Bloomberg Opinion — Os cientistas ainda não sabem onde a nova cepa de coronavírus denominada ômicron se desenvolveu pela primeira vez, ou mesmo se foi incubada em humanos ou animais. Ainda assim, duas coisas estão claras. A enorme lacuna nas vacinações entre os países ricos e pobres apenas aumenta o risco de surgimento de mais variantes desse tipo. E a redução desse hiato exigirá foco tanto na demanda quanto na oferta.
Promessas nobres de países ricos e exortações de autoridades globais de saúde tiveram pouco efeito sobre o problema. Quase nenhum país de baixa renda está perto de atingir a meta da Organização Mundial da Saúde de vacinar 40% de suas populações até o final deste ano. Entre os 92 países cobertos pela iniciativa Covax da OMS, a taxa média de vacinação é de apenas 14%.
Mesmo que os países ricos reservem mais doses para reforços, a escassez de oferta não deve mais representar o principal obstáculo para melhorar esses números. De acordo com uma análise, os países do G7 e da União Europeia juntos ainda devem ter doses excedentes mais do que suficientes até o final de 2021 para atender às necessidades das nações mais pobres. As doações prometidas anteriormente precisam ser enviadas com muito mais rapidez, como o governo do presidente Joe Biden acaba de prometer fazer. As nações ricas também devem seguir o exemplo dos Estados Unidos e permitir que as nações mais pobres sejam colocadas na frente da fila de envio, para que as doses possam ir diretamente para os lugares onde são mais necessárias.
O desafio mais assustador é ilustrado pela África do Sul, onde a variante ômicron foi relatada pela primeira vez à OMS, em 24 de novembro. No mesmo dia, o país recusou as entregas de vacinas da Johnson & Johnson e Pfizer devido à falta de demanda. No mês passado, metade dos países cobertos pela Covax estavam usando menos de 75% de seu suprimento de vacina existente; presumivelmente, eles também teriam problemas para absorver novas remessas.
Embora os obstáculos para converter vacinas em vacinações nesses locais sejam complexos, os países mais ricos podem ajudar. Maior transparência e previsibilidade sobre as entregas de vacinas permitiriam aos governos locais mais tempo para se prepararem para as campanhas de vacinação. Financiamento, tecnologia e transporte são necessários para estabelecer cadeias de abastecimento confiáveis e de baixa temperatura para preservar vacinas e distribuí-las em áreas rurais. Por meio de parcerias desenvolvidas na luta contra o HIV / AIDS e outras doenças, os EUA, em especial, podem ajudar a treinar e pagar os exércitos de vacinadores necessários para garantir que as vacinas sejam, de fato, aplicadas. Os países precisarão de assistência técnica para rastrear as primeiras doses, agendar a segunda e monitorar e investigar rapidamente quaisquer reações adversas.
Combinados, esses esforços devem ajudar as nações em desenvolvimento a reduzir o atrito e alcançar aqueles dispostos a serem vacinados. A tarefa mais difícil, como os próprios países ricos descobriram, é superar as suspeitas arraigadas contra as vacinas para a Covid-19.
Esse esforço deve ser intensamente local. Sempre que possível, as autoridades devem trabalhar com grupos comunitários, particularmente igrejas e organizações de mulheres, para dissipar dúvidas sobre a segurança das vacinas. As campanhas públicas devem ser adaptadas às condições locais e disponibilizadas nas plataformas digitais, mais especificamente nas redes sociais e serviços de mensagens, onde a desinformação é mais frequente. A hesitação crescente deve ser monitorada de perto e os rumores anulados rapidamente. Onde os incentivos em dinheiro podem ajudar, o financiamento internacional deve ser disponibilizado.
Por fim, os governos dos países ricos não devem esperar para resolver os problemas que já se podem prever. Eles devem trabalhar com os fabricantes para aumentar o fornecimento de matérias-primas necessárias para produzir os medicamentos para tratar a Covid-19, incluindo novos tratamentos promissores da Merck e da Pfizer. As nações doadoras devem preencher a lacuna de financiamento para vigilância e testes, que precisam estar amplamente disponíveis para que essas pílulas sejam úteis. E devem evitar uma escassez antecipada de seringas, que poderia minar os esforços de vacinação em 2022.
É certo que, se as vacinas precisarem ser ajustadas para a ômicron, gerando uma nova onda de imunizações, será difícil manter as nações ricas focadas nessas prioridades. Elas devem se lembrar, entretanto, que, a menos que a maior parte da população mundial seja vacinada em breve, essas não serão as últimas vacinas de que precisarão.
Editores: Nisid Hajari, Timothy Lavin.
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