Bloomberg Línea — Já tratado como ex-secretário mesmo sem ter ainda sido formalmente exonerado do comando da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto tem enfrentado processos de fritura dentro da corporação e no Palácio do Planalto desde março de 2021.
Desde o final de semana, já circula o nome do auditor fiscal da Receita Federal e ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) Julio Cesar Vieira Gomes como substituto de Tostes no cargo. Nem o Ministério da Fazenda nem a Receita Federal confirmam a troca do secretário.
Na tarde desta segunda (6), Tostes fez uma reunião, por videoconferência, com dez superintendentes regionais da Receita para se despedir deles. Em Brasília, o secretário informou que sua exoneração será publicada nesta terça (7), no Diário Oficial da União.
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Interna corporis, Tostes é um quadro de carreira da Receita Federal, que voltou ao comando do órgão depois de ter se aposentado em 2011. Sua gestão tem sido marcada por crescimento da arrecadação.
Entre janeiro e outubro deste ano, a União arrecadou R$ 1,52 trilhão – um aumento de 20% em comparação com o mesmo período de 2020. O dado já considera a variação da inflação desde o ano passado.
Tostes é tido como conhecedor da máquina, mas criticado internamente por buscar evitar se indispor como o ministro Paulo Guedes (Economia). Sua fritura começou em março deste ano, quando foi votada a chamada PEC Emergencial.
Pela proposta do governo, a PEC acabava com a vinculação de receitas de impostos para a fiscalização tributária através do Fundaf (Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização).
A derrota do governo na Câmara dos Deputados, que aprovou um destaque do PDT para evitar o desmonte da independência financeira da Receita, azedou a relação entre Tostes e o ministro Paulo Guedes pela primeira vez.
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Tanto Guedes quanto assessores de Bolsonaro enxergaram as digitais do secretário da Receita na derrota do governo na Câmara. Segundo uma fonte com conhecimento do caso, Tostes autorizou subordinados a procurarem deputados com a mensagem que o fim do Fundaf iria minar a capacidade de fiscalização e arrecadação da Receita.
Flávio Bolsonaro e a Receita
Em agosto, o episódio de nomeação de um novo corregedor para a Receita Federal opôs Tostes ao Planalto diretamente. O secretário indicou o auditor Guilherme Bibiani Neto, mas a nomeação foi barrada. Bibiani, na verdade, era uma escolha de José Pereira de Barros Neto, que ocupou o cargo até julho deste ano e tido, em Brasília, como desafeto do senador Flávio Bolsonaro (PL), filho mais velho do presidente.
O atrito de Flávio Bolsonaro com o antigo corregedor teria nascido de uma suspeita jamais comprovada de que a corregedoria teria vasculhado seus dados – internamente, na Receita, a desconfiança é tida como infundada porque o corregedor não teria acesso a dados de contribuintes.
O filho Zero Um tentou indicar o auditor aposentado Dagoberto Lemos Neto como corregedor. O caso saiu do âmbito das fofocas do mundo político e tornou-se público quando entidades de servidores acusaram o senador de tentar interferir politicamente no órgão. O senador era investigado no caso das rachadinhas. Até hoje o cargo de corregedor está vago.
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Uma decisão administrativa da Receita Federal, sob a gestão Tostes, acabou, no entanto, por beneficiar o senador.
A Subsecretaria de Fiscalização da Receita dividiu em três grupos, conforme os valores movimentados, os deputados estaduais suspeitos de participar do esquema de corrupção, lavagem de dinheiro e loteamento de cargos públicos e mão de obra terceirizada em órgãos do Governo do Estado do Rio de Janeiro.
Flávio estava no último grupo, dos que movimentaram valores menores na fila e deveria ser alvo de fiscalização ainda no primeiro trimestre deste ano. A quebra do sigilo fiscal com autorização judicial indicou que Flávio Bolsonaro, quando ainda era deputado estadual no Rio, teria movimentado diretamente R$ 2,7 milhões supostamente desviados de funcionários de seu gabinete na Alerj. A fiscalização subsequente da Receita sobre este caso nunca ocorreu.
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No dia 30 de novembro, a segunda turma do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu manter o foro especial concedido ao senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) pela 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Com isso, as decisões de primeira instância contra ele e o seu ex-chefe de gabinete Fabrício Queiroz foram anuladas, assim como quatro relatórios de inteligência financeira produzidos pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que apontavam movimentações atípicas em contas bancárias de Flávio e seus funcionários. O caso voltou à estaca zero.
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