Crise de fertilizantes eleva preços de alimentos no mundo todo

Preços globais dos alimentos subiram mais de 30% nos últimos 12 meses, na esteira dos efeitos da mudança climática que destroem safras e do impacto da pandemia

No Brasil, cerca de um terço dos cafeicultores não têm fertilizante suficiente
Por Elizabeth Elkin e Tatiana Freitas
03 de Novembro, 2021 | 02:26 PM

Bloomberg — Fertilizantes são tão vitais para o cafezal de Walter do Carmo Pádua Jr. que ele não consegue imaginar a produção dos grãos sem o insumo. Mas conseguir o produto nunca foi tão difícil em seus 20 anos como agricultor diante dos preços recordes dos fertilizantes, na mais recente ameaça à segurança alimentar.

Em Minas Gerais, centro de produção de café do maior exportador mundial, Pádua ainda espera a entrega de cerca da metade dos fertilizantes comprados há cinco meses. Depois de perder aproximadamente 40% da safra no ano passado devido à seca, sua fazenda foi atingida por geadas. Os cafeeiros foram muito afetados, e ele teme que a produção na próxima temporada seja ainda menor do que a anterior caso não receba os fertilizantes necessários.

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Colheita de café em fazenda em Guaxupé, Minas GeraisFotógrafa: Patricia Monteiro / Bloomberg

“Isso é comida para o café”, disse Pádua. “Tudo dá errado até mesmo quando usamos fertilizantes. Pode imaginar se eu não usar?”

Os problemas não poderiam ter surgido em pior momento para as cadeias de suprimentos agrícolas. Os preços globais dos alimentos subiram mais de 30% nos últimos 12 meses, para o maior nível em uma década, na esteira dos efeitos da mudança climática que destroem safras e do impacto da pandemia na produção. Ao mesmo tempo, cerca de um décimo da população mundial já não tem o que comer. Com a crise de fertilizantes, as principais culturas básicas - milho, arroz e trigo - estão ainda mais ameaçadas, elevando o subíndice Bloomberg Grains Spot em cerca de 4% no último mês.

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A culpada é a crise de energia.

Fertilizantes à base de nitrogênio, o nutriente mais importante das lavouras, são produzidos por meio de um processo que depende do gás natural ou carvão. A oferta desses combustíveis agora está muito apertada, obrigando fábricas de fertilizantes na Europa a reduzir a produção ou, em alguns casos, fechar. Além disso, a China limitou as exportações para garantir o abastecimento doméstico. Isso se soma às elevadas taxas de frete, aumento de tarifas e condições climáticas extremas, que causaram disrupção nas exportações globais.

É difícil mensurar a importância dos fertilizantes para o abastecimento alimentar. Até alimentos orgânicos usam esterco e outros nutrientes. Mas fertilizantes sintéticos são os que têm o maior peso na produção de alimentos.

Desde o início da fabricação de fertilizantes sintéticos há pouco mais de um século, a população mundial cresceu de cerca de 1,7 bilhão para aproximadamente 7,7 bilhões, em grande parte graças à enorme produtividade das safras. Alguns especialistas até estimaram que a população global corresponderia à metade do número atual sem o fertilizante de nitrogênio.

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Com os choques de oferta sem precedentes e preços recordes nos mercados de fertilizantes, a inflação de alimentos dispara no mundo todo.

Os futuros globais das commodities já refletem essa pressão. Os preços de referência do trigo subiram para o nível mais alto desde 2012, o café está perto da máxima dos últimos anos, e o milho também avançou.

  Alta dos fertilizantes eleva preço dos alimentos no mundo

No Brasil, cerca de um terço dos cafeicultores não têm fertilizante suficiente. Nos Estados Unidos, produtores pagam mais do que o dobro pelo milho em relação ao ano passado. Na Tailândia, alguns produtores de arroz estão pedindo ao governo que intervenha no mercado em alta.

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E dois dos maiores produtores de fertilizantes do mundo, Nutrien e Mosaic, já declararam acreditar na manutenção de preços elevados.

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“Os agricultores poderiam repassar o custo mais alto dos fertilizantes aos consumidores na forma de menor produção agrícola e subsequente alta nos preços dos alimentos”, disse Alexis Maxwell, analista da Green Markets, empresa controlada pela Bloomberg.

Café da América Latina

Cerca de 30% dos cafeicultores do Brasil não receberam os fertilizantes que encomendaram meses atrás, ou ainda pior, agora não encontram os suprimentos para comprar, de acordo com Regis Ricco, diretor da RR Consultoria Rural, de Minas Gerais. Isso pode resultar em perdas nos próximos dois anos. A ausência ou menor aplicação de fertilizantes pode prejudicar o enchimento de grãos na safra atual, enquanto o solo pode não ter nutrientes suficientes para garantir o desenvolvimento das plantas que darão frutos na safra 2023, disse.

No Peru, os embarques de ureia registram atraso de até três meses, e o preço do fertilizante triplicou para US$ 60 por saca de 50 quilos, disse Lorenzo Castillo, gerente-geral do Conselho Nacional de Café do país. Isso afetará a produtividade no próximo ano, porque os produtores não poderão comprar tanto quanto normalmente usariam, disse.

Para muitos cafeicultores da América Latina, os custos mais altos chegam quando moedas locais desvalorizadas encarecem a importação de insumos.

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