Oito fatos para entender o apagão nos cargos de chefia da Receita Federal

Paralisação de auditores: importações podem ser afetadas a partir de segunda e julgamentos no Carf podem travar em janeiro

Superintendência da Receita Federal, em Brasília.
24 de Dezembro, 2021 | 01:12 PM

#1 – Que serviços serão atingidos pela paralisação da Receita?

A paralisação aprovada na quinta-feira atinge todas as atividades, exceto a área aduaneira onde haverá operação-padrão (que, em linguagem vernácula, se traduz como lentidão nos procedimentos de liberação de carga). Em assembleia extraordinária, ficou decidido uma entrega em massa de todos os cargos em comissão e funções de chefia da Receita Federal. Uma das atividades que estão paralisadas é o preenchimento de relatórios gerenciais.

#2 – Qual será o impacto desse movimento?

Cedo para dizer. O impacto da paralisação é menor porque estamos na véspera do Natal e muitas atividades econômicas reduzem o ritmo no período de recesso até o ano novo. Na prática, isso dá mais tempo para o governo tentar negociar uma saída.

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#3 – Por que os auditores estão parando?

Auditores da Receita Federal compõem uma das corporações mais poderosas dentro da máquina federal. Basicamente, é o setor da administração pública responsável pela arrecadação de impostos.

O orçamento do ano que vem, segundo os auditores, traz um corte de R$ 1,2 bilhão – metade disso só na área de TI (tecnologia da informação), responsável por sistemas que controlam a arrecadação e do comércio exterior.

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A categoria briga, desde o governo Temer, pela regulamentação do bônus de eficiência, um extra nos salários ligados ao desempenho do órgão. Segundo o Sindifisco (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais), o presidente Jair Bolsonaro, os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Paulo Guedes Economia) haviam se comprometido a implementá-lo.

Agora, na discussão da Lei Orçamentária Anual de 2022, discutida no Congresso Nacional, o relator Hugo Leal (PSD-MG) não incluiu a previsão de recursos necessários para a regulamentação do bônus.

#4 – Isso pode prejudicar a arrecadação do governo federal?

O corte orçamentário é visto, dentro da Receita, como crítico. O ex-secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, demitido no mês passado depois de um forte processo de desgaste junto ao Palácio do Planalto, enviou um ofício ao ministro Paulo Guedes (Economia), em 5 de novembro, alertando para um “iminente colapso” na arrecadação por conta dos cortes orçamentários no órgão. O teor do texto foi revelado pela Globo News. No ofício, Tostes dizia que a arrecadação poderia ser prejudicada a ponto de gerar impacto na prestação de serviços públicos.

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Se a paralisação perdurar, a arrecadação do governo pode, sim, ser afetada. A entrega de cargos da área de inteligência da Receita, por exemplo, pode ter impactos no combate à sonegação, por exemplo.

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#5 – Qual o tamanho do movimento?

O nível hierárquico dos auditores que estão entregando cargos: chefes de unidade, delegados, chefes de divisão e de equipe. Segundo o Sindifisco, todas as propostas de paralisação foram aprovadas por mais de 97% dos 4.287 participantes – uma participação recorde. Foi a maior participação desde 2016.

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#6 – Minha empresa depende de importações. Vou ser afetado?

Os auditores decidiram por uma operação-padrão nos portos, aeroportos e fronteiras terrestres, isso significa que o desembaraço de mercadorias vai ficar mais lento a partir de segunda-feira (27). As exceções são: medicamentos e insumos médicos e hospitalares, cargas vivas, perecíveis, que são considerados prioritários pela legislação. Não deverá haver impacto aos viajantes que ingressam ou saem do país.

Porto de Santos

#7 – Minha empresa tem um julgamento de matéria tributária no Carf. Qual é a situação?

O Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) é um tribunal administrativo onde empresas recorrem contra autuações tributárias federais. A decisão de 44 auditores, que exercem funções de conselheiros no órgão, é inédita. A paralisação dos julgamentos no Carf, nesse momento, tem um componente que deve ser observado: em Janeiro voltariam as sessões sem teto de valor; isto é, começariam a ser julgados os recursos mais relevantes, desde que foi extinto o voto de qualidade.

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#8 – Ok, os auditores já brigam pelo bônus há cinco anos, mas por que pararam agora?

Além do corte orçamentário do órgão, outro fator que inflamou os ânimos dentro da Receita Federal foi a decisão do presidente Jair Bolsonaro de conceder aumento salarial para policiais federais – uma categoria que o Planalto considera base eleitoral. Pouca gente fala isso publicamente, mas Receita e Polícia Federal travam uma intensa concorrência por recursos federais há quase duas décadas, quando começou a política de investimento maciço do governo Lula para valorizar a Polícia Federal com mais dotação de verbas orçamentárias para o órgão (concursos públicos, gastos crescentes com folha e equipamentos).

A ferida ficou tão exposta agora que, na convocação para a assembleia de quinta, o sindicato dos auditores descreveu a decisão do governo de não pagar o bônus enquanto dá aumento salarial para a PF como “rebaixamento e humilhação institucional.”

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Graciliano Rocha

Editor da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela UFMS. Foi correspondente internacional (2012-2015), cobriu Operação Lava Jato e foi um dos vencedores do Prêmio Petrobras de Jornalismo em 2018. É autor do livro "Irmã Dulce, a Santa dos Pobres" (Planeta), que figurou nas principais listas de best-sellers em 2019.