Desmond Tutu, oponente do apartheid e vencedor do Nobel, morre aos 90 anos

Conheça a trajetória de um dos principais ativistas contra a segregação racial na África do Sul que utilizou seu perfil internacional para advogar contra o governo de minoria branca

Ativista deixa esposa e quatro filhos
Por Robert Brand - Mike Cohen
26 de Dezembro, 2021 | 10:44 AM

Bloomberg — O arcebispo Desmond Tutu, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz por sua oposição à discriminação racial na África do Sul, faleceu aos 90 anos neste domingo (26), na Cidade do Cabo, segundo comunicado do gabinete do presidente Cyril Ramaphosa.

Tutu foi diagnosticado com câncer de próstata em 1997 e passou por cirurgia. Posteriormente, foi hospitalizado várias vezes para se submeter ao tratamento de infecções e outras doenças.

Como primeiro arcebispo anglicano negro da África do Sul, Tutu usou seu perfil internacional para fazer lobby por sanções contra o governo de minoria branca. De 1996 a 1998, liderou a Comissão de Verdade e Reconciliação, com o objetivo de expor as injustiças do passado.

“Desmond Tutu era um patriota inigualável; um líder de princípios e pragmatismo que deu sentido à compreensão bíblica de que a fé sem obras é morta”, disse Ramaphosa.

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O tipo de ativismo de Tutu foi moldado por sua convicção religiosa, um senso de humor malicioso e uma bravura física que uma vez o levou a correr para uma multidão para salvar a vida de uma jovem prestes a ser linchada sob suspeita de ser informante da polícia.

A igreja anglicana planejará seu funeral e memorial com o apoio do governo sul-africano e municipal da Cidade do Cabo, disse o arcebispo Thabo Makgoba em comunicado. Os detalhes desses eventos – que serão realizados segundo protocolos da pandemia – serão anunciados posteriormente.

‘Universo moral’

“Este é um universo moral; Deus está no comando deste mundo”, era uma frase favorita do homem que, como arcebispo da Cidade do Cabo, gostava de usar uma camiseta com os dizeres “Just Call Me Arch” (“Pode me chamar de ‘arce’”, em tradução livre).

Nascido em 7 de outubro de 1931, em Klerksdorp, a oeste de Joanesburgo, Tutu trabalhou como professor antes de entrar em um seminário teológico. Foi ordenado sacerdote anglicano em 1961, obteve o título de mestre em teologia no King’s College, Universidade de Londres, e, em 1975, foi nomeado Diácono da Diocese de Joanesburgo, o primeiro negro a ocupar o cargo.

Com muitos dos líderes negros da África do Sul na prisão – incluindo Nelson Mandela – e outros no exílio, Tutu emergiu como uma voz no combate dos negros contra o apartheid.

Ele se tornou secretário-geral do Conselho de Igrejas da África do Sul, uma organização na vanguarda da luta contra o regime da minoria branca, em 1978. Ele clamou por sanções econômicas contra o regime do apartheid, em desafio a uma lei que tornava ilegal a defesa dessas ações. O governo retaliou ao cassar seu passaporte.

Prêmio Nobel

Em 1984, o Comitê do Nobel concedeu a Tutu seu Prêmio da Paz, citando seu “papel como líder unificador na campanha para resolver o problema do apartheid na África do Sul”.

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Tutu foi nomeado arcebispo da Cidade do Cabo, chefe titular da Igreja Anglicana na África do Sul em 1986 e ocupou o cargo até 1995, quando foi nomeado para liderar a Comissão de Verdade e Reconciliação.

Tutu chorou abertamente ao ouvir as vítimas do sistema de discriminação racial institucionalizado da África do Sul, mas se opôs aos julgamentos ao estilo de Nuremberg para os responsáveis pelas atrocidades.

Mesmo após o fim do apartheid em 1994, Tutu nunca perdeu sua indignação com a injustiça ou sua capacidade de protesto. Logo após a primeira votação democrática da África do Sul, vencida pelo Congresso Nacional Africano de Mandela, ele criticou o novo governo por “parar o trem da alegria só para poder embarcar”.

Crítico de Mbeki

Ele também acusou o ex-presidente Thabo Mbeki de não fazer o suficiente para combater a pobreza e a disseminação da AIDS e de ficar calado sobre os abusos dos direitos humanos no país vizinho Zimbábue.

Tutu também entrou em confronto com Jacob Zuma, sucessor de Mbeki como chefe do Congresso Nacional Africano, dizendo que ele deveria ter sido julgado por aceitar suborno de traficantes de armas. O caso foi arquivado em abril de 2009, poucas semanas antes de ser eleito presidente; no entanto, o processo foi reaberto posteriormente e corre na justiça.

Tutu se aposentou oficialmente da vida pública em 2010, mas continuou a fazer trabalhos de caridade por meio da Desmond e Leah Tutu Legacy Foundation.

Quando o governo Zuma negou um visto de entrada para o Dalai Lama em 2014, Tutu o acusou de “prostrar-se” à China e disse que tinha “vergonha de chamar esse bando de babacas de ‘meu governo’”.

Em 2017, juntou-se a dezenas de milhares de pessoas que saíram às ruas para exigir a deposição de Zuma, depois que a demissão de seu respeitado ministro das finanças causou a quebra do rand, moeda oficial. O Congresso Nacional Africano forçou Zuma a renunciar no ano seguinte.

Tutu fez uma aparição pública na Cidade do Cabo em maio de 2021 para receber a vacina contra o coronavírus e incentivou outros a fazerem o mesmo.

Tutu deixa sua esposa, Leah, e quatro filhos.

--Com assistência de Colleen Goko.

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