O que o Brasil pode aprender sobre regulação ESG com a Europa

Novas normas da União Europeia podem guiar medidas e complementar regras já existentes no país

Há mais de dez anos questões ESG vêm sendo debatidas no país, mesmo com limitações ou até mesmo com outro nome.
10 de Novembro, 2021 | 08:57 AM

São Paulo — Com a pandemia de Covid-19, pautas que ainda eram um tanto tímidas no mercado financeiro ganharam mais força do que nunca. Uma delas é o ESG.

A sigla em inglês que refere-se a estratégias ambientais, sociais e governança diz respeito a aspectos de administração e gestão corporativa em que questões como o impacto de uma empresa na sociedade, no meio ambiente ou sua relação com seus próprios funcionários são levados em consideração na tomada de decisões e geração de valor. Ou seja, pensar no ESG seria uma maneira de administrar e gerir uma companhia tendo como base um conjunto de informações para além dos números de demonstrativos financeiros

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Por se tratar de algo complexo e relativamente novo, ele ainda gera dúvidas não só entre pessoas comuns como também players do mercado. Por isso, empresas e órgãos públicos vêm trabalhando a cada dia no estabelecimento de normas e parâmetros que permitam a compreensão e avaliação que as companhias possuem sobre esses aspectos.

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Esse movimento se dá tanto pela crescente pressão popular quanto também pelo fato dos aspectos ESG estarem cada vez mais sendo considerados por agências de rating e outros staker folders e ,consequentemente, afetando o potencial de ganho dos investidores.

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Como funciona na UE?

Um caso que chama atenção no exterior é o da União Europeia. Lá, em março deste ano, entrou em vigor o Regulamento para Divulgação de Finanças Sustentáveis. O sistema representa o conjunto de regras mais ambicioso já criado para garantir que novos critérios baseados em ESG sejam utilizados na decisão de alocação de recursos.

Gestores de fundos precisam declarar os riscos climáticos representados pelos ativos com base em uma rigorosa taxonomia, se quiserem ter sucesso dentro do novo marco regulatório. Essa taxonomia em vigor tem o objetivo de determinar quais negócios e investimentos podem receber o selo de ESG.

Essa e outras regulações farão com que o alto escalão de companhias, que decide sobre negócios, investimentos e financiamentos de longo prazo, tenha que tomar suas decisões mediante a avaliação correta de riscos e oportunidades ambientais e sociais.

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Contudo, mesmo sendo uma tendência recente, a criação de regulações para empresas levando em conta questões ambientais, que fazem parte do ESG, não é recente na Europa. O continente vem trabalhando no Pacto Ecológico (European Green Deal) há alguns anos, tendo como meta tornar-se um continente neutro em carbono até o ano de 2050.

Experts do assunto, como a advogada especialista em direito ambiental Ana Luci Grizzi, enxergam esses movimentos regulatórios com otimismo. “Acredito que só vamos ter uma mudança quando tivermos efetivamente a alta liderança envolvida, mensurada e remunerada com base em critérios ESG”, diz. “E isso é um grande diferencial da Europa.”

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E o Brasil

Há mais de dez anos questões ESG vêm sendo debatidas no país, mesmo com limitações ou até mesmo com outro nome. Não por acaso, muitas das regulações adotadas na Europa, em certo grau, já são aplicadas no Brasil

Alguns exemplos são o da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), que a partir do ano 2000 passou a obrigar que empresas do setor reportassem informações como questões sociais, como dados étnico raciais, sobre igualdade de gênero e questões ambientais. Outro exemplo é o do Banco Central que, em 2014, foi o primeiro banco central no mundo a trazer aspectos relacionados a riscos ESG para o mercado financeiro.

A Instrução 480 da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que trata do registro de emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados de valores mobiliários, mesmo antes de sua recente revisão, continha um trecho que dizia respeito ao G de governança em relação a salários. “Sempre achei muito corajoso da nossa CVM trazer um aspecto relacionado à remuneração, fundamental de ser abordado no debate da sustentabilidade”, diz Glaucia Terreo, diretora da Global Reporting Initiative (GRI) no Brasil.

Recentemente, foi definido que a partir de janeiro de 2022, os investidores do mercado brasileiro de ações vão ter acesso a rankings com as empresas de capital aberto mais avançadas na agenda ESG, o que tende a facilitar a análise das questões de sustentabilidade dentro das organizações à medida em que as decisões de aporte de recursos se guiam, cada vez mais, por indicadores de responsabilidade social e ambiental.

Isso será possível graças à revisão da metodologia do ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial) da B3, que convidou para participar de seu processo de seleção as 200 ações de maior liquidez da Bolsa.

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Na visão de Terreo, um dos desafios da pauta ESG no Brasil é a qualidade da informação divulgada. “Relatórios ESG são documentos e que devem ser utilizados pela gestão com o mesmo nível de importância dos relatos financeiros”, diz, tendo em vista que os fatores ESG afetam direta e indiretamente a criação e proteção de valor.

Bom para as empresas e o mercado

“Uma empresa que trabalha de maneira consistente a questão ESG tem gestão robusta e melhor desempenho, especialmente no longo prazo”, diz Terreo. Esse tipo de postura acaba favorecendo a transparência da companhia, o que afeta diretamente sua reputação, facilitando até mesmo a vida do investidor na hora de tomar decisões.

A valorização do ESG e a consequente necessidade por uma regulação, seja na Europa ou no Brasil, vem também de uma percepção cada vez maior por parte das empresas e da população de que para que haja desenvolvimento é necessário que haja equilíbrio nos mais diversos aspectos da sociedade. “Risco ambiental e climático são riscos financeiros, ou seja, colocam em cheque estabilidade financeira global”, enfatiza Grizzi.

Nessa linha, as especialistas enxergam as regulações adotadas pela União Europeia como as mais completas, por abarcarem todos os setores da economia, levando em conta também as especificidades de cada um. Essas medidas pode promover mais transparência e mudanças de postura às questões socioambientais. “Temos que tomar as ações agora, não dá mais pra ficar postergando as discussões”, completa Grizzi.

Falando em Europa...

Durante a COP-26, foi anunciado que o Brasil planeja apoiar os esforços do Reino Unido para manter vivas as chances de limitar o aquecimento global a 1,5 grau Celsius, uma decisão que pode ajudar o país a melhorar sua reputação em políticas climáticas.

O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, deve apoiar a iniciativa quando se dirigir aos líderes das negociações sobre o clima na Escócia nesta semana, disse Paulino de Carvalho Neto, secretário de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania do Ministério de Relações Exteriores. O apoio sinalizaria uma mudança na política de ceticismo em relação à mudança climática do governo do presidente Jair Bolsonaro.

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Igor Sodré

Jornalista com formação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, com experiência na cobertura de cultura e economia, tendo como foco mercado financeiro e companhias. Passou pela Bloomberg News e TradersClub.