A tentativa do BNB (Banco do Nordeste) de escolher um gestor para a maior carteira de microcrédito urbano da América do Sul expôs, neste ano, um risco histórico de interferências políticas nos rumos das instituições financeiras sob controle estatal e com foco regional, principalmente em anos eleitorais como 2022.
O BNB acabou desistindo, em novembro, de um processo de licitação, após a revelação de que a instituição de pagamento Cactvs, um dos concorrentes, tinha problemas de reputação, com envolvimento de seu fundador em um escândalo no mercado financeiro. O certame foi lançado após uma mudança polêmica na presidência do BNB em setembro, com cargos cobiçados por políticos do Centrão, partidos que dão apoio ao governo federal.
Com o desgaste desencadeado com a pré-seleção da Cactvs, o banco oficial de fomento acabou assumindo o compromisso de tocar, sozinho, seu programa Crediamigo, voltado principalmente para pequenos empreendedores informais em periferias, embora internamente funcionários digam que a tarefa será desafiadora a partir de janeiro, já que nas últimas décadas essa missão era terceirizada e não há estrutura própria suficiente para ter a mesma capilaridade de atender a esse público-alvo no curto prazo.
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O BNB não respondeu ao pedido de comentários de Bloomberg Línea sobre o futuro do programa Crediamigo diante desses desafios operacionais nem como se deu a pré-seleção de uma instituição com problemas anteriores de compliance. O BNB não foi o primeiro banco regional que a Cactvs tentou assumir operações de microcrédito. No Basa (Banco da Amazônia), também foi desclassificada em uma concorrência, confirmou uma fonte familiarizada com a situação.
A reportagem procurou o Banco Central para saber sobre a situação da Cactvs e sobre relatos de que o Banco do Brasil teria encerrado um contrato com a instituição de pagamento no fornecimento de serviços de uso do pix em seu aplicativo. A assessoria do BC informou o seguinte: “A Cactvs é uma instituição de pagamento não sujeita à autorização do BC. Contudo, ela solicitou adesão ao arranjo do Pix. Esse pedido de adesão está em análise na etapa cadastral”. Já a assessoria do BB enviou esta resposta: “O BB não vai se posicionar”. A Cactvs não respondeu ao pedido de comentários.
As incertezas sobre o alcance e a eficácia do programa de microcrédito do BNB no ano que vem ocorrem num contexto negativo para a economia brasileira, castigada pela inflação e alta dos juros, oficialmente em recessão técnica, com desemprego ainda em patamar elevado, afetando principalmente as regiões de menor renda do país. Segundo dados divulgados no último dia 10 pelo BNB, o Crediamigo é uma “importante ferramenta na recuperação econômica do Nordeste durante a pandemia de Covid-19″, com a média mensal de desembolsos do programa, de março de 2020 a novembro de 2021, somando R$ 1,03 bilhão, valor 39% maior na comparação com os 36 meses anteriores à pandemia (mar/17 a fev/20). Nesse período, o desembolso médio foi de R$ 743 milhões por mês, segundo o BNB.
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Já as aplicações globais do BNB alcançaram, até outubro, o valor total de R$ 34,2 bilhões, correspondentes a 4,1 milhões de operações, segundo a instituição. Do recurso investido na área de atuação do BNB, que abrange os nove estados da região e o norte de Minas Gerais e do Espírito Santo, R$ 21,2 bilhões são oriundos do principal funding da Instituição, o FNE (Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste), por meio do qual foram contratadas 556,6 mil operações. Os números representam crescimento em comparação ao mesmo período do ano passado, em 3,8% em aplicações globais (R$ 33 bilhões em 2020), e 5,5% de contratações com recursos do FNE (R$ 20,1 bilhões em 2020).
Depois do fracasso da licitação da nova gestora do Crediamigo, o BNB lançou, na véspera do Natal, um novo edital. Desta vez, é para o Fundeci (Fundo de Desenvolvimento Econômico, Científico, Tecnológico e de Inovação), “com objetivo de fomentar o empreendedorismo inovador e o desenvolvimento sustentável de startups”, segundo comunicado postado em seu site. O documento prevê a oferta de R$ 6 milhões a projetos de aceleradoras em caráter não reembolsável. “Para concorrer ao edital, as empresas interessadas precisam realizar o cadastramento e o envio de projetos até 3 de março de 2022, devendo as aceleradoras e seus representantes estarem previamente habilitados até dia 24 de fevereiro de 2022″, informou o banco.
Outro desafio do BNB é mitigar os danos causados pelo maior desastre natural da história da Bahia, estado de maior PIB da região, que sofre o impacto dos fenômenos extremos atribuídos às mudanças climáticas, com inundações de cidades devido aos temporais. Por enquanto, a resposta do BNB foi publicar em seu site uma conta bancária para recebimento de doações em dinheiro para ajudar as vítimas do sul da Bahia e norte de Minas Gerais.
Amazônia
Já na região Norte, o Basa ainda não sentiu os efeitos da redução da atividade econômica em seu desempenho de 2021. Segundo o diretor de relações com investidores do Basa, Fábio Yassuda Maeda, o banco atingiu a marca de R$ 154 milhões aplicados no acumulado até setembro, um crescimento de 122,6% comparado ao mesmo período de 2020. Ele destaca que o agronegócio continua sendo uma das forças que sustentam o ritmo de expansão econômica na região amazônica.
Sobre o microcrédito rural, foi realizada, em julho, a abertura de credenciamento para selecionar Instituição de Microcrédito Produtivo Orientado (IMPO) com a finalidade de operacionalização do Programa Amazônia Florescer Rural. Foram selecionadas duas empresas para a operacionalização do MPO Rural e três empresas para a operacionalização do Pronaf. Quanto ao microcrédito urbano, Maeda disse que o banco estava finalizando a definição de condições técnico-comerciais para, após aprovação um edital de chamamento público com vistas a selecionar parceiros para a operacionalização do MPO Urbano.
Além de tentar manter o ritmo de concessão de crédito para o setor produtivo na região da Amazônia, o Basa tem no ano que vem outro ponto de atenção. Tramita no Congresso um projeto de lei (PLN 44/21), do Poder Executivo, que abre crédito especial de R$ 1 bilhão para a capitalização do Basa, deve ser analisada pela Comissão Mista de Orçamento antes de seguir para votação do Plenário do Congresso, segundo a Agência Câmara de Notícias. O objetivo é assegurar o cumprimento dos requerimentos mínimos de capital da instituição financeira federal para os próximos anos. Os recursos têm como origem o excesso de arrecadação.
Com a capitalização, o Basa poderá devolver à União R$ 1 bilhão do Instrumento Elegível de Capital Principal obtido por emissão direta de títulos públicos à margem do mercado competitivo. O TCU (Tribunal de Contas da União) considera irregular a concessão de empréstimos do Tesouro Nacional às instituições financeiras federais por emissão direta de títulos públicos sem previsão em lei orçamentária. Para o TCU, havia desconformidade com a Lei de Responsabilidade Fiscal e normas de direito financeiro.