Quem é Gabriel Boric, o novo presidente do Chile, e que desafios ele enfrentará

Ex-dirigente estudantil foi eleito com propostas de aumentar os impostos sobre os mais ricos e criar um sistema de previdência público

Gabriel Boric, o novo presidente do Chile, foi eleito com propostas de aumentar os impostos sobre os mais ricos e criar um sistema de previdência público
19 de Dezembro, 2021 | 08:10 PM

Santiago — Gabriel Boric Font, do partido de esquerda Convergência Social (CS), derrotou o ultraconservador José Antonio Kast, representante da Frente Social Cristã, no segundo turno presidencial neste domingo.

Aos 35 anos e com uma trajetória de sete anos como deputado na Câmara dos Deputados, Boric tem a missão de governar no próximo mandato presidencial (2022-2026). Para isso, terá de negociar com um Congresso fragmentado e manter aliados do centro para fazer avançar seu programa de governo.

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Na economia, Boric prometeu uma reforma tributária com aumento de impostos para os chamados “super-ricos” e com altas rendas buscando arrecadar o equivalente a 5% do PIB do país, durante seu governo. Sua campanha se concentrou na construção de um novo sistema público de previdência. Desde a ditadura de Pinochet (1973-1990), o regime previdenciário do país é privado, por meio de um modelo de capitalização.

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O analista político Robert Funk, acadêmico do Instituto de Relações Públicas da Universidade do Chile, disse à Bloomberg Línea que o novo presidente enfrentará uma situação política e econômica “muito complexa”. Na esfera política, terá um Congresso tão equilibrado que dificilmente construirá maiorias. “Ele vai ter que negociar, lidar durante o primeiro ano com a Convenção Constitucional [uma assembleia constituinte] e depois com a implementação da Constituição que pode mudar totalmente as regras do jogo. Também vai lidar com os efeitos da pandemia, principalmente na área fiscal, e com fortes restrições em termos de capacidade de gasto“, explica.

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Boric, em particular, fez muitas promessas em um nível social, que podem ser especialmente complexas. Outro desafio, além disso, será manter boas relações com sua coalizão de governo. “As relações entre a Frente Ampla e o Partido Comunista não são particularmente boas.”

O que vai acontecer com o mercado?

A corrida presidencial polarizada gerou incertezas no mercado. Segundo Francisco Simian, economista-chefe da Altafid, isso se deve ao fato de que projetos “muito diferentes” foram enfrentados na eleição, em um cenário que desde outubro de 2019 já era percebido como arriscado. “Com o triunfo de Boric, fica a questão de quanto vai mudar a política econômica em relação aos últimos 35 anos. Por exemplo, em aspectos como o direcionamento dos gastos públicos, o nível de endividamento do país, a carga tributária que a atividade deve suportar e o grau de abertura comercial“, explica.

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Além dessa situação, os resultados não esclareceriam todas as dúvidas. “Uma fonte de incerteza muito importante que vai persistir é dada pela nova Constituição. Ainda não sabemos quais serão as propostas que sairão da Convenção Constitucional. Como haverá um plebiscito para aprovar ou rejeitar a proposta constitucional, voltaremos a viver um cenário de grande incerteza, talvez maior do que o vivido antes desta eleição“.

Simian atribui isso à falta de clareza sobre o que acontecerá com setores da economia como a administração de fundos de aposentadoria, saúde e mineração: “A Convenção pode mudar drasticamente a estrutura em que essas e outras indústrias operam no Chile.”

Segundo o economista, essa incerteza se refletirá não só na flutuação dos índices de ações, mas também na volatilidade do dólar e no interesse dos investidores de varejo em continuar investindo fora do país ou fugindo do peso chileno, diversificando assim seus exposição ao mercado local.

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O economista recomenda não focar nas reações imediatas após a eleição, mas olhar os acontecimentos em um prazo mais longo. “As variações do mercado de ações e a desvalorização do peso chileno refletem simplesmente que os investidores não gostam da incerteza e que, diante dela, exigem um prêmio que não se vê hoje no Chile. As preferências de risco x retorno dos investidores não mudaram, o que mudou é a percepção de risco de investir no país“, garante.

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Para Simian, a percepção de risco piorou em outubro de 2019, quando grandes manifestações contra o governo do presidente Sebastián Piñera eclodiram pelo país com a exigência de um novo pacto social no país, momento em que muitos investidores locais “perceberam o erro que cometeram ao não diversificar o suficiente” e estariam “excessivamente expostos” aos altos e baixos de um país e de uma moeda em particular.

“Se olharmos os retornos em dólares, o mercado norte-americano mostra apenas um retorno superior a 25% neste ano, enquanto o retorno do mercado local em dólares é negativo. Essa mudança de mentalidade não tem volta, pelo menos não no próximo mandato presidencial. Há um dano ao prestígio do país que já foi feito, então o sentimento de incerteza e a tendência de buscar refúgio fora do Chile vão persistir. Isso obviamente terá um impacto negativo no peso chileno e na bolsa local“, analisou, referindo-se aos efeitos das manifestações de 2019 na percepção de risco.

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Maolis Castro

Periodista venezolana en Chile con trayectoria en medios internacionales. Fue corresponsal del diario El País de España en Caracas, y colaboró para ABC, Wall Street Journal, y DW. Trabajó en el site de periodismo de investigación Armando.info.