Bloomberg — O Facebook tem se esforçado para atrair usuários mais jovens há mais de uma década, e alguns funcionários mais antigos estão impressionados com a incapacidade da empresa de manter os adolescentes engajados. Quando questionados por analistas sobre as perspectivas de crescimento, os executivos do Facebook costumam pintar um quadro mais otimista do que o retratado por pesquisas internas, alega um delator.
Essas são apenas algumas das descobertas descritas em um conjunto de revelações feitas à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, a SEC, por Frances Haugen, uma ex-gerente de produtos do Facebook, e enviadas ao Congresso por seu advogado, com edições de dados sigilosos.
Um consórcio de 17 agências de notícias dos EUA, incluindo a Bloomberg, obteve a versão editada dos textos recebidos pelo Congresso.
Os documentos oferecem uma visão rara e vívida de como o Facebook, sob a orientação do CEO, Mark Zuckerberg, criou um gigante da mídia social do Vale do Silício que - embora publique frequentemente vendas extravagantes e elevados lucros - não foi capaz de cumprir sua missão de oferecer aos usuários as ferramentas necessárias para construir uma comunidade e aproximar mais o mundo.
Em sua própria defesa, o Facebook aponta para:
- novos produtos e serviços que está desenvolvendo para atrair usuários mais jovens;
- observa que o discurso de ódio representa bem menos de 1% do conteúdo geral em sua plataforma e está em declínio;
- diz que usa pesquisas, testes hipotéticos e outros métodos para analisar a maneira que recomenda conteúdos e melhorar os esforços para conter a disseminação de conteúdo prejudicial.
O Facebook também afirma que divulgou corretamente dados sobre crescimento e que os documentos que Haugen compartilhou com a SEC representam uma “seleção com curadoria” que “não pode de forma alguma ser usada para tirar conclusões justas sobre nós”.
Piora clima entre funcionários
Mesmo assim, os erros da empresa estão começando a cobrar seu preço. Os documentos relatam a piora do clima entre alguns funcionários e divergências sobre a melhor maneira de combater o conteúdo ruim. As ações do Facebook tiveram uma queda maior que 10% desde que o Wall Street Journal começou a publicar matérias com base nos documentos da denunciante; e legisladores, já avaliando a legislação que poderia favorecer o Facebook, estão pedindo uma supervisão ainda mais rigorosa.
Outras percepções a partir dos documentos, de pesquisadores e de pessoas familiarizadas com o Facebook, incluindo funcionários atuais e ex-funcionários:
- Os executivos do Facebook há muito tempo já sabiam que o problema do discurso de ódio da plataforma era maior e mais arraigado do que a empresa divulga. Embora o Facebook priorize a erradicação da violência e do conteúdo odioso em países ocidentais de língua inglesa, ele negligencia as regiões em desenvolvimento que são mais vulneráveis aos danos do mundo real causados pela negatividade nas redes sociais.
- Uma equipe do Facebook encarregada de conter o fluxo de postagens prejudiciais foi prejudicada pela falta de pessoal, pelos limites impostos ao desenvolvimento de seu produto e pelo algoritmo de engajamento da plataforma que muitas vezes acaba promovendo conteúdo que pode ser falso e desagregador.
- A equipe do Facebook que estuda a desinformação concluiu que os principais produtos da rede social contribuem para a disseminação de material prejudicial, e os esforços da própria empresa para reprimir a desinformação às vezes são prejudicados por considerações políticas.
- Em 2019, o Facebook criou uma conta de teste na Índia para determinar como suas ferramentas afetam as pessoas em seu mercado mais importante; em três semanas, a conta do usuário fictício se transformou em um turbilhão de notícias falsas e imagens incendiárias.
- A própria equipe do Facebook, incluindo pesquisadores internos, culpou a empresa por não impedir a proliferação de grupos que fomentaram a violência em 6 de janeiro.
Abaixo uma lista seleta de tópicos do The Facebook Papers de outras publicações:
- O onipresente botão “Curtir” e a capacidade de compartilhar postagens tornaram-se essenciais para a identidade do Facebook. Mas documentos internos mostram que a empresa está tendo dificuldade em lidar com os efeitos dessas ferramentas, incluindo a amplificação do discurso de ódio e desinformação, relatou o New York Times.
- O CEO Mark Zuckerberg concordou pessoalmente em cumprir as exigências do Partido Comunista do Vietnã de censurar dissidentes antigovernamentais ou senão correria o risco de ser derrubado no país, um dos mercados asiáticos mais lucrativos do Facebook, segundo o Washington Post.
- O Facebook tem um sistema de camadas para classificar países que recebem proteção extra durante as eleições, como os EUA, a Índia e o Brasil, que são priorizados, enquanto outros recebem pouca proteção, a menos que o material seja trazido a atenção por parte de moderadores de conteúdo, relatou o The Verge.
- Os documentos vazados do Facebook oferecem um tesouro de insights sobre a guerra antitruste de Washington contra a empresa, de acordo com o site Politico. Os documentos mostram em detalhes granulares que o Facebook sabe que domina as arenas que considera centrais para a sua fortuna - contradizendo as próprias afirmações públicas da empresa e fornecendo material em potencial para autoridades antitruste e legisladores, que têm examinado o domínio do Facebook sobre o mercado.
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