São Paulo — Ex-ministro da Fazenda do governo FHC (1995-2002), Pedro Malan demonstrou ceticismo quanto às chances de aprovação de uma reforma fiscal que corrija distorções e, ao mesmo tempo, ajude a simplificar o sistema tributário. Para ele, o tema será decidido pelo próximo governo, a ser escolhido numa eleição em que combate à desigualdade social e responsabilidade fiscal serão os grandes temas.
“Não tenho a menor dúvida que isso terá que ser feito. Acho pouco provável que seja feito no apagar das luzes deste governo. Uma reforma com essas características. É inexorável que tenhamos que fazê-la. Não é uma coisa fácil, não é uma coisa simples”, respondeu o ex-ministro em um debate com a economista Zeina Latif, no Veirano Next, promovido pelo escritório Veirano Advogados.
E continuou: “Há ganhadores e perdedores. Há que combinar interesses do governo federal, dos governos estaduais e dos governos municipais e diferentes setores da economia.”
Desde 2009, o ex-ministro é presidente do Conselho Consultivo Internacional do Itaú Unibanco e é professor do Departamento de Economia da PUC-Rio.
Veja mais: Proposta que altera teto avança na Câmara após disparada do dólar e juros
A Câmara de Deputados aprovou uma reforma que aumenta a base de isenção do imposto de renda para os que ganham menos e a tributação de dividendos para pagar o novo programa social que sucederá o Bolsa Família.
Diante das dificuldades de aprovação da proposta no Senado, o governo federal depende agora da PEC dos Precatórios, ainda não votada no plenário da Câmara. A emenda constitucional propõe parcelar precatórios, as dívidas judiciais do governo, e alterar a regra do teto de gastos para criar espaço extra no orçamento para pagar o novo Auxílio Brasil e as emendas do relator – uma inovação na distribuição de recursos a parlamentares.
Malan afirma que houve avanço com as propostas já apresentadas de reforma tributária na Câmara e no Senado, mas enfatizou o ceticismo de aprovar uma reforma mais abrangente em fim de mandato.
Veja mais: Auxílio fora do teto contraria responsabilidade fiscal, diz diretor da IFI
“A minha opinião, lamento dizer isso, é pouco provável conseguir algo com essas características ainda nos próximos meses. É uma tarefa a que o próximo governo terá que se dedicar com absoluta prioridade e, para que possa fazê-lo, é necessário começar a trabalhar muito antes”, afirmou.
Terceira via
Pedro Malan afirmou que o grande tema da eleição do próximo ano deverá ser o do combate à desigualdade social, compatível com a manutenção da estabilidade macroeconômica do país.
“O tema maior vai ser como lidar com o problema da desigualdade no Brasil e mostrar que é possível fazê-lo sem comprometer o crescimento futuro da economia. Sem promessas fadadas a serem descumpridas. Uma discussão realista”, defendeu.
Veja mais: Em debate, Doria e Leite dizem que erraram ao apoiar Bolsonaro em 2018
Segundo ele, há tempo e condições para o surgimento de um candidato de terceira via, competitivo, para chegar ao segundo turno contra Jair Bolsonaro ou Lula.
“Espero que surjam um ou mais candidatos que sejam competitivos, críveis, que possam disputar com êxito a eleição do ano que vem. Esse quadro não está claro agora, mas ficará claro à medida que nós avancemos em 2021. Nós teremos, sim, alternativas que possam chegar a disputar o segundo turno no ano que vem”, afirmou.
“Isso seria uma coisa positiva no país no sentido que seja tratada uma visão que procure avançar mais nessa questão da combinação de ter reformas de estabilidade macroeconômica e superar um equívoco enorme que nós tivemos que lidar desde sempre de que a responsabilidade fiscal é incompatível com a responsabilidade social. Isso é uma mentira. Pelo contrário, é perfeitamente possível compatibilizar responsabilidade fiscal com a responsabilidade social”.
Veja mais: Lula adota tom conciliador e foco na economia para criticar Bolsonaro
A economista Zeina Latif, que dirige uma firma de consultoria, disse que é pouco provável “que se repita o erro de 2018, quando houve uma pulverização muito grande do chamado centro democrático e acabamos tendo uma eleição polarizada.”
Segundo ela, o eleitor brasileiro médio – “o que melhor representa o país” – é avesso a extremos.
China
No evento, Malan também afirmou não acreditar que o risco de insolvência da construtora chinesa Evergrande evolua para uma crise global, porque o governo chinês tem instrumentos suficientes para lidar com o problema.
“Não acredito em possibilidade de colapso de uma economia com as características da economia chinesa. No caso da Evergrande, 300 bilhões de dólares de dívida é dinheiro em qualquer parte do mundo, mas só 100 bilhões de dólares é que são com bancos, segundo o presidente do BC da China. É conhecido o poder que tem o Estado chinês de lidar com essa questão, se for necessário fazê-lo”, analisou.
Veja mais: China diz a fundador da Evergrande para pagar dívida com fortuna
Ao descartar um cenário de colapso da economia chinesa, ex-ministro afirmou que o Brasil, no entanto, tende a ser afetado com a desaceleração do ritmo de crescimento chinês – que deve ficar na casa dos 5%, 6% ao ano, bem abaixo do tempo em que crescia a dois dígitos.
“Como isso afeta o Brasil? Assim como o crescimento de 10%, 12% foi um enormemente benéfico para o Brasil em termos de volume de exportações, uma desaceleração tem o efeito de potencialmente reduzir a velocidade desse tipo de exportações brasileiras. Mas não vejo grande efeitos na economia brasileira. Nós somos extraordinariamente competitivos no agronegócio. É o nosso maior parceiro comercial, eles têm uma presença de investimento aqui, têm interesse em várias áreas. 5G aqui é um exemplo”, disse.
Veja mais: China diz que riscos relacionados à Evergrande são controláveis
Na mesma resposta sobre a China, o ex-ministro lamentou as críticas feitas pelo presidente e seus filhos ao principal destino das exportações brasileiras.
“Eu lamentei profundamente que nós tivéssemos comprado brigas totalmente desnecessárias com o governo chinês no período recente porque é um parceiro comercial importante e nós temos que manter tradição da política do Itamaraty, que é ter excelentes relações com todos os nossos parceiros internacionais, independentemente de outras ordens de consideração político-ideológica”, disse.
Leia também
Dívida brasileira está ficando mais cara e isso pode afetar percepção de risco
Os faria limers estão voltando aos escritórios com o aluguel mais caro