Bloomberg Línea — Silenciosamente, o governo federal avança o que define como uma série de “reformas microecononômicas”, fundamentadas na digitalização. Com uso intensivo de dados, a estratégia prevê uma interação cada vez maior com a iniciativa privada através da identificação digital.
A construção do relacionamento online entre o governo e o cidadão é prioritária na Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital. Comandada por Caio Mario Paes de Andrade, o órgão do Ministério da Economia é considerado estratégico para reduzir o custo da máquina pública, gerar eficiências operacionais e ampliar a visibilidade dos cidadãos pelo governo.
Através da Secretaria de Governo Digital, o órgão atua na centralização de serviços públicos sob a plataforma Gov.br, atualmente com cerca de 115 milhões de brasileiros cadastrados. Aproximadamente 3 mil serviços de departamentos como Detran, INSS e Receita Federal, 70% do total, foram digitalizados e a intenção é terminar o processo até o ano que vem. O Brasil é o sétimo país mais avançado do mundo em governo digital, segundo um ranking da Organização das Nações Unidas.
Em entrevista à Bloomberg Línea, Paes de Andrade falou sobre a visão de governo digital da atual administração. Segundo o secretário, a provisão de serviços públicos online gera uma eficiência de cerca de R$ 3,2 bilhões por ano, dos quais R$ 2,3 bilhões são ganhos para a sociedade - por exemplo, não ter que se deslocar até repartições - e o restante são economias do governo.
“O ministro Paulo Guedes cada vez mais entende que, juntos, o verde e o digital vão transformar a economia mundial e que o Brasil pode, sim, estar à frente disso, dando exemplos nestas duas frentes,” pontua o secretário, empreendedor de tecnologia que até agosto de 2020 era diretor presidente do Serpro, empresa pública de tecnologia responsável, por exemplo, pela triagem dos cadastros do auxílio emergencial.
“Quando chegamos no governo, já existia a vontade da transformação digital, mas não no ritmo que conseguimos impor. Bolsonaro é um presidente digital, gosta muito do tema e nos apoia muito”
Caio Mario Paes de Andrade, secretário de Desburocratização, Gestão e Governo Digital
O futuro da identidade digital
Um brasileiro pode ter até 22 números diferentes nas diversas relações que tem com o estado. A Identificação Civil Nacional (ICN), que prevê a identificação digital para todos os cidadãos com base no CPF, busca endereçar esta complexidade e segundo Paes de Andrade, avança “a passos largos”. Um projeto de lei que atualmente tramita no Congresso propõe alterações à ICN, como a integração das bases de dados do governo, inclusive os biométricos.
A intenção é que a identificação digital pelo Gov.br viabilize não só serviços públicos, mas também uma maior interação com empresas, que se beneficiarão da máquina de geração de insights. Segundo o secretário, há “um zilhão de possibilidades” neste sentido.
“Sempre pensamos em um documento ao falar de identidade, mas na verdade trata-se de uma série de comportamentos e interações. Os bancos digitais usam muito [esta abordagem] e isso vai nos ajudar, assim como o Pix, o Open Banking, o Gov.br. Tudo isso forma a identidade de cada cidadão brasileiro”, pontua Paes de Andrade.
O governo deve disponibilizar as bases de dados sob o Gov.br como serviço para empresas através de APIs – interfaces que possibilitam o acesso a informações – a partir de 2022. “Quando colocarmos o mundo Gov.br à disposição do mercado e observando as medidas da Lei Geral de Proteção de Dados, as fintechs, agtechs, biotechs e outras empresas de tech saberão o que fazer com isso”, aponta.
Segundo Paes de Andrade, um dos grandes males do Brasil é a burocracia - e se cidadãos querem que o governo resolva isso, precisarão abrir compartilhar cada vez mais dados com o poder público em uma “relação de mão dupla”.
“Se você quer melhorar a administração pública, você quer que o governo tenha acesso e se relacione com você através dos seus dados”
Caio Mario Paes de Andrade, secretário de Governo Digital
Sobre um possível descompasso nessa relação, em que muitos podem não entender os desdobramentos do compartilhamento de dados, o secretário faz um paralelo com as Big Techs: “Você faz coisas no Google, no Facebook, no Twitter, no Instagram, no LinkedIn porque é necessário fazê-las. Da mesma forma, é necessário que o Estado esteja presente para facilitar sua vida e possibilitar que você faça coisas.”
Gêmeo digital
Conforme o entendimento sobre a questão dos dados avança, Paes de Andrade acredita que diversas opiniões surgirão. “A liberdade de escolha é um ponto importante: nosso governo acredita nos indivíduos, nos empreendedores. As pessoas precisam tomar decisões sobre suas próprias vidas, não achamos que o Estado deva interferir”, pontua.
A visão do governo sobre direitos individuais vale para o “ente digital” criado com base em dados do cidadão, segundo o secretário: “Nesse novo mundo, o gêmeo digital das pessoas será liberal e conservador”, pontua.
O compartilhamento intensivo de dados de cidadãos com o governo é um “resultado inexorável”, segundo o secretário, e os que não concordarem precisarão recorrer a centros de atendimento físicos. Neste caso, a conveniência deve falar mais alto: “[Essa conveniência] será objeto de discussões políticas, econômicas, microeconômicas, sociais, e aí a conscientização virá.”
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