Bloomberg Opinion — A velocidade com que as vacinas contra Covid-19 interromperam as mortes renovou o foco no milagre (e na ciência) da inoculação.
As pessoas costumavam torcer por uma vacina contra o câncer. Espera aí, nós já temos uma. E agora um grande estudo comprovou sua eficácia.
Em 2008, o Reino Unido começou a oferecer a meninas de 12 e 13 anos uma imunização contra o papilomavírus humano (HPV), amplamente transmitido sexualmente e causa de quase todos os cânceres cervicais. A vacina foi distribuída posteriormente a meninas mais velhas e, desde 2019, a meninos também.
Utilizando dados de um registro de casos de câncer de base populacional feito de 2006 a 2019, os pesquisadores, que publicaram na revista Lancet na semana passada, constataram que a vacina teve um efeito intenso nas taxas de câncer cervical, com redução de 87% em pacientes que receberam a vacina entre 12 e 13 anos de idade (as taxas de redução foram menores na faixa etária que tomou a dose posteriormente, pois menos pessoas tomaram a vacina e algumas já poderiam ser sexualmente ativas).
“O programa de imunização contra o HPV quase eliminou com sucesso o câncer cervical em mulheres nascidas a partir de 1º de setembro de 1995″, concluiu o estudo. Entre as histórias de sucesso de vacinas, esta deve ser mais conhecida.
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Os resultados do estudo ressaltam a necessidade de disponibilizar amplamente essas vacinas em todo o mundo, principalmente nos países em desenvolvimento. No entanto, também são um lembrete de que as taxas de adesão poderiam ser ainda maiores em muitos países (incluindo os Estados Unidos) e não apenas entre as meninas.
Existem mais de 200 tipos de HPV comuns em humanos; a maioria é combatida naturalmente pelo sistema imunológico do corpo, mas alguns podem causar verrugas genitais ou câncer. Quase 40% das mulheres são infectadas com HPV dentro de dois anos de sua primeira atividade sexual, então as chances de contrair são muito altas. As vacinas não funcionam após a infecção por HPV, por isso é tão importante que os jovens sejam vacinados precocemente.
O HPV normalmente é conhecido por ser a causa do câncer cervical, mas também é o responsável por muitos outros tipos de câncer. Em 1999, a epidemiologista molecular e especialista em câncer Maura Gillison conectou alguns tipos de câncer de cabeça e pescoço ao HPV e às infecções sexualmente transmissíveis. A incidência desses cânceres aumentou a uma taxa alarmante, principalmente entre homens de meia idade que haviam contraído HPV décadas antes. Nos EUA, de 2013 a 2017, a incidência de câncer associado ao HPV era de mais de 45 mil por ano – quase 20 mil desses casos ocorreram entre homens.
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Graças aos programas de testes e à vacina, o Reino Unido teve grande queda nos principais tipos de HPV causadores de câncer em mulheres e homens, além de uma grande queda no número de jovens que relataram verrugas genitais. Como os cânceres evoluem lentamente ao longo do tempo, os benefícios reais da vacina, que previnem doenças (e salvam vidas), devem ser ainda maiores. O sucesso da vacina provavelmente desencadeará uma reformulação dos programas de testes de câncer cervical, embora ainda não se saiba se será necessário tomar uma dose de reforço.
Em 2020, a Food and Drug Administration dos EUA ampliou a aprovação da vacina contra HPV da Merck, a Gardasil 9 (que protege contra nove tipos diferentes de HPV e também é usada na Grã-Bretanha), de forma a incluir o uso na prevenção do câncer orofaríngeo (na garganta) e outros cânceres de cabeça e pescoço. Agora ela foi aprovada para uso em homens e mulheres de 9 a 45 anos, com duas doses somente para quem foi vacinado precocemente.
Contudo, apesar de seu sucesso, pouco mais da metade dos adolescentes dos EUA estavam em dia com suas vacinas contra o HPV em 2019 – apenas 52% dos meninos em comparação com 57% das meninas (cerca de 85% das mulheres no Reino Unido tomaram as duas doses em 2020). Como tudo nos EUA, as taxas variam amplamente de acordo com o estado.
Se a vacina contra o HPV é uma escolha tão óbvia, por que as taxas são tão baixas? As explicações variam. Ter de inocular duas ou três doses pode ser um impedimento para alguns pais. Alguns estudos sugeriram que, como o HPV está associado à transmissão sexual, médicos e pais hesitam em discuti-lo. Existem também as preocupações usuais sobre efeitos adversos e riscos. Na Grã-Bretanha, geralmente é oferecida a vacina às crianças na escola, o que torna muito mais fácil para os pais darem o consentimento e não se esquecerem da vacinação.
Além da experiência mundial com o Covid, o estudo da Lancet sobre a vacina contra o HPV é outro lembrete do impacto salvador das vacinas. Quando a ciência oferece um presente, devemos aceitar.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Therese Raphael é colunista da Bloomberg Opinion. Ela foi editora da página editorial do Wall Street Journal Europe.
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