São Paulo — A aviação comercial brasileira começa 2022 com sua quarta maior companhia aérea à beira da falência e com milhares de passageiros prejudicados financeiramente pela interrupção das atividades da ITA (Itapemirim Transportes Aéreos) no último dia 17 de dezembro. O colapso do grupo controlador da empresa (em recuperação judicial), alvo de um pedido de decretação de falência feito pelo Ministério Público de São Paulo, acontece no contexto em que o governo federal busca atrair grandes investidores para leilões de concessões de aeroportos, peça importante do seu plano de reconquista de confiança com o mercado em um ano de eleição presidencial.
Um acordo firmado entre a empresa e o Procon-SP, anunciado em dezembro, fracassou. Passageiros ouvidos pela reportagem dizem que a Itapemirim descumpriu o prazo máximo de dez dias para efetuar o reembolso integral. Em alguns casos, nem contato com os consumidores foi realizado pela ITA. O órgão de defesa do consumidor ameaçou aplicar uma multa de R$ 5 milhões pelo descumprimento do acordo. Procurado pela Bloomberg Línea nesta terça-feira (4), o Procon-SP ainda não respondeu ao pedido de comentários.
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Desde a eclosão da crise, às vésperas das viagens de Natal, o grupo Itapemirim tem feito publicamente uma série de promessas aos 45.887 passageiros afetados pela suspensão de suas operações. Uma delas era efetuar o reembolso integral, o que ainda não foi realizado para todos os clientes prejudicados. Outra promessa, segundo o Procon-SP, era de retomar os voos no próximo dia 17 de fevereiro, uma projeção que foi recebida com descrédito pelo mercado.
Todas as aeronaves usadas pela companhia estão com tarefas de manutenção de rotina vencidas e que, ao longo deste mês, haverá remanejamento de aviões de Guarulhos (SP) para o Rio de Janeiro, onde ficaram armazenados, segundo reportagem publicada neste terça-feira (3) pelo portal especializado Aeroin, sem citar fontes. A publicação apurou ainda que empresas de leasing já estão cobrando as aeronaves alugadas a Itapemirim e que dois modelos da Airbus, pertencentes ao UMB Bank, vão para os EUA, para Marana, no deserto do Arizona. A ITA tinha uma frota de sete modelos da Airbus.
O Procon-SP não respondeu ao pedido de comentários sobre o fracasso do acordo de reembolso integral dos consumidores. A ITA enviou a seguinte informação: “A Itapemirim reitera que está, rigorosamente, pleiteando os estornos das passagens requeridas por seus clientes junto as operadoras de cartões. Por fim, pontua que se encontra com todos meios de canais disponíveis para melhor atender seus clientes”.
Depoimento
Entre os passageiros prejudicados, o clima é de guerra perdida, desesperança em reaver seu dinheiro. É o caso da jornalista Paula Mariane. “Eu comprei duas passagens aéreas, ida e volta, de São Paulo com destino ao Rio de Janeiro. Com atraso de duas horas e meia no voo da ida, cheguei no Rio no dia 16, e no dia seguinte a empresa anunciou a suspensão de todas as operações. A volta, prevista para o dia 21, também foi cancelada e, desde então, tenho buscado atendimento junto ao Procon e à plataforma Consumidor, do governo federal, a fim de formalizar uma solução para este caso. Na época, a Itapemirim afirmou que atenderia os clientes individualmente, tratando caso a caso. No entanto, até hoje não recebi nenhuma ligação ou retorno individual da Itapemirim - ou até mesmo a apresentação de uma proposta de reembolso. Ainda, ao entrar no site da Itapemirim, não consigo ver mais meu pedido de reembolso. As informações sumiram”.
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A suspensão do voo provocou transtornos profissionais a Paula. “O prejuízo não é apenas financeiro, visto que ao chegar atrasada no Rio de Janeiro, perdi um compromisso de trabalho”, conta a passageira da ITA, que relembra a cena em que soube da notícia de que a companhia aérea tinha interrompido suas atividades. “A fila que se juntou no portão de embarque foi gigantesca. Vi muitos idosos de pé, mães com crianças pequenas e até gestantes sentadas no chão. Foram imagens muito tristes de ver”.
A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) cancelou o Certificado de Operador Aéreo da companhia, o que significa, na prática, que ela está impedida de realizar voos. Em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, no último dia 22 de dezembro, o dono da ITA, Sidnei Piva, disse que negocia com investidores aportes na empresa.
A ITA estava com dificuldades de pagar salários e benefícios de seus funcionários, além de fornecedores. Dados divulgados pela Anac mostram que, em novembro, a ITA já era a quarta maior empresa aérea do Brasil, com 1,4% do mercado. Ela fez seu voo inaugural no dia 29 de junho e começou a operar comercialmente em 1º de julho.
Críticas
A suspensão dos voos pela ITA provocou no Brasil um debate sobre os critérios para a liberação de licença para o funcionamento de novas companhias aéreas, já que o grupo controlador está em recuperação judicial. “O governo foi irresponsável e negligente em autorizar um grupo em recuperação judicial a voar, ingressar num setor que depende de muito investimento, de muito capital”, criticou o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia um dia após a suspensão dos voos.
O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, rebateu acusação de negligência do governo afirmando que, no processo de certificação junto à Anac, a empresa teria atendido aos protocolos estabelecidos para entrar em operação. “O Ministério Público [Estadual] respondeu que havia uma diferença de CNPJ [Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica], e que quem estava em recuperação judicial era a empresa rodoviária. Disse [também] que a empresa aérea, que tem outro CNPJ, tinha todas certidões negativas, conforme checagem feita também pela agência reguladora”.
O colapso da ITA ocorre num momento em que a aviação comercial busca investimentos para contornar gargalos históricos do setor e afugentar a imagem do Brasil de um país com insegurança jurídica nas concessões de ativos públicos para a iniciativa privada. O Ministério da Infraestrutura espera leiloar, neste ano, 18 aeroportos.
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