Caos da Itapemirim afeta 45.887 passageiros; aviões podem ser devolvidos

Pela primeira vez, companhia aérea, que suspendeu operações na última sexta, revela o total de clientes prejudicados com o cancelamento dos voos

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São Paulo — Pela primeira vez, a ITA (Itapemirim Transportes Aéreos) divulgou o total de passageiros afetados pela decisão de deixar sua frota de sete Airbus no chão por tempo indeterminado. Nesta segunda-feira (20), um comunicado da companhia, pertencente ao grupo capixaba Itapemirim (em recuperação judicial), informa que, desde a noite da última sexta-feira (17) até os bilhetes vendidos para o próximo dia 31 de dezembro, 45.887 passageiros foram impactados com a suspensão temporária das operações.

“A ITA tem trabalhado arduamente para promover a reacomodação ou reembolso dos valores pagos. Até a manhã desta segunda-feira (20), 24.995 passageiros, o equivalente a 54% do total, já foram atendidos. Para dar agilidade ao processo, a ITA desenvolveu uma nova solução em seu site para facilitar os pedidos de reembolso. Basta clicar na aba Reembolso, localizado no menu superior, e preencher o formulário e enviar. Todos os pedidos serão tratados individualmente com prazo de pagamento em até 30 dias”, diz a nota da empresa, que fez seu voo inaugural no dia 29 de junho.

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Caso não volte a voar e encerre sua operação definitivamente, a empresa terá de devolver seus sete aviões alugados (seis Airbus A320-200 e um A319-100) às empresas de leasing ALAFCO, Carlyle Aviation Partners e Deucalion Aviation. Questionada por Bloomberg Línea sobre informações extraoficiais de que estaria negociando a devolução das aeronaves, a assessoria de imprensa da empresa respondeu o seguinte: “A informação não procede. As equipes de manutenção já realizaram os serviços necessários para manter os aviões parados enquanto a companhia faz sua reestruturação para poder voltar a operar o mais breve possível”.

No último dia 9, a Airbus divulgou que a ITA selecionou os serviços materiais da Airbus FHS Power By-the-Event (FHS PbE) para cinco de suas aeronaves A320. O serviço de materiais FHS Power By-the-Event consiste no fornecimento de peças de reposição padrão para as operadoras, em regime de pagamento-por-evento, com disponibilidade de peças garantida para suas operações. O FHS PbE permite que os operadores se beneficiem da flexibilidade do contrato e dos custos de manutenção com taxas de reparo fixas. A Itapemirim iniciou suas operações com cinco A320ceo nas rotas entre São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, e selecionou a NAVBLUE, empresa de serviços da Airbus, para apoiar suas operações de voo.

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Em entrevista à Bloomberg Línea, o presidente do SNA (Sindicato Nacional dos Aeronautas), Ondino Dutra, disse que a ITA tem 440 tripulantes, sendo 138 pilotos e 302 comissários. Por enquanto, não houve anúncio de demissões em massa, embora as dificuldades financeiras de sua controladora indiquem que uma solução no curto prazo é improvável. A entidade acompanha a situação dos tripulantes da ITA e afirma que prestará assessoria jurídica aos trabalhadores, sem descartar a possibilidade de ingressar com novas ações na Justiça. A segunda parcela do 13º salário dos funcionários ainda não foi paga, segundo Dutra, acrescentando que os trabalhadores estão sem plano de saúde.

A suspensão do COA (Certificado de Operador Aéreo) pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), anunciada no sábado (18), não foi uma surpresa para Dutra. “A empresa começou mal no setor, sempre atrasou salários, não pagava os benefícios. Suas dificuldades financeiras eram flagrantes. Nunca vi tanta coisa irregular em uma empresa que está nascendo”, comentou.

Credores

Desde que anunciou a suspensão de suas operações, a ITA virou alvo de diversas reportagens na imprensa brasileira sobre os bastidores do processo de recuperação judicial de sua controladora, o tradicional grupo do transporte rodoviário.

Sob o título “Credores tentam destituir presidente do conglomerado Itapemirim para receber dívida”, texto publicado pelo jornal Folha de S.Paulo trouxe que um grupo de credores com uma dívida a receber da ordem de US$ 16 milhões tem buscado na Justiça destituir Sidnei Piva do cargo de presidente do conglomerado na tentativa de reaver os valores devidos. A Queluz Asset Management lidera o grupo de cerca de 40 investidores. São citados pela publicação paulista credores do grupo, como Banco Mercantil, a operação brasileira do banco estatal chinês CCB e a empresa de energia Raízen, joint-venture da multinacional Shell e o grupo Cosan.

“O Grupo Itapemirim informa que entabulou acordo com o referido credor, bem como que aguarda decisão judicial referente ao valor do crédito, posto que, em moeda estrangeira. Por fim, em relação ao pedido de destituição da atual gestão o Tribunal de São Paulo afastou tal pleito, nos termos do agravo de instrumento sob o n. 2193774-29.2021.8.26.000”, disse a Itapemirim em nota enviada à Bloomberg Línea.

O banco Mercantil do Brasil também enviou nota à Bloomberg Línea sobre sua citação na reportagem. “Pautado pelos princípios de confidencialidade e de confiabilidade, o Mercantil do Brasil informa que não comenta temas relacionados aos seus clientes, sejam eles pessoa física ou jurídica”. A Raízen disse que não iria comentar o assunto. O CCB (China Construction Bank) não respondeu.

Fraude

Já o canal de TV CNN Brasil publicou, em seu site, uma reportagem intitulada “Compra da Itapemirim teve suspeita de pagamento a juiz e fila de credores”. O artigo cita declarações do advogado Olavo Chinaglia, que representa a família Cola (fundadora do grupo), revelando que os antigos donos acreditam que a venda do grupo, no final de 2016, foi cercada de fraudes e que Sidnei Piva “teria, supostamente, subornado um juiz do Espírito Santo, que depois acabou afastado do cargo”, para dar validade a um documento e assim concretizar a negociação. O documento era, segundo o advogado ouvido pela CNN, uma “declaração” entre as partes, na qual ficou convencionado que o contrato de compra e venda só produziria efeitos após a especificação, em anexos contratuais, dos bens que não entrariam no acordo.

“Os fundadores da empresa receberam uma proposta de compra feita pelo empresário, que à época disse ter créditos tributários na ordem de R$ 5 bilhões. Com esses recursos, ele pagaria as dívidas e ficaria com as empresas que já estavam em recuperação judicial”, disse Chinaglia à CNN.

Em nota enviada à Bloomberg Línea, a ITA comentou: “O Grupo Itapemirim repudia as alegações dos antigos controladores do Grupo Itapemirim, posto que não existe nenhuma prova de suas alegações. Pontua que o Juiz da Recuperação já afastou qualquer tipo de discussão societária, sendo que os antigos controladores sequer podem manifestar no processo, além de terem sido condenados por litigância de má-fé. Por fim, imputações vazias e infundadas visam exclusivamente denegrir a imagem da empresa, em detrimento de seus colaboradores e clientes”.

Ministério

Já o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, disse, nesta segunda-feira, em Brasília, que “um gabinete de crise foi montado com o objetivo de acomodar, o quanto antes, os passageiros prejudicados pela empresa”. A declaração foi dada durante entrevista coletiva destinada à divulgação do balanço de ações da pasta.

Ele rebateu acusação de negligência do governo ao autorizar a estreia de uma empresa aérea pertencente a um grupo em recuperação judicial, como acusou o deputado federal Rodrigo Maia (sem partido-RJ), ontem, em rede social. “O governo foi irresponsável e negligente em autorizar um grupo em recuperação judicial a voar, ingressar num setor que depende de muito investimento, de muito capital”, postou Maia.

Freitas afirmou hoje que, no processo de certificação junto à Anac, a empresa teria atendido aos protocolos estabelecidos para entrar em operação. “Eles caminharam todas as etapas de checagem, que foram atendidas, e obtiveram o certificado de operação. Inclusive apresentaram uma proposta interessante de integração de operação rodoviária com aérea, o que, em tese, era um diferencial em relação às outras companhias”, explicou o ministro, segundo relato da Agência Brasil, órgão da imprensa oficial do governo federal.

O ministro informou ainda que alguns questionamentos foram feitos pela agência reguladora à equipe de recuperação judicial durante o processo de certificação. “O Ministério Público [Estadual] respondeu que havia uma diferença de CNPJ [Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica], e que quem estava em recuperação judicial era a empresa rodoviária. Disse [também] que a empresa aérea, que tem outro CNPJ, tinha todas certidões negativas, conforme checagem feita também pela agência reguladora”, revelou Freitas.

“Ela [a ITA] obteve o certificado e começou a operar. A agência acompanhou a operação, inclusive verificando a aderência entre o que era comercializado, ou seja, vendido, e a capacidade que a companhia aérea tinha de fornecer. Quando se pensou em vender mais passagens [do que a capacidade da empresa] a agência interveio imediatamente”, afirmou o ministro.

Nesta segunda-feira, passageiros ouvidos pela reportagem disseram que ainda não receberam comunicação da ITA sobre reembolsos. A empresa tem prometido reembolso integral para quem comprou passagem para voo ainda programado e que ainda se encontra em sua cidade de domicílio. O plano de contingência reacomodou parte dos passageiros em ônibus.

Operadora afetada

A paralisação da ITA faz o setor de viagens temer tropeços no processo de retomada de suas receitas ao nível pré-pandemia. A operadora CVC é a primeira a reportar transtornos com a crise da novata da aviação comercial. No pregão da B3, caiu como uma bomba o comunicado do maior grupo de viagens do país de que teve de socorrer seus clientes com bilhete aérea sem garantia de voo, em plena temporada de férias e deslocamentos para reencontro com familiares em outros estados.

A CVC encerrou seu comunicado dizendo que obteve “êxito” na disponibilização de voos fretados adicionais e na reacomodação de seus clientes em voos junto a outras companhias aéreas parceiras. O tamanho do “êxito” da companhia poderá ser dimensionado no resultado financeiro do quarto trimestre. A CVC viveu um semestre desafiante. Chegou a ser vítima de crime cibernético, paralisando operações por duas semanas. O turismo de negócios voltou em ritmo lento, sem perspectiva de crescimento principalmente com a ameaça da variante ômicron do coronavírus, mais transmissível, motivando o retorno de ordem de fechamento de negócios ou restrições às atividades não essenciais - um cenário limitante para um salto nas vendas de pacotes turísticos.

O CEO da empresa, Leonel Andrade, aposta numa temporada positiva com a retomada dos voos para a Argentina, o principal destino internacional dos brasileiros, impulsionador de vendas de pacotes. A Gol começou a voar para Buenos Aires no último domingo (19). Em dia negativo para o Ibovespa (-2,03%, aos 105.019 pontos, as ações da CVC desabaram quase 7%.

História

Com 68 anos de história, o grupo Itapemirim, controlador da ITA, era uma referência no mercado de transportes brasileiro, registrando forte crescimento com as ondas migratórias entre as regiões do país, como as viagens interestaduais das cidades do Nordeste para o Sudeste, principais nas décadas de êxodo, nos anos 1970 e 1980, devido à série de estiagens no território nordestino nesse período. Atualmente, além dos modais rodoviário e aéreo, o grupo também atua nos setores ferroviário, industrial e, desde outubro deste ano, no segmento de serviços financeiros, com o recém-lançado ITA Bank, a fintech do grupo.

No último dia 15 de dezembro, o site Congresso em Foco publicou reportagem, citando documentos obtidos, informando que o presidente da ITA tinha aberto uma empresa (SS Space Capital) no Reino Unido, em abril, no valor de 785 milhões de libras esterlinas (R$ 5,9 bilhões). A assessoria de imprensa da companhia aérea disse ao site que o novo empreendimento não tem relação com as empresas do grupo.

(Atualiza às 23h59 com fechamento da ação da CVC, adição de detalhes e fotos)