Bloomberg — Passei quase 10 anos em alto mar – bem longe de qualquer sinal de terra. Durante as longas viagens, eu monitorava os enormes navios de carga civis e petroleiros que navegavam perto dos meus navios de guerra. Um sistema complexo mantém esses navios funcionando essencialmente 24 horas por dia, 7 dias por semana, movimentando cargas entre uma rede de megaportos globais. Quem os via, observava com respeito por seu tamanho e porte, com a sensação de que muitas vezes estavam quase em apuros. As margens de tempo e custo das transportadoras são pequenas, e suas equipes são incrivelmente diminutas – muitas vezes não são treinadas adequadamente nem remuneradas o suficiente.
Todos esses fatores influenciam os atuais atrasos de matéria-prima e bens de consumo na cadeia de suprimentos global. Naturalmente, esses atrasos não dependem inteiramente do transporte marítimo. Mas, considerando que mais de 90% dos produtos comercializados internacionalmente passam pelo que o estrategista naval do século XIX, contra-almirante Alfred Thayer Mahan, chamou de “vias marítimas de comunicação”, esse é um bom ponto de partida. Os grandes portos também fazem parte da infraestrutura marítima e alguns se tornaram pontos de gargalo estrutural – como se fossem os pontos de estrangulamento geográficos críticos como os canais de Suez ou do Panamá ou os estreitos de Ormuz ou Malaca.
No momento, sérios acúmulos e atrasos continuam sendo a norma em portos de todo o mundo. O maior complexo americano fica no sul da Califórnia, nos portos de Los Angeles e Long Beach. Há semanas, dezenas de navios aguardam ancorados no mar. Milhares de contêineres vazios ainda precisam ser enviados para outros portos. E, assim como em muitos outros portos importantes em todo o mundo, a infraestrutura de carga está sobrecarregada.
Parte do problema tem a ver com a forma como pensamos nas cadeias de suprimentos. Elas não são semelhantes a cadeias no sentido de serem simples e lineares. Se fossem, os problemas seriam mais fáceis de resolver. A visão mais precisa e a de redes ou até mesmo uma nuvem – não linear tanto quanto o mar. A cadeia de suprimentos global é, em sua essência, uma série de nós distintos que funcionam bem se estiverem sincronizados.
Quando o sistema “just in time” de controle de estoque falha, as extraordinárias interconexões da rede – normalmente uma vantagem – criam problemas. Como o Covid-19 dificultou a chegada da mão de obra nas docas para descarregar os navios, esses problemas foram ampliados em toda a rede. O Covid também impede o fluxo de marinheiros da terra para o mar e vice-versa à medida que entram em vigor quarentenas, testes e fechamentos de fronteiras.
Os sistemas marítimos globais ainda precisam se ajustar a tudo isso. As grandes empresas de transporte marítimo (A.P. Moller-Maersk, Mediterranean Shipping, China Ocean Shipping, Evergreen Marine) e as organizações associadas (a Organização Marítima Internacional da ONU, a Lloyd’s de Londres) devem avaliar coletivamente os gargalos. Os governos precisam participar por meio de suas agências associadas, como a Administração Marítima dos Estados Unidos (MARAD). No fundo, esta é uma função de inteligência, e a extensão do problema só poderá ser compreendida ao coletar vastos conjuntos de dados. O presidente Joe Biden está certo em negociar com varejistas e outros líderes empresariais sobre as medidas para movimentar a cadeia de suprimentos.
(Sou membro do conselho da Greek Onassis Foundation, que administra um importante negócio de transporte marítimo internacional com sede na Europa, e também sou consultor da Crowley Maritime nos EUA).
Com uma ideia clara de como a rede marítima está funcionando, os especialistas podem aplicar ferramentas analíticas adequadas (incluindo novas técnicas de inteligência artificial) para formular soluções. Nos EUA, por exemplo, é necessário um plano para transferir a carga de portos sobrecarregados para outros subutilizados. Os EUA têm poucos megaportos (apenas Los Angeles e Long Beach estão entre os 20 melhores do mundo), mas muitos outros menores – um legado do amplo litoral e da infraestrutura descentralizada. Essa desvantagem pode se transformar em vantagem.
Também ajudaria saber onde é melhor investir quanto a melhorias nos portos. Como o Departamento de Transporte cumpre a legislação de infraestrutura recentemente aprovada, esse esforço deve ser uma prioridade.
No longo prazo, é importante investir em transporte marítimo global, começando pelos próprios marinheiros. Nos EUA, isso significa apoiar faculdades da marinha mercante, incluindo a Academia da Marinha Mercante dos EUA em Kings Point, Nova York, e faculdades marítimas estaduais. Os governos, incluindo os EUA, também devem subsidiar operações de transporte ambientalmente seguras e melhorias na tecnologia portuária – incluindo contêineres dobráveis, guindastes “inteligentes” de descarregamento e armazéns pop-up para processar o acúmulo.
O atual sistema global foi dessincronizado não apenas pela escassez de mão de obra causada pelo Covid, mas também pelo extraordinário atraso da demanda por bens duráveis, uma infraestrutura antiga e negligenciada e graves distúrbios climáticos. Os efeitos combinados levarão um ano para se desenrolar.
Infelizmente, embora não seja surpreendente, esse problema também tem um aspecto geopolítico. A controvérsia sobre qual país administra um determinado porto ou canal desencoraja o compartilhamento de informações e inteligência. A concorrência entre os EUA e a China também complica os esforços para ressincronizar o sistema de transporte global.
A pressão sobre as redes marítimas ainda está aumentando, e não há nenhuma outra opção para transportar a maioria das mercadorias do mundo. A cooperação internacional entre as nações, a coordenação entre agências dentro dos países e – acima de tudo – um alto nível de integração público-privada serão necessárias para resolver os problemas do sistema.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
James Stavridis é colunista da Bloomberg Opinion. É almirante aposentado da Marinha dos EUA e ex-comandante supremo aliado da OTAN e reitor emérito da Escola de Direito e Diplomacia Fletcher na Universidade Tufts. Também preside o conselho da Rockefeller Foundation e é vice-presidente de Assuntos Globais do Carlyle Group. Seu livro mais recente é “2034: A Novel of the Next World War”.
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