Bloomberg Opinion — A farsa das eleições de domingo (7) na Nicarágua, nas quais o presidente Daniel Ortega concorreu praticamente sem oponentes depois de vetar ou prender a maioria dos opositores, pode servir como o exemplo mais escrachado de autoritarismo progressista na América Latina. No entanto, o Brasil, um país muito maior e mais importante, também caminha para uma crise política. E a história da América Latina mostra que se o Brasil sofrer um colapso democrático, os efeitos podem se estender muito além de suas fronteiras.
O sistema democrático do Brasil é relativamente jovem – surgiu em 1985 após duas décadas de regime militar – e é relativamente frágil. Em prol da paz social, o país evitou levar em consideração os crimes perpetrados pelas forças armadas quando estas ficaram no poder. Atualmente, o controle civil das forças armadas ficou mais tênue que nas democracias da América do Norte e da Europa.
Além disso, o crime desenfreado levou a uma insegurança pública generalizada, que pode facilmente se transformar em simpatia por um governo autoritário. Recentemente, o desempenho econômico decepcionante, a corrupção e uma resposta fracassada à epidemia de Covid-19 aumentaram as tensões.
Nos últimos dias, o presidente populista Jair Bolsonaro flertou com a ideia de convocar uma intervenção militar na política do país; a maioria dos brasileiros acredita que ele quer dar um golpe. Além disso, o presidente minou a separação de poderes, declarando que deixaria de respeitar as decisões do Supremo Tribunal Federal. Ele também seguiu as mesmas táticas do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao afirmar erroneamente que o sistema eleitoral não é confiável, alimentando o ódio a seus inimigos políticos.
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Por tudo isso, a democracia brasileira está “em grave perigo” de colapso, escreve o cientista político Oliver Stuenkel. A possível reeleição de Bolsonaro em 2022 pode degradar ainda mais as instituições do país e levá-lo rumo à autocracia, situação semelhante à que aconteceu na Venezuela. Se ele perder e se recusar a aceitar a derrota, poderá haver violência em uma escala muito maior do que a revolta de 6 de janeiro no Capitólio dos Estados Unidos. Mesmo se ele abdicar do poder (relutantemente), futuros demagogos poderão emular suas táticas. Alguns fracassos da autocracia às vezes levam a êxitos.
Este não é um problema apenas no Brasil. Como explicou o especialista Samuel Huntington há três décadas, as mudanças no tipo de regime em um país costumam ser uma bola de neve em outros.
Os avanços políticos nos países vizinhos proporcionam esperança e energia para aspirantes a revolucionários. Estes também podem receber apoio tangível de uma nova democracia que acredita ser mais segura se estiver cercada por outras. Em razão disso, a democratização torna-se um círculo virtuoso; mas, seguindo a mesma lógica, os colapsos democráticos podem dar início a outros mais cruéis.
O passado do Brasil é uma prova. Quando a nação voltou à democracia na década de 1980, toda a região despertou. Revolucionários da Argentina, Uruguai e Brasil se viam mutuamente como aliados contra as forças antiliberais em suas próprias sociedades. O governo brasileiro ajudou a proteger as transições políticas em países como o Paraguai, colocando a democracia no centro das instituições regionais, como o pacto comercial do Mercosul. O compromisso do Brasil com a democracia teve efeitos internacionais.
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No entanto, durante a fase anterior da ditadura, o Brasil era um reduto da autocracia regional. O golpe de 1964 fez parte de uma série de golpes militares na América Latina, desencadeados pelo medo do comunismo, fraco desempenho econômico e pela instabilidade política. O regime militar do Brasil agiu como se seu próprio bem-estar exigisse apoiar governos amigos e derrubar as ameaças.
A Junta militar brasileira apoiou os grupos de direita que desestabilizaram o governo socialista eleito de Salvador Allende no Chile. Pode-se dizer que a política brasileira teve um impacto maior do que a dos Estados Unidos no golpe que finalmente derrubou Allende.
Em 1971, Brasília moveu tropas para a fronteira com o Uruguai em um claro ato de intimidação eleitoral quando parecia que a coalizão de esquerda poderia ganhar a votação lá. No mesmo ano, forças brasileiras também ajudaram a organizar um golpe na Bolívia e, depois, o Brasil participaria da Operação Condor, iniciativa liderada pelo Chile para encontrar, prender e matar oponentes políticos das ditaduras sul-americanas.
A lógica da política da Guerra Fria significava que Washington estava feliz o suficiente por ter um regime brasileiro de direita zelando pela América do Sul. “Quem dera governasse todo o continente”, disse Richard Nixon sobre o presidente brasileiro Emílio Garrastazu Médici. Hoje, os efeitos podem não ser tão bem-vindos, pois governos autoritários muitas vezes buscam apoio da China e da Rússia, e a democracia passa por uma recessão global.
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De fato, um colapso brasileiro poderia ser especialmente prejudicial, visto que a democracia está em perigo em grande parte da América Latina. Venezuela e Nicarágua estão atoladas em uma tirania absoluta, ao passo que El Salvador é governado pelo autoproclamado “ditador mais ‘cool’ do mundo”.
Eleições contestadas e confrontos violentos atormentam países do Caribe aos Andes. A insatisfação popular com a democracia aumentou em toda a região, passando de 51% em 2009 para 71% em 2018, segundo levantamento do estudo Latinobarómetro. Os traumas econômicos, sociais e políticos causados pelo Covid-19 podem persistir nos próximos anos. Enquanto isso, a China e a Rússia estão aumentando seu papel na América Latina, usando ferramentas que vão da venda de tecnologia de vigilância ao apoio diplomático a governantes autocráticos que estão levando a região para o mau caminho.
Como sempre, o Brasil será referência. Se sua oposição fragmentada conseguir derrotar Bolsonaro e reforçar um governo representativo, as forças democráticas da América Latina receberão um impulso. Caso contrário (se o retrocesso político persistir no país), os beneficiários serão os agentes antiliberais em toda a região. É necessário ter em mente que o que acontece no Brasil não fica só no Brasil.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
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