Bloomberg — A bordo do Manhattan II, um iate de 30 metros com paredes de vidro e painéis de mogno, um grupo de cientistas, engenheiros, políticos e um capitão de navio passaram uma manhã de luto pela morte de seus companheiros nova-iorquinos que se foram nas águas da enchente do furacão Ida.
O passeio de um dia marcou o nono aniversário da supertempestade Sandy, e todos a bordo estavam reunidos em torno de uma missão singular. Eles acham que uma série de portões - enormes portas de aço dispostas ao redor da cidade, que podem ser fechadas em caso de desastre - são a chave para proteger a região dos danos causados por tempestades desastrosas decorrentes das mudanças climáticas.
“Não subestime a destruição, o deslocamento e a tragédia humana que as mudanças climáticas e a elevação dos mares trarão nas próximas décadas”, disse Malcolm Bowman, professor de oceanografia da Universidade Estadual de Nova York, Stony Brook. Ele atua como presidente do Grupo de Trabalho contra Tempestades de Nova York e Nova Jersey, a organização que convocou o passeio de barco. O grupo inclui engenheiros, arquitetos, cientistas e urbanistas da região.
Viajando ao redor da ponta inferior de Manhattan, passando por Battery Park City, um navegante apontou que uma marca de maré baixa que ele tinha visto quando se mudou para Nova York estava agora coberta para sempre, mesmo quando a água estava em sua vazante mais baixa. Enquanto a esteira do barco atingia um metro de altura, outros se perguntavam como a Estátua da Liberdade e a Ilha Ellis, vistas à distância, seriam em 100 anos, se o nível do mar aumentasse na taxa esperada.
Será que um portão enorme pode realmente evitar um desastre? Esses tipos de barreiras contra tempestades têm se mostrado bem-sucedidas em outros lugares. Na Holanda, a Barreira Maeslant tem uma extensão quase tão longa quanto a altura da Torre Eiffel. Composta por duas barreiras de aço que abrem como braços, a construção da barreira custou US$ 635 milhões em 1997, o ano em que foi concluída. A barreira do Tâmisa, no Reino Unido, tem a altura de um prédio de cinco andares.
Há também uma barreira contra furacões no porto de New Bedford, em Massachusetts, que foi construída pelo Corpo de Engenheiros do Exército. “A abertura de 45 metros da barreira se fecha quando há furacões e tempestades costeiras e isso torna o porto um dos mais seguros da costa leste”, afirma orgulhosamente o site do Porto de New Bedford.
Os entusiastas do quebra-mar no Manhattan II esperam que barreiras semelhantes sejam construídas em quatro áreas ao redor da cidade de Nova York. O grupo de trabalho propôs construir três portões: no East River, em Jones Inlet e em East Rockway, além de um portão externo para o porto de Nova York. Os portões móveis de uma barreira marítima ficam abertos na maior parte do tempo. Quando os meteorologistas alertam sobre o mau tempo e a possibilidade de uma tempestade, os portões se fecham. A ideia é que, quando a onda começa, só será forte do outro lado do portão, protegendo o que está dentro das paredes.
“Portões marítimos regionais construídos como parte de um sistema de defesa em camadas oferecerão a melhor proteção contra tempestades costeiras e inundações causadas pela chuva”, disse Sandeep Mehrotra, um cientista ambiental da Hazen and Sawyer, uma empresa de engenharia de água, que estava a bordo do Manhattan II. Além de construir a barreira, o grupo está propondo dunas fortificadas, diques e a restauração de pântanos.
Um projeto dessa magnitude - o grupo de trabalho estima um custo entre US$ 30 e US$ 40 bilhões - exigiria a aprovação, o planejamento e o financiamento por parte do Corpo de Engenheiros do Exército, um braço de engenharia das forças armadas que supervisiona megaprojetos no litoral do país. Junto com parceiros estaduais e locais, o órgão publicou um relatório provisório sobre gestão de risco de tempestades costeiras na área de Nova York/Nova Jersey em fevereiro de 2019, que considerou a possibilidade de construir as barreiras.
O órgão havia feito uma estimativa do custo inicial das duas barreiras que o Grupo de Trabalho está interessado em construir de cerca de US$ 40 bilhões. A duração prevista da obra de um deles era de 25 anos. No relatório do Corpo de Engenheiros do Exército de 2019, os que se opuseram à proposta apontaram não apenas para o custo e o tempo, mas também para o risco ambiental, preocupações relacionadas à navegação e o receio de que a área dentro da parede iria inundar se a água não pudesse contornar a barreira.
Também existe a preocupação de que quando o projeto for concluído, pelo menos daqui duas décadas, as paredes já não sejam altas o suficiente para acomodar a rápida elevação do nível do mar. Mesmo uma solução cara pode estar longe de ser permanente, se o aumento das temperaturas não for controlado.
Apesar da oposição, o Corpo de Engenheiros do Exército continua estudando a melhor abordagem para preservar a cidade para as gerações futuras. O governo Trump suspendeu essa pesquisa, mas o estudo está novamente em andamento agora no mandato do presidente Joe Biden e deve ser concluído em 2024. O órgão não descartou totalmente a ideia dos portões marítimos, disse James D’Ambrosio, porta-voz da agência.
“Para um desafio dessa proporção, todas as opções precisam estar sobre a mesa”, disse Carrie Grassi, vice-diretora do Gabinete de Recuperação e Resiliência da Prefeitura de Nova York. “Estamos satisfeitos com a retomada do estudo e aguardamos a próxima fase de análise do órgão responsável.”
O Grupo de Trabalho trouxe mapas de enchentes para o passeio de iate. William Golden, vice-presidente do grupo, estava com os mapas ao seu redor olhando a paisagem à frente do navio, imaginando o que o futuro poderia trazer. “Se pudermos salvar a cidade de Nova York por mais 100 anos”, disse ele, “acho que vale a pena.”
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