Bloomberg — Tudo começou com algumas dúzias de sopas distribuídas aos mais necessitados de São Paulo. Vinte meses após o surgimento do primeiro caso de coronavírus, uma fila de centenas de pessoas se forma todas as manhãs do lado de fora do escritório de Robin Mendonça, no centro da cidade, à espera de um prato de comida. Agora, a fila já dobra o quarteirão.
“Começamos a atender 30, depois mil e agora 1400 pessoas por dia”, diz Mendonça, presidente do Movimento Estadual pela População de Rua (MEPSR) em São Paulo. “E o número parece aumentar a cada dia.”
A Covid está desaparecendo das maiores cidades do Brasil, mas a fome não só persiste, como aumenta. Em São Paulo, a maior cidade da América Latina, o MEPSR estima que o número de pessoas que não podem pagar por uma moradia agora totaliza mais de 66 mil, quase o triplo do valor do censo mais recente, realizado em 2019. No Rio de Janeiro há mais de 14 mil, quase o dobro da última contagem oficial do ano passado.
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Um porta-voz da prefeitura do Rio de Janeiro se recusou a comentar os dados não oficiais, enquanto a prefeitura de São Paulo disse que atualmente está realizando um censo dos desabrigados. Mas as cicatrizes econômicas do vírus estão escancaradas, enquanto milhões de brasileiros tentam retornar algo similar às suas vidas pré-pandêmicas.
Em São Paulo, não é difícil encontrar tendas e abrigos improvisados pelas calçadas, abrigando famílias inteiras, além de filas quilométricas na porta de igrejas e associações, com pessoas à espera do que pode ser a única refeição do dia.
No Rio de Janeiro, a espera por uma vaga em um hotel que virou abrigo para pessoas em situação de rua, chamado Hotel Acolhedor , começa logo pela manhã.
“Você tem até as 15h para garantir uma cama, senão é voltar para a rua”, disse Almir da Silva Júnior, que trabalhou por 25 anos como pedreiro e foi demitido há três meses. Ele e a esposa deixaram a filha com os avós no subúrbio da cidade e optaram por viver no centro da cidade, seja na rua ou em abrigos.
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“O canteiro de obras fechou e eu fiquei desesperado”, diz Almir. Ele explica que, ao se abrigar na região central da cidade, as chances de conseguir um emprego ou até mesmo um prato de comida, aumentam. “Com alguma sorte, em breve não estarei mais aqui.”
A vacinação tem avançado no país de forma consistente, mas a inflação na casa dos dois dígitos tem corroído os ganhos que o Brasil obteve depois de se recuperar do colapso econômico do ano passado.
O presidente Jair Bolsonaro, que minimizou os riscos do vírus desde o início do surto, inicialmente forneceu bilhões de reais em auxílio emergencial às pessoas em maior situação de vulnerabilidade. Mas o auxílio foi reduzido e deve expirar no final deste mês.
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Bolsonaro agora promete expandir as transferências de dinheiro para os mais vulneráveis antes das eleições do próximo ano. Não há dúvidas sobre tal necessidade, mas os economistas temem que mais gastos públicos possam aumentar o rombo econômico que assola a economia do país.
“O dinheiro não dura”, diz Andreina Santos da Silva, de 21 anos, que se hospeda atualmente no abrigo carioca. Ela e o marido deixaram sua casa nos arredores de Manaus há seis meses, enquanto trabalhavam para uma empresa de mudanças que os trouxe para Fortaleza, onde o dono se recusou a pagar seus salários.
O casal tentou arranjar empregos temporários em cidades do litoral nordestino, antes de iniciarem uma jornada até o Rio de Janeiro, na esperança de alguma possibilidade de trabalho. Ao chegarem no Rio, dormiram na praia três dias antes de ouvirem falar do Hotel Acolhedor.
“É aqui que vamos começar de novo. É aqui que vamos alugar um quarto só nosso para o recomeço”, disse.
(Com a colaboração de Luana Reis.)
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