Bloomberg Línea — A semana começou no país com uma incerteza relevante sobre o futuro da relação entre o governo do presidente Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional.
Na sexta à noite, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu, provisoriamente, a execução das chamadas emendas do relator – um instrumento orçamentário que permite ao governo realizar despesas indicadas por deputados e senadores. Neste ano, a verba total para esse tipo de despesa é de R$ 16 bilhões.
Chamado de “orçamento secreto” por não serem discriminadas claramente nos sistemas de execução orçamentária, esse tipo de emenda foi contestado por partidos de oposição junto ao STF e seu futuro depende agora de uma decisão do plenário da corte que deve sair até a meia-noite de amanhã. A votação no plenário virtual do Supremo ocorre sem sustentação oral pelos ministros.
VEJA MAIS: Ibovespa começa semana com cautela, de olho em Brasília e inflação
O fundamento da decisão provisória de Weber é que, ao não serem inscritas claramente nos sistemas de controle, as emendas do relator são negociadas informalmente entre o governo e parlamentares e, por isso, feririam pontos do artigo 37 da Constituição, que estabelecem que gastos públicos devem seguir os princípios da impessoalidade e da transparência.
A ministra suspendeu este tipo de gasto até que o governo divulgue detalhadamente os gastos em plataforma eletrônica no prazo de 30 dias.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), tem afirmado que a decisão da ministra Weber é uma interferência indevida do STF nos outros Poderes.
Na discussão da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental apresentada pelo PSOL ao STF, a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República foram contrárias à suspensão das emendas ao relator.
POR QUE ISSO É IMPORTANTE: A suspensão das emendas do relator ocorre no momento em que o governo tem apresentado dificuldades para aprovar sua agenda no Congresso.
A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) dos Precatórios, que muda o teto de gastos e parcela dívidas judiciais para abrir espaço fiscal para a criação do Auxílio Brasil, passou apertada em primeira votação na semana passada (314 votos favoráveis – só seis a mais do que o mínimo necessário). Ainda faltam uma segunda votação na Câmara e duas votações no Senado.
Veja mais: 5 fatos para entender a PEC dos Precatórios e o que vem pela frente
Reportagem do jornal “O Estado de S.Paulo” revelou o governo liberou R$ 429 milhões e R$ 480 milhões nos dias 28 e 29 de outubro, , véspera da votação da PEC dos Precatórios, respectivamente. O empenho é o jargão orçamentário que significa autorização para o gasto.
O QUE SÃO EMENDAS DO RELATOR: O Regimento Comum do Congresso Nacional prevê quatro modalidades de emendas parlamentares, classificadas conforme a sua autoria:
- Emendas de comissão: são de autoria das comissões permanentes no Congresso. Atendem a demandas de amplitude nacional e de interesse institucional.
- Emendas de bancada estadual: são de autoria das bancadas estaduais no Congresso. Visam à realização de obras e projetos estruturantes de importância estadual ou distrital.
- Emendas individuais: são de autoria dos congressistas em exercício. Destinam-se a viabilizar o atendimento pelos parlamentares das reivindicações de suas bases eleitorais, formuladas nos planos local ou municipal.
- Emendas de relator: são de autoria do relator-geral do projeto de lei orçamentária anual. Essa modalidade de emenda parlamentar tinha por objeto apenas a correção de erros e omissões de ordem técnica ou legal e a organização sistemática das despesas conforme suas finalidades.
O QUE MUDOU: Até 2006, os poderes do relator-geral do Orçamento eram bastante limitados; basicamente ele podia apenas fazer adequações técnicas à proposta de Lei Orçamentária Anual. Desde então, ele também passou a propor emendas destinadas ao atendimento das despesas previstas no parecer preliminar – uma peça elaborada pelo próprio relator-geral e submetida à aprovação da Comissão Mista de Orçamento.
O que mudou no governo Bolsonaro é que o parecer preliminar, antes restrito a poucas funções, sequer tinha dotação orçamentária própria. No exercício financeiro de 2020, a Lei Orçamentária Anual passou a contar com identificador de despesa próprio para as emendas do relator, que, inovando quanto a esse aspecto, instituiu o código de classificação orçamentária RP-9 (Receita Primária 9), por meio do qual são especificadas as dotações das emendas de relator.
Veja mais: Inflação ocupa lugar de destaque na agenda dos mercados
É neste momento que as emendas do relator mudam de figura: em vez de correções orçamentárias, elas ganharam um pedaço no Orçamento da União. É como se fosse um cartão de crédito com limite bilionário.
Diferentemente das emendas individuais ou de bancada, que identificam quem é o autor da emenda, valor destinado pelo governo e programação da despesa, as emendas ao relator espalham os recursos entram no orçamento dos ministérios e o governo realiza as despesas sob o indicador RP-9, sem registrar em nenhum sistema oficial quem é o autor de fato daquela emenda.
Isto é, o instrumento permitiria favorecer quem vota com o governo na hora de distribuir recursos do Orçamento – o que é inconstitucional, na visão de Rosa Weber, porque a Constituição prevê, no artigo 37, que os gastos públicos devem obedecer as princípios da impessoalidade e da transparência.
“O relator-geral do Orçamento figura apenas formalmente como autor da programação orçamentária sob o indicador RP 9. Na prática, quem detém, de fato, o poder de decidir quais serão o objeto e o destino final dos valores previstos nessa categoria são apenas os Deputados Federais e Senadores da República autorizados, por meio de acordos informais, a realizarem as indicações dos órgãos e entidades a serem contemplados com as dotações previstas naquela categoria de programação (emendas do relator)”, escreveu Rosa Weber, na decisão que suspendeu temporariamente a execução deste tipo de despesa.
Veja mais: Brasília em Off: O discurso por trás da venda da Petrobras
QUANTO CUSTAM AS EMENDAS DO RELATOR: No julgamento 014.922/2021-5 do Tribunal de Contas da União, o ministro Walton Alencar: dos R$ 151,33 bilhões em emendas do relator em 2020, 80% não tinham fonte orçamentária definida – isto é, eram apenas correções técnicas. Os 20% restantes (R$ 30,12 bilhões) dizem respeito a emendas RP-9.
“Apesar de constar do Parecer Preliminar, o perfil das emendas de 2020 suscita um exame mais detido, para que possam ser identificadas as possíveis causas de tão substancial mudança de padrão. Nota-se que, entre 2017 e 2019, a quantidade de emendas de relator-geral manteve a média de 3,0% em relação ao total de emendas apresentadas, em cada exercício, por tipo de autoria. Em 2020, foram apresentadas 1.621 emendas de relator-geral, quantitativo que representou 15,5% do total de emendas e superou, em 523%, as emendas desse tipo apresentadas no exercício anterior”, escreveu o ministro do TCU.
Entre 2017 e 2019, as emendas de relator somaram R$ 165,82 bilhões, o que representou, em média, 70,3% do total de emendas apresentadas. Em 2020, emendas totalizaram R$ 151,33 bilhões. O montante, 379% maior do que o verificado em 2019, representou 87,8% do volume global de emendas apresentadas ao projeto de Lei Orçamentária.
Leia também
Dívida brasileira está ficando mais cara e isso pode afetar percepção de risco