dados’ no país

Fleury e Dasa viram os casos positivos dispararem para 40% em janeiro, de menos de 5% apenas um mês atrás

Subnotificação de casos preocupa autoridades no país
Por Caroline Aragaki e Rachel Gamarski
06 de Janeiro, 2022 | 07:57 PM

Bloomberg — A ômicron, a variante altamente contagiosa da covid-19, está causando um aumento acentuado nos casos no Brasil após um longo intervalo, mesmo que os dados oficiais não reflitam o peso da nova onda.

Empresas de diagnósticos privados como Grupo Fleury SA e Diagnosticos da America SA viram as taxas de positividade dispararem para 40% em janeiro, de menos de 5% apenas um mês atrás. A demanda por exames está crescendo, com pronto-socorros em cidades como São Paulo e Brasília lotadas de pessoas relatando sintomas semelhantes aos da gripe. No Rio de Janeiro, as infecções diárias ultrapassaram 1.200 em 1º de janeiro, contra cerca de 90 um mês antes.

Na quinta-feira, o Brasil registrou 35.826 novos casos, a maior taxa diária em cerca de três meses. Embora seja uma fração dos mais de 100 mil casos registrados no auge da pandemia em meados de 2021, os números reais são provavelmente muito maiores, de acordo com especialistas em saúde. Isso porque o sistema usado por estados, municípios e laboratórios privados para relatar casos ao governo federal está praticamente inativo desde um ataque cibernético em dezembro.

Epidemia silenciosa

“Há uma pandemia silenciosa de ômicron no Brasil”, disse Pedro Hallal, epidemiologista e professor da Universidade Federal de Pelotas. “Não há testes ou estatísticas oficiais suficientes para mostrar o quanto o número de pessoas infectadas está crescendo.”

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Embora as hospitalizações tenham aumentado no Brasil nas últimas semanas, até agora não houve uma onda violenta de pacientes em busca de unidades de terapia intensiva como em meados de 2021, antes que as vacinas estivessem amplamente disponíveis.

A Argentina, ao sul, está tendo uma contagem diária recorde de casos, mas sem um salto correspondente em hospitalizações ou mortes, repetindo um padrão documentado em outros países como África do Sul e Dinamarca.

Após as celebrações de fim de ano, as infecções devem continuar aumentando. Surto em navios de cruzeiro - cerca de 800 casos registrados apenas entre o Natal e o Ano Novo - já levou a vigilância sanitária do país a pedir às empresas a paralisação das operações, e destinos turísticos no litoral da Bahia e do Piauí estão entre os que relatam um significativo aumento nas infecções após os feriados do final do ano.

Veja mais: Como a festa de fim de ano pode ter virado ‘superdisseminadora’ de ômicron

Rio de Janeiro cancela blocos de rua

Em uma resposta por e-mail a perguntas, o Ministério da Saúde afirmou que o ataque cibernético tornou indisponíveis alguns de seus dados sobre doenças respiratórias e covid e disse que está trabalhando incansavelmente para resolver os problemas. Ainda assim, não há cronograma para que os sistemas sejam totalmente restaurados.

Pelo menos quatro estados brasileiros não atualizam os dados do coronavírus há 12 dias, citando dificuldades de acesso aos sistemas do Ministério da Saúde. O Tocantins, na região Norte, não atualiza há 22 dias.

“O fato de não termos acesso a dados formais há tanto tempo, sem uma explicação clara do que está acontecendo, está afetando qualquer tipo de análise que possamos fazer”, disse Marcelo Gomes, que supervisiona um boletim de doenças respiratórias publicado pela Fundação Oswaldo Cruz, um dos institutos de saúde e ciências mais importantes da América Latina. “Está tendo um impacto muito grande na capacidade da população de agir contra a pandemia.”

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As empresas privadas de diagnóstico estão lançando alguma luz sobre a última onda. Na Diagnosticos da America, um dos maiores fornecedores de diagnósticos do país, os casos positivos mais do que dobraram entre 27 de dezembro e 2 de janeiro, com quase um em cada três testes dando positivo. No início de dezembro, esse número era de apenas 1,4%. No Fleury, outro player líder no setor privado de saúde no Brasil, até 40% dos testes são positivos - o mesmo número que o laboratório viu no auge da pandemia no ano passado.

“Estamos tentando cumprir os requisitos de notificação, mas o sistema que o governo implementou no ano passado não funciona desde o início de dezembro”, disse Carolina Lazari, especialista em doenças infecciosas do Fleury.

Especialistas em saúde dizem que o apagão de dados é sério, mas está longe de ser o único desafio no rastreamento da pandemia na maior nação da América Latina. Domingos Alves, acadêmico de medicina que faz parte do grupo de monitoramento da covid-19 no Brasil, estima que o país deixa de notificar entre 6% a 10% dos casos. Apenas 30% da população tem acesso aos testes da covid, de acordo com o virologista Anderson F. Brito

O sucesso nas vacinações pode ser suficiente para evitar uma nova rodada de medidas restritivas mesmo com o aumento dos casos, segundo Hallal, da Universidade de Pelotas. O Brasil deu duas doses de Covid para cerca de 74% da população, de acordo com dados compilados pela Bloomberg. Os reforços na imunização chegam a 13%.

“Os altos níveis de vacinação reduzem a necessidade de internações em relação ao início da pandemia”, disse. “Mesmo assim, o uso de máscaras e o cancelamento de grandes eventos como Carnaval e shows são medidas necessárias.”

--Com a ajuda de Martha Beck.

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