O discurso de Lula a sindicalistas oferece pistas de sua visão econômica

Lula criticou redução do Estado, desonerações de Dilma e teto de gastos, mas exaltou superávit primário durante seus mandatos

Lula, em discurso no Congresso da Força Sindical
08 de Dezembro, 2021 | 05:20 PM

São Paulo — O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma defesa da política econômica de seus oito anos na Presidência da República, afirmando que seu governo alcançou superávit primário e reduziu a dívida sem deixar de promover políticas públicas destinadas à parcela mais pobre da população.

No encerramento do Congresso da Força Sindical, o petista disse, pela primeira vez em um evento público, que pretende disputar a Presidência no ano que vem. Até então ele tem se comportado como pré-candidato, mas sempre mantinha o cacoete de que ainda não estava decidida a sua candidatura.

A audiência de dirigentes sindicais, origem do ex-presidente no processo político, ouviu-o reclamar da “perversidade das elites política e econômica” e dos “banqueiros da Faria Lima”, que, segundo ele, não se preocupam com o problema do desemprego e da fome no país e, ao mesmo tempo, exaltar uma política de gastos inferiores à arrecadação.

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POR QUE ISSO É IMPORTANTE: Uma das grandes incógnitas da disputa eleitoral até agora é qual o modelo econômico a ser defendido por Lula em 2022, se mais próximo do primeiro mandato dele (2003-2006), tido como mais rígido no controle dos gastos públicos, ou mais expansionista, como o do segundo mandato (2007-2010). Não há nenhum economista que fale pela pré-candidatura de Lula no terreno econômico.

Divulgada nesta terça, pesquisa Quaest/Genial de intenção de voto para o primeiro turno das eleições presidenciais de 2022 divulgada nesta quarta-feira (8) mostra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) liderando com 46%, contra 23% do presidente Jair Bolsonaro (PL), ambos seguidos por Sergio Moro (Podemos, 10%).

OS PRINCIPAIS PONTOS: “Quando assumi a Presidência da República em 2003, a inflação estava em 12%, o desemprego estava em 12%, o Brasil devia 30 bilhões de dólares para o FMI. O [ex-ministro da Fazenda Pedro] Malan era obrigado todo ano a ir para Washington para tentar convencer o FMI a liberar dinheiro para que ele pudesse fechar o caixa no final do ano e o Brasil estava sem dinheiro para pagar as suas importações”, discursou o ex-presidente.

E emendou: “O Brasil era tão responsável que apanhei muito do PT, apanhei muito do movimento sindical porque eu fiz superávit fiscal durante todo o período que governei este país. Além de pagar o FMI, além de fazer superávit primário, além de reduzir a dívida, e de fazer a maior política de inclusão social que este país já teve, nós conseguimos deixar 370 bilhões de dólares em caixa [reservas] – o que deu sustentação até agora. Se a gente não tivesse essa reserva, esse país já tinha quebrado há muito tempo.”

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TETO DE GASTOS E CRÍTICA ÀS DESONERAÇÕES DE DILMA: Apesar de ter exaltado uma política econômica que foi muito criticada à esquerda por ser considerada ortodoxa, principalmente no seu primeiro mandato (2003-2006), Lula criticou o atual mecanismo de teto de gastos – que limita até 2036 o crescimento real das despesas do governo.

“Eu vejo as pessoas falarem muito em responsabilidade fiscal, em controle fiscal, na lei do teto de gastos, como se fosse possível obrigar uma pessoa responsável a colocar na lei o que ele vai gastar ou não. Uma pessoa responsável gasta aquilo que é possível gastar naquilo que é mais necessário.

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Lula também criticou a política de desonerações promovida na gestão da sucessora, Dilma Rousseff (PT): “Vocês sabem quanto foi feito de isenção de arrecadação no último mandato da presidenta Dilma? R$ 540 bilhões de desoneração, dinheiro que poderia ter ido para o trabalhador e foi para a mão do empresário para ele gerar emprego e não gerou”.

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CRÍTICA À SITUAÇÃO SOCIAL DO PAÍS: O ex-presidente opôs-se a ideia de redução do tamanho do Estado, que tem o ministro Paulo Guedes (Economia) como principal porta-voz no governo Bolsonaro.

“Você não cuida do pobre tratando ele como um número estatístico, você cuida do pobre se tiver solidariedade e sentimento e se você achar que não é normal que, na cidade mais rica desse país, a gente ver essa quantidade de gente dormindo na rua, a gente vê quantidade de gente fazendo fila para pegar a desgraça de um prato de comida, quando deveria ser direito bíblico e da Constituição tomar café, almoçar todo santo dia e ainda jantar”, disse.

Depois, dirigindo-se à plateia, o ex-presidente perguntou: “Não posso voltar e fazer menos do que eu fiz. Tenho de voltar para fazer mais. Significa que vamos enfrentar os nossos adversários com muito mais força. Ou vocês acham que os banqueiros da Faria Lima estão preocupados com o desemprego? Ou que tem 19 milhões de pessoas passando fome?”

“Não pensei que se eu for eleito, eu vou fazer o que quero fazer, se vocês [dos sindicatos] não estiverem na trincheira”, disse.

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Graciliano Rocha

Editor da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela UFMS. Foi correspondente internacional (2012-2015), cobriu Operação Lava Jato e foi um dos vencedores do Prêmio Petrobras de Jornalismo em 2018. É autor do livro "Irmã Dulce, a Santa dos Pobres" (Planeta), que figurou nas principais listas de best-sellers em 2019.