Prepare-se, o Brasil vai abalar os mercados de commodities

A notável reversão política do presidente Bolsonaro sobre programas sociais será sentida na soja, carne bovina, frango e até mesmo no café

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Bloomberg Opinion — Você pode pensar que os fatores mais importantes que impulsionam os mercados de commodities no momento são a velocidade com que o Federal Reserve dos EUA diminui o estímulo econômico, o estado do setor imobiliário da China ou choques geopolíticos dentro da OPEP. Mas não descarte a importância dos pagamentos de auxílio do governo brasileiro.

O real vem sendo negociado em baixas recordes nos últimos meses, em grande parte graças aos esforços do presidente Jair Bolsonaro para se libertar das amarras fiscais e introduzir um programa de combate à pobreza antes das eleições de 2022. As leis que permitirão a aprovação das medidas – uma reformulação do Bolsa Família, introduzida por Luiz Inácio Lula da Silva e que Bolsonaro quer aumentar para cerca de R$ 400 por mês – já passaram pela Câmara do Congresso e agora chegam ao Senado.

Politicamente, é uma reversão notável. Uma das políticas centrais de Bolsonaro para chegar ao poder em 2018 foi uma reforma do sistema previdenciário estadual para compensar os déficits orçamentários e recuperar a classificação de crédito de grau de investimento que o Brasil perdeu em 2016. Recuperar a confiança do investidor foi a força motriz do teto de gastos públicos constitucionais, tampa que o próprio Bolsonaro está agora abandonando para avançar com seu próprio programa de auxílio. Abatido pelo maior número de mortes de Covid-19 depois dos EUA, o compromisso do Brasil com a contenção fiscal ficou tão desgastado que as decisões de carreira de Paulo Guedes se tornaram um indicador de movimento do mercado.

No entanto, o impacto mais amplo pode ocorrer nos mercados de commodities. Junto com os sinais de alívio da crise da cadeia de abastecimento e dos preços da energia chinesa retornando a níveis normais, a fraqueza do real ainda pode ajudar a aliviar as pressões inflacionárias que percorrem a economia mundial.

Isso ocorre porque o Brasil tem um papel importante em uma ampla gama de alimentos e minerais essenciais do mundo. Quando a moeda cai, os custos de produção para os produtores brasileiros também caem, tornando seus produtos mais competitivos e aumentando a oferta.

Veja a soja, maior exportação do país, cujos preços de futuros dos EUA atingiram a maior alta em nove anos em maio. A terra normalmente representa cerca de um quarto dos custos para os produtores de soja brasileiros, contudo – ao contrário de fertilizantes e pesticidas, commodities globais cujos preços tendem a mudar com o dólar – realmente não sofre aumento de preço quando o real enfraquece. O mesmo ocorre com gastos com mão-de-obra, impostos e outras despesas domésticas.

Como resultado, a produção da safra atual deve atingir um recorde de mais de 5 bilhões de bushels do grão (cerca de 135 bilhões de quilogramas). O milho, cujos preços de futuros também dispararam em maio, também deve registrar produção recorde.

Para a carne, a situação é semelhante. O Brasil é o maior exportador de aves e carne bovina e o terceiro maior de carne suína; todos devem sofrer aumento na produção no próximo ano, segundo o Departamento de Agricultura dos EUA. As exportações totalizarão 2,66 milhões de toneladas no ano comercial de 2022, informou o Departamento de Agricultura dos EUA este mês, elevando a participação do Brasil no comércio global de cerca de 18% em 2017 para os atuais 22%. Isso pode ser apenas o começo: o gado demora vários anos para atingir a maturidade, e a taxa de crescimento do rebanho do Brasil é mais rápida do que a de suas exportações. Quatro entre cinco vacas acrescentadas aos rebanhos mundiais desde 2017 são do Brasil. Isso sugere maior expansão das exportações nos próximos anos.

Quanto às aves, os efeitos foram silenciados pela forma como a depreciação da moeda, a pandemia e a inflação atingiram os padrões de vida. O consumo doméstico de frango disparou nos últimos anos para substituir a carne bovina que os brasileiros não podem mais pagar. Mesmo assim, a produção chegará a 4,2 milhões de toneladas no próximo ano.

Entre as principais exportações de commodities do Brasil, apenas o minério de ferro ficou para trás. Analistas esperam que a produção da Vale cresça cerca de 20 milhões de toneladas no ano que vem, mas as previsões da empresa podem ficar aquém da meta quando divulgadas no final deste mês, informou a Bloomberg News. O principal produtor, a Austrália, será responsável por uma parcela maior do crescimento da produção no próximo ano, e também por um ritmo mais rápido.

No entanto, a maior aposta de commodity sobre o real provavelmente será no café. Tradicionalmente, o Brasil é um produtor tão dominante de grãos de arábica (a partir dos quais é possível produzir café de alta qualidade) que os especuladores os usam como forma de apostar no real e vice-versa. Quando a moeda enfraquece, a produção sobe e os preços do arábica caem.

Isso parece ter mudado nos últimos anos. Em um momento em que o real chega a recordes de baixa, o café chegou a seus níveis mais altos em uma década. Os investidores também não esperam que essa seja uma anomalia: com relatórios de baixo desempenho da safra da região cafeeira, a posição comprada líquida dos futuros de arábica está apenas um pouco abaixo dos níveis recordes, sugerindo que se espera que os preços subam ainda mais.

É uma aposta ousada. A turbulência fiscal do Brasil e a queda da moeda já estão agitando e elevando os mercados de soja, carne bovina e aves. Não seria uma surpresa se o mesmo ocorresse com o café.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

David Fickling é colunista da Bloomberg e escreve sobre commodities, indústrias e empresas de bens de consumo. Já foi repórter da Bloomberg News, do Dow Jones, do Wall Street Journal, do Financial Times e do The Guardian.

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