Bloomberg — Sinais dos problemas causados pela inflação estão por toda parte na periferia brasileira.
A lenha tem substituído o gás de cozinha, enquanto cabeças e ossos de peixe são usados em ensopados no lugar da carne bovina e de frango. Também há etiquetas de alarme que os donos de supermercados colocam nas picanhas para evitar roubos. E a palavra “fome” aparece pichada em letras garrafais em vários prédios.
Na América Latina, região que se tornou exemplo da inflação elevada que se espalha pela economia global, nenhum país mostra uma alta tão acelerada quanto o Brasil. Os preços ao consumidor sobem em ritmo anual acima de 10%, comparados a 1,9% em 2020. Para piorar, a economia entrou novamente em recessão poucos meses depois de iniciar a frágil recuperação após o colapso do ano passado.
Essa combinação, definida por especialistas como estagflação, atinge os brasileiros pobres com mais força. Os aumentos dos custos de alimentos, gás e eletricidade elevaram a inflação anual entre famílias de baixa renda para 11,4%, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A taxa é muito mais baixa - 9,3% - entre os mais ricos, reforçando uma dura verdade: a pandemia agravou a desigualdade na América Latina e em grande parte do mundo em desenvolvimento.
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Para Rúbia Alves, a inflação significou servir leite com chocolate e pão para os dois filhos no jantar. Com os preços do gás de cozinha em alta de 30% este ano, o arroz com feijão de todo o dia se tornou um luxo que ela já não pode pagar com o salário de cerca de R$ 1.100 por mês que seu marido ganha como porteiro em Brasília.
“Não posso ficar duas horas com o fogão ligado”, diz Alves, 29, em sua pequena casa em uma favela nos arredores da capital.
No ano passado, o governo Bolsonaro gastou muito para mitigar os efeitos da pandemia, o que reduziu os níveis de pobreza extrema para a mínima de 4,6% contra cerca de 11% em 2019, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas. Ainda assim, o auxílio emergencial acabou no início do ano, e a pobreza voltou com força total. Hoje, a taxa é de 13%.
Marcos Barreto pode ver o impacto disso no número de vítimas com queimaduras que chegam ao hospital público onde trabalha no Recife.
O etanol começou a ser usado como alternativa ao gás de cozinha por moradores do Recife porque, segundo ele, é mais barato do que o carvão, não deixa cheiro de gasolina e é mais fácil de ser encontrado nas cidades do que a lenha. Mas a chama do etanol é azul, o que dificulta a visão e aumenta o perigo. Barreto atende tantos casos de queimaduras graves agora - cerca de 50 por mês - que muitas vezes o hospital fica sem leitos.
“Muitas pessoas têm recorrido ao etanol”, diz.
A crescente desigualdade entre ricos e pobres se torna mais acentuada a cada dia. Há algumas semanas, uma churrascaria em Brasília popular entre políticos e lobistas anunciou um festival de “kobe beef”. Por R$ 352 - o equivalente a cerca de um terço do salário mínimo - clientes VIP podiam se deliciar com cerca de 1 kg da exclusiva carne wagyu.
A cerca de 16 quilômetros de distância, Nilda Maria da Silva não come carne há meses. A vendedora ambulante de 65 anos, que comercializa meias, echarpes e camisas em seu estande em uma pequena cidade nos arredores de Brasília, come apenas um ovo misturado com farinha por dia.
Ela diz que está preocupada em não poder pagar nem isso. Os ovos estão 28% mais caros do que há um ano. E os preços da carne, farinha, açúcar e legumes aumentaram mais de 10%.
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