Por que as vitrines da Rolex estão vazias no Brasil?

Mercado de luxo: descasamento de oferta e demanda ocorreu porque fabricante reduziu produção enquanto demanda dos ricos brasileiros, impedidos de viajar na pandemia, disparou

Houve descasamento da oferta e demanda de relógio-símbolo de luxo: fabricante está produzindo mais e ricos, que não podiam viajar, estão comprando mais
31 de Outubro, 2021 | 06:50 PM

Bloomberg Línea — Ter um Rolex sempre foi um sonho distante para a maioria das pessoas no mundo. Contudo, uma demanda repentina pelos relógios, especialmente por modelos masculinos, aliada a uma oferta mais restrita em decorrência da pandemia tem gerado um fenômeno nada usual pouco usual no mercado: os espaços dedicados à marca nas vitrines de joalherias e boutiques têm ficado vazios a maior parte do tempo.

A empresa não comenta o assunto, mas alguns fatores explicam o fato inusitado. Afinal, ter R$ 46 mil para comprar um modelo de entrada da marca não significa necessariamente que você sairá da loja com um. Para modelos mais exclusivos como o Daytona, onde os valores superam facilmente os R$ 85 mil, a fila de espera pode superar 60 dias.

PUBLICIDADE

Um dos fatores que explica o desaparecimento dos Rolex das vitrines é a queda na produção. Segundo o CEO de uma importante joalheria do Brasil, que falou sob a condição de anonimato, há algum tempo a marca suíça já vem reduzindo sua produção para tornar seus produtos ainda mais exclusivos, restrito àqueles que realmente “merecem” usá-los.

Veja mais: Louis Vuitton desacelera vendas de artigo de luxo com retomada

A pandemia foi um catalisador desse processo. As restrições de circulação na Europa levaram a empresa a produzir menos, já que os relógios, montados a mão, e as peças essenciais são fabricadas pela própria Rolex, na Suíça. Segundo relatos, a fábrica que produzia até mil unidades por mês passou a entregar apenas 300.

PUBLICIDADE

Aumento da demanda

Curiosamente, a pandemia levou aqueles com condição de ter um Rolex a buscarem ainda mais os relógios da marca. Sem poder gastar com viagens, restaurantes, festas e outras situações rotineiras da vida dos mais ricos, 18 meses após o início da pandemia o resultado foi uma “sobra” de dinheiro, que acabou sendo direcionado para alguns itens de consumo, entre eles, os famosos relógios.

“Não era algo esperado, mas houve sim um descasamento entre a oferta e a demanda. De um lado, a Rolex já não quer aumentar sua produção. De outro, o consumidor percebeu o Rolex como um investimento”, afirma a empresária Manu Berger, especialista e consultora do mercado de luxo.

Vida real

A reportagem da Bloomberg Línea visitou algumas distribuidoras oficiais da marca em São Paulo e conversou com alguns vendedores. Em todos os casos a situação foi muito parecida. As vitrines estão vazias, os poucos modelos expostos são femininos e quando os estoques são reabastecidos, não duram mais do que dois dias nas lojas. Já os modelos mais exclusivos, quando chegam, são separados e destinados aos clientes que já estão na fila de espera.

PUBLICIDADE

Veja mais: Tokens não fungíveis superam relógios de luxo e carrões na nova ‘ostentação digital’

Estão fazendo de tudo para que apenas clientes fiéis tenham os relógios. Se você chegar para mim e dizer que tem 10 Rolex e quer um Daytona, vou dizer o que é possível conseguir, mas vamos ter que colocar seu nome na lista, criar um relacionamento para chegar até lá”, disse um dos vendedores.

Até um ano atrás, a restrição ao acesso ocorria para os modelos mais tradicionais como o Daytona. Segundo um dos vendedores, hoje essa “seleção” dos clientes já se aplica a praticamente todos os relógios da marca, principalmente por conta do mercado paralelo que se formou ao redor dos relógios de luxo.

PUBLICIDADE

Mercado paralelo

O mercado paralelo é um dos fatores que mais tem gerado incômodo à Rolex pelo mundo. Em vários sites que comercializam relógios de luxo é possível encontrar modelos com um sobrepreço superior a 80% sobre o valor de um distribuidor oficial. O modelo Datejuste 126200, por exemplo, que aparece por R$ 46 mil no site da Frattina é oferecido por R$ 83,35 mil na CronoExpert, uma plataforma espanhola com operação no Brasil, com entrega grátis de três a nove dias.

O Watch Price Trend, site que monitora o preço de relógios de luxo em todo o mundo, indica a valorização da maioria dos Rolex disponíveis para venda. De modo geral, os diferentes modelos da marca subiram de 9% a 10% no fim do ano passado, em comparação a 12 meses antes.

Em um caso ocorrido em São Paulo, um comprador tradicional da marca, adquiriu uma unidade, ficou alguns dias, mas acabou não se adaptando ao modelo. Resolveu colocar o relógio à venda e postou em um grupo de WhatsApp o anúncio, junto com uma foto da garantia onde constava o nome do vendedor. No grupo, um dos diretores da Rolex do Brasil estava presente. O resultado foi uma advertência ao vendedor, que não soube “selecionar” o cliente e o comprador que foi parar em uma lista de clientes indesejados da marca, por ter sido considerado pouco fiel.

Veja mais: Luxo: Ações do setor que dispararam na pandemia esfriam com reabertura

Reflexos na manutenção

Mesmo para quem já tem um Rolex, fazer a manutenção não tem sido um processo simples durante a pandemia. Um dos vendedores informou que tem sido orientado a não incentivar os clientes a deixarem os relógios para manutenção.

Hoje, o processo padrão tem sido receber o relógio para manutenção, que fica na loja por 120 dias até que a empresa autorizada na manutenção da marca faça a retirada. Com o relógio em mãos, o orçamento para o conserto sai em mais 30 dias que, se aprovado, leva ainda mais tempo para ser arrumado. Na prática, o relógio fica parado por quase seis meses apenas para se saber quanto vai custar para tê-lo funcionando novamente.

Leia também

5 empresas que anunciaram bons dividendos em meio à baixa da bolsa

Kassab: “É o voto útil que vai viabilizar a terceira via”

Dívida brasileira está ficando mais cara e isso pode afetar percepção de risco

Alexandre Inacio

Jornalista brasileiro, com mais de 20 anos de carreira, editor da Bloomberg Línea. Com passagens pela Gazeta Mercantil, Broadcast (Agência Estado) e Valor Econômico, também atuou como chefe de comunicação de multinacionais, órgãos públicos e como consultor de inteligência de mercado de commodities.