São Paulo — Gilberto Kassab sabe calcular derivada, entende de álgebra linear e é fluente em geometria analítica. Mas é na política que o engenheiro formado pela Politécnica da USP costuma resolver equações que o fazem ser consultado por políticos de esquerda e direita. Ex-prefeito de São Paulo, ministro de Dilma Rousseff e Michel Temer, Kassab preside o PSD – partido que ele mesmo criou em 2011.
Filiado à legenda nesta semana, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, é o nome para a inédita candidatura do PSD à Presidência da República. Ter uma candidatura própria do partido ao Planalto pode ajudar candidatos a deputado a se esgueirarem da polarização Bolsonaro-Lula em seus redutos e fazer do PSD uma legenda indispensável à governabilidade mais tarde. No cálculo de Kassab, o voto útil – essa tradição nacional – pode levar Pacheco ao segundo turno, mesmo com a chamada terceira via congestionada de postulantes.
Com bom trânsito no empresariado e na Faria Lima, Kassab é, ele próprio, muito especulado como eventual candidato a vice – o que ele descarta – ou senador. Seu futuro eleitoral está em aberto, enquanto ele ainda aguarda desfecho de uma ação resultante da Operação Lava Jato a que responde (a acusação é por corrupção passiva e caixa dois eleitoral – o que ele nega).
Nesta entrevista à Bloomberg Línea, ele critica a falta de articulação política do governo, que criou uma crise ao falar que romperia o teto de gastos e que agora parece nem sequer ter os votos suficientes para aprovar a mudança dentro da PEC dos Precatórios. Além disso, disse que cabe ao governo federal, e não à Petrobras, tomar providências para controlar a inflação no país. E falou sobre a boa relação que tem com Lula.
Os principais trechos estão a seguir:
Bloomberg Línea – O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, filiou-se ao PSD essa semana. A chamada terceira via já não ficou congestionada antes de existir?
Gilberto Kassab – Essa questão de congestionar ou não a terceira via é muito prematura. O PSDB ainda não decidiu a sua candidatura. O Rodrigo Pacheco acaba de se filiar, o que não deixar, é claro, de ser uma sinalização clara de que ele será presidente. Estamos caminhando para cinco ou seis candidaturas importantes no cenário do ano que vem. O ex-presidente Lula e o presidente Bolsonaro, o Rodrigo Pacheco, o Ciro Gomes e o João Doria ou Eduardo Leite. Cinco candidaturas num universo de 135 milhões de eleitores, ressalvando-se ainda o Sergio Moro, porque eu não vi ainda ele afirmar se é candidato ou não. Cinco candidaturas é algo bastante razoável. Nos próximos meses, o eleitor vai avaliando as candidaturas e vai se decidindo pelo voto útil, que é uma tradição aqui no Brasil. O eleitor tem a sua preferência, mas ele também rejeita muito aquele que pode ganhar as eleições. E, no meio do caminho, ele fala “bom, eu prefiro esse, mas aquele tem mais chance de ganhar daquele que eu rejeito”. Eu acredito muito que a terceira via vai ganhar as eleições. Vejo nos próximos meses um desgaste do presidente continuando, o ex-presidente Lula, quando começar a campanha, também vai enfrentar um desgaste. Até porque, hoje, 50% dos eleitores não querem nem um nem outro. Nem extrema-esquerda, nem extrema-direita, o que é uma sinalização forte se abrindo para a terceira via.
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A candidatura própria do PSD ajuda a aumentar o tamanho da bancada do partido no Congresso?
A bancada do PSD cresce por ser uma candidatura de muita qualidade. Uma candidatura ruim, a bancada tem dificuldade. O que dá visibilidade pro partido é a candidatura majoritária. No momento em que o partido tem uma candidatura a presidente da República, ela expõe o que é o partido e o programa e isso cola nos candidatos a deputado federal e deputado estadual. Independente da questão eleitoral, é uma candidatura que vai se apresentar muito bem, ele tem muito conteúdo, ele representa esse sentimento de renovação e preparo – em especial num momento em que há um governo que não tem essa formação, o savoir faire de governar. O Rodrigo Pacheco é alguém muito preparado com esse espírito de conciliação, para pacificar e unir o país, e com capacidade de montar um bom governo.
Na semana passada, o governo sofreu um desgaste forte por propor a mudança do teto fiscal dentro da PEC dos Precatórios para pagar o Auxílio Brasil. Agora, parece que a base nem sequer tem os votos na Câmara para passar a PEC. Do ponto de vista da articulação política, o que está errado?
O governo está errando em tudo. Primeiro é que, num orçamento na casa dos trilhões, já que é uma prioridade – e eu entendo que é uma prioridade o auxílio emergencial, o Bolsa Família num momento de pandemia, ainda que esteja encerrando. É uma prioridade para o país, eu defendo esse auxílio.
No formato de R$ 400 por família?
Eu defendo. Agora, se é importante, vamos deixar claro e colocar na prateleira da prioridade absoluta para o país, vamos voltar ao orçamento na casa dos trilhões e ver onde corta. E não vir com esse discurso do fura-teto. O teto é muito importante para o país, é a nossa imagem, aqui dentro e fora, da responsabilidade fiscal. Um governo tem que saber zelar por essa imagem para que o investidor – que é quem gera emprego, quem gera desenvolvimento – possa ter a segurança de continuar aqui. Ou vir pra cá. O governo não enxerga isso nem tem capacidade de articulação política. A relação dele com o Congresso é em emenda, não é em conceitos. Isso aí dificulta a vida. Essa é a razão pela qual o governo tem tanta dificuldade. Ficou claro que a opinião pública, em especial os formadores de opinião, não aceita furar o teto. Ficou claro isso. E o formador de opinião, quando vê que um projeto não é aprovado rapidamente, passa a ter muita ascendência sobre os parlamentares. O formador de opinião é importante no Congresso Nacional.
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Quando o sr. cita formador de opinião, o senhor está se referindo a quem especificamente?
Meios de comunicação, os empreendedores, os profissionais liberais. São pessoas que sabem que, para continuar contribuindo com o país, o país precisa ter uma boa imagem. O governo precisa zelar pela responsabilidade fiscal. Isso não está acontecendo.
O senador Ciro Nogueira foi para a Casa Civil com a missão de melhorar a articulação do governo na Casa. Mas o governo não conseguiu passar a reforma do imposto de renda, que está parada, e a CPI terminou com pedido de indiciamento do presidente.
Os senadores têm muito mais experiência, muitos deles já foram governadores, prefeitos, exerceram vários mandatos como deputados federais ou estaduais. Então eles têm uma tendência de analisar com muito mais calma qualquer que seja o projeto. São menos sujeitos a pressões do governo e da sociedade. Quando você tem um projeto que não atende a ninguém esse, do imposto de renda por exemplo. O que eu percebo é que é um projeto que veio sem atender ninguém. Veio pra confundir, desorganizar a economia. No primeiro momento, governo disse que não ia aumentar a arrecadação. Então para que fazê-lo? Depois veio com discurso que ia aumentar a carga tributária para alguns setores e diminuir para outros. A cada semana tinha um argumento. Isso foi fazendo com que, a cada semana, o projeto perdesse credibilidade. Chegou no Senado e hoje os senadores estão com muita dificuldade de ver algo em positivo no projeto. Eu acredito que realmente esse projeto já foi para a prateleira do esquecimento, sem querer aqui fazer qualquer interferência porque senadores estão avaliando. Mas acho que acertadamente não vão aprovar.
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A atual política econômica tem credibilidade para o senhor depois desse episódio com o teto?
[Balança a cabeça fazendo que não.]
E o ministro Paulo Guedes?
[Pausa] Eu não quero fazer qualquer agressão contra o ministro Paulo Guedes. Eu tenho respeito por ele, tenho estima, mas ele não vai bem, o governo não vai bem. Um governo que deixa a inflação voltar para 10% não vai bem na economia. Isso é na média. Para as classes C, D e E, ela chega perto de 25%. Para o cidadão mais pobre, que ganhava mil reais em janeiro, hoje o salário dele vale R$ 750. A inflação para ele é de quase 25% porque ele terá muita dificuldade de consumir a mesma quantidade de arroz, feijão, carne, de consumir a mesma quantidade de combustíveis. Então, é evidente que a economia não está sendo bem conduzida.
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A Petrobras está certa de seguir a política de paridade de preços que foi estabelecida no governo Temer, do qual o senhor participou? Ou está errando na mão? Qual a visão que o senhor tem sobre a Petrobras hoje, inclusive por causa do tamanho dela na economia?
A Petrobras está correta. O governo está errado. Problema do preço de combustível é do governo, não é da Petrobras. A Petrobras tem uma política pública, que ela está seguindo, ela tem seus investidores, tem seus compromissos com a institucionalidade. Governo tem obrigação de encontrar uma saída para o preço dos combustíveis, para atender o consumidor. E o governo não faz nada, a verdade é essa. Precisa fazer. Ainda agora o Confaz decidiu congelar o ICMS por 90 dias. Ótimo, parabéns para o Confaz, quer dizer, os governadores porque o Confaz representa os governos estaduais. Portanto, de parabéns os governadores, que fizeram esse gesto com legitimidade. Não foi uma interferência. Mas o governo federal precisa fazer algo, mas está inerte.
O que o senhor acha então que deveria ser feito?
Sem nenhuma interferência na política de preços da Petrobras, o governo precisa encontrar uma fórmula, um fundo, um meio de financiamento para dar estabilidade, em especial no diesel, por causa dos transportadores, dos caminhoneiros e das empresas de transporte, que estão no vermelho. É incompreensível não ver o governo fazendo algo para ajudar quem faz frete.
E há uma expectativa se vai ou não haver uma nova greve de caminhoneiros agora.
Sim, mas essa expectativa já existe há algumas semanas. Então pergunto eu a você: o que concretamente o governo fez? [Pausa] Eu te respondo: nada.
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Sobre o Sete de Setembro, o sr. foi um crítico dos discursos do presidente em que ele disse que não cumpririam decisões do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Depois o presidente mudou de tom. Isso ficou para trás ou o sr. acredita que ainda pode haver episódios de crise entre os Poderes?
Manifestações do presidente foram muito ruins, atentaram contra a democracia, dizendo que não ia atender o Judiciário. Naquele momento, nosso partido e eu mesmo nos manifestamos pelo impeachment. O presidente voltou atrás e não desautorizou, não deixou de cumprir decisão judicial. Foi um momento muito ruim para o país, que foi superado graças à sociedade civil, à imprensa, ao Judiciário, ao Congresso.
Como o sr. analisa a situação do ministro Fábio Faria, que é do PSD e é ministro do atual governo?
Na posse, tanto ele como o presidente Bolsonaro deixaram bem claro que era um convite pessoal. Tenho o Fábio como amigo. Desejo sorte à sua gestão, não só à dele, mas a de todo governo. O Fábio sabe que o PSD não vai acompanhar o presidente Bolsonaro na próxima eleição e vai para outro partido. Não há nenhum estresse da nossa relação com ele, nenhuma incompreensão.
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O senhor conversou com o ex-presidente Lula neste mês aí em Brasília. Do que trataram?
Nos últimos três meses, tive duas conversas com o presidente Lula. Ele nos convidou para um café, as duas vezes aqui em Brasília. As duas conversas foram tranquilas. Ele ficou convencido que nas duas conversas de que não caminharemos com ele, que o partido não caminhará com ele. Foi muito mais uma análise política, econômica, conjuntural do país. Lógico, para quem sabe entender e compreender a política, foi um gesto para quem quer deixar as portas abertas para um entendimento no futuro. Claro, ele é candidato, acha que vai se eleger, se não achasse, não seria candidato, acha que vai pro segundo turno e quis deixar pontes com partidos com quem ele acha que pode ter alguma relação. Por outro lado, o PSD também tem seu candidato. Acho que vamos ganhar a eleição, que vamos para o segundo turno. Não se trata de uma rendição para nenhum dos lados, é uma questão apenas de ter um bom diálogo.
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