Conheça Gabriel Boric, candidato à presidência que preocupa os mercados

O ex-líder estudantil de 35 anos concorreu ao 1º turno com José Antonio Kast, adversário de direita

Ele venceu o adversário de direita no primeiro turno, realizado em 21 de novembro
04 de Dezembro, 2021 | 09:20 AM

Santiago — Gabriel Boric Font, nascido em Punta Arenas em 1986, chegou à corrida presidencial poucos meses depois de completar 35 anos, idade mínima exigida pela Constituição chilena para ser chefe de Estado. Hoje, ele é o mais jovem dos sete candidatos que querem chegar ao Palácio de La Moneda, e disputa com José Antonio Kast (seu nêmesis da direita) o primeiro turno em 21 de novembro.

Chilenos entre 18 e 31 anos de, pertencentes à classe média, e de esquerda são seus grandes apoiadores, segundo o estudo Pulso Ciudadano, da Activa Research, publicado há seis dias. A trajetória presidencial foi descartada pelo integrante do partido Convergência Social (CS), que faz parte do bloco de esquerda Frente Ampla (FA), há um ano. “Eu descarto imediatamente, independentemente dos requisitos formais que cumprirei (a idade). Acredito que não tenho experiência suficiente e ainda preciso aprender muito”, disse ao canal La Red em 2020.

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Questionado sobre isso em outra entrevista há um mês, o candidato argumentou que parecia de “mau gosto” propor uma candidatura “sem ninguém” pedir e que, sim, tinha experiência.

Chile inicia apuração de votos para eleição presidencial polarizada

Fotógrafo: Cristóbal Olivares/Bloomberg

Boric ficou conhecido no país após liderar as manifestações estudantis de 2011 que exigiam educação gratuita e de qualidade no Chile. Foi eleito presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile, onde estudou Direito, e membro do coletivo Izquierda Autónoma.

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As mobilizações estudantis se tornaram um trampolim político para Boric e outros líderes estudantis como Giorgio Jackson e as comunistas Camila Vallejo e Karol Cariola. Em março de 2014, os jovens tomaram posse como deputados e, quatro anos depois, conseguiram ser reeleitos para o mandato 2018-2022. Todos fazem parte do mesmo pacto eleitoral, Apruebo-Dignidad, e apostam que Boric chega ao La Moneda.

Do extremo sul do Chile

O candidato vem de uma família que vive na cidade de Punta Arenas, na região mais ao sul do Chile – Magallanes – que inclui o território antártico. Nessa cidade, que tem cerca de 166.550 habitantes, o casal croata Boric Crnosija criou raízes no final do século XIX, segundo os arquivos do jornal La Prensa Austral.

Seu pai era Luis Javier Boric Scarpa, e sua mãe, María Soledad Font Aguilera, trabalhadora doméstica. Gabriel é o primeiro de três filhos, que, entre 1991 e 2003, estudou na British School em Punta Arena. “Logo nos primeiros anos, foi presidente de turma”, disse sua mãe a uma emissora de televisão.

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Seu pai trabalhava como engenheiro na Companhia Nacional de Petróleo (ENAP, na sigla em espanhol) e era membro do partido de centro-esquerda Democracia Cristã (DC).

Os passos de um deputado

Ele levou seu estilo – barba espessa, mangas arregaçadas e sem gravata – ao Congresso, sendo criticado por um de seus pares, que lhe pediu para seguir as regras. “Não me importo que me julguem pela minha aparência”, disse há sete anos.

Como legislador, ele é um dos interessados que assinaram um acordo de paz, justiça e uma nova Constituição que acabaria com a violência nas ruas em decorrência das manifestações de 18 de outubro de 2019. Sua postura conciliatória gerou tensões com o Partido Comunista (PC), que se negou a assinar o pacto.

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Mas ele também foi protagonista de polêmicas que geraram muitas críticas. Em 2018, sem informar sua bancada política, ele se encontrou com Ricardo Palma Salamanca, ex-integrante da Frente Patriótica Manuel Rodríguez e fugitivo da justiça chilena pelo crime do senador de direita Jaime Guzmán (1991), além de outros delitos.

Boric pediu desculpas pelo ocorrido em um debate presidencial no qual foi repreendido por seu principal rival, Kast: “Quando cometo um erro, tenho a capacidade de refletir sobre meus erros e pedir perdão”.

O deputado investiga desde 2014 alguns casos de manipulação de mercado, além de promover o aborto legal, causas feministas e casamento igualitário. Recentemente, ele negou uma denúncia de suposto assédio após uma publicação jornalística.

Crítico de Maduro e simpatizante de Pablo Iglesias

Seus adversários políticos o ligam à extrema esquerda. Mas seus comentários sobre o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez e seu sucessor, Nicolás Maduro, são variados. Nas eleições presidenciais na Venezuela em 7 de outubro de 2012, Boric opinou: “Entre Capriles e Chávez, eu teria votado em Chávez. No entanto, um militar com tanto ar de grandeza não deveria ser referência para a esquerda do século XXI”.

Em 2013, após a eleição de Maduro, ele disse que era “um forte sinal” e que havia muito trabalho para “a esquerda, não apenas na Venezuela, mas em toda a América Latina”. Sua percepção mudou com o tempo, e agora ele repudia o presidente, a quem reprova por não respeitar os direitos humanos. “Você não está à altura do cargo”, publicou no Twitter em maio.

Meu mandato também será um mandato de respeito irrestrito pelos direitos humanos. Piñera e você não estão à altura do cargo.

Ele tem demonstrado simpatia pelo espanhol Pablo Iglesias, do Podemos, com quem se reuniu em 2016. Dois anos depois de visitá-lo, enviou-lhe uma mensagem de apoio após os questionamentos sobre a compra de uma casa em Madrid, avaliada em quase 600 mil euros (aproximadamente R$ 3,8 milhões).

Muita força nestes momentos difíceis aos meus colegas @Pablo_Iglesias_ e @Irene_Montero_. Na política, sempre enfrentaremos momentos difíceis, seja por erros, seja pelo desprazer dos adversários. Humildade, transparência, como o fizeram e continuar lutando. Um forte abraço!

Mas também se distanciou das declarações do PC do Chile, que defende as eleições na Nicarágua, consideradas pela comunidade internacional como “fraudulentas” e ilegítimas porque Daniel Ortega foi reeleito sem competir com oponentes (presos e perseguidos). “Não representa a Apruebo-Dignidad, e minha posição é clara: respeito total e irrestrito pela democracia em todos os lugares, inclusive na Nicarágua”, disse Boric, que falou com militantes comunistas que ficaram “surpresos” porque a declaração não foi consensual.

“Túmulo” do neoliberalismo

Boric chegou à disputa presidencial após ser escolhido pela Frente Ampla e enfrentar o escolhido do Partido Comunista e prefeito de um bairro de Santiago, Daniel Jadue, nas eleições primárias de 18 de julho, com 1.051.900 votos ante 689.315, respectivamente. “Se o Chile foi o berço do neoliberalismo, também será seu túmulo”, disse a seus seguidores em uma cerimônia para celebrar a vitória.

Gabriel Boric derrotou o prefeito Daniel Jadue, candidato do Partido Comunista, nas primárias da esquerda para escolher seu candidato à presidência

Embora sua vitória sobre Jadue, que tinha propostas de reformas radicais, tenha gerado uma reação favorável do mercado, o otimismo durou alguns dias ,e seu programa econômico foi questionado por alguns especialistas devido aos planos de aplicar um imposto para os “super ricos”, uma reforma trabalhista para garantir a igualdade de participação dos trabalhadores nos conselhos de administração, um royalty de mineração e uma reforma tributária que prevê arrecadar 8% do PIB.

Foi nesse plano em que o candidato apresentou os maiores deslizes, cometendo diversos erros com os números.

Sua equipe fez ajustes em seu programa há algumas semanas, e dois de seus assessores – ao contrário de Boric – também foram contra o último projeto de saque de fundos de pensão, que, por fim, foi indeferido no Senado pois poderia gerar mais inflação. Em outubro, em análise da Bloomberg, o ex-líder estudantil reconheceu a preocupação dos empresários de que sua vitória prejudique os investimentos no Chile e, consequentemente, a economia. E acrescentou: “Todos entendem – até os investidores – que se você tem uma empresa quebrada, não há expectativa de investimentos de longo prazo. A fé pública se perde, e você acaba matando sua galinha dos ovos de ouro”.

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Maolis Castro

Periodista venezolana en Chile con trayectoria en medios internacionales. Fue corresponsal del diario El País de España en Caracas, y colaboró para ABC, Wall Street Journal, y DW. Trabajó en el site de periodismo de investigación Armando.info.

Bianca Carlos

Localization Specialist na Bloomberg Línea. Formada em Tradução pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), conta com uma década de experiência, principalmente em material jurídico e técnico.