CPI acusa Bolsonaro de crimes contra a humanidade

Apesar da retirada das acusações de homicídio e genocídio do relatório final, presidente pode ser indiciado por outras infrações

Relatório da CPI traz diversas acusações, como charlatanismo e prevaricação
Por Simone Preissler Iglesias
20 de Outubro, 2021 | 01:49 PM

Bloomberg — Os senadores afirmaram que Jair Bolsonaro deve ser indiciado por nove crimes, incluindo charlatanismo, prevaricação e crimes contra a humanidade no relatório final da CPI que investigou o manejo da pandemia pelo governo e que provavelmente não afetará o destino político do presidente no futuro próximo.

A comissão apresentou o relatório final nesta quarta-feira (20) após seis meses de audiências e discussões acaloradas, que incluíram o depoimento dos quatro ministros da Saúde que passaram pelo cargo desde o início da pandemia, aliados e inimigos de Bolsonaro, empresas que pressionaram por tratamentos iniciais não comprovados e pacientes que tiveram Covid.

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Bolsonaro é amplamente responsabilizado pelo manejo errático da pandemia pelo Brasil, subestimando-a como apenas uma gripe, evitando máscaras e vacinas e encorajando seus apoiadores a ignorar as restrições impostas por estados e cidades para deter a propagação do vírus. O Brasil soma mais de 600 mil mortos pela doença, atrás apenas dos Estados Unidos, e mais de 21 milhões de casos.

O relatório final acusa o presidente de trabalhar contra as evidências científicas, agindo com “óbvio desprezo” pela vida das pessoas, como evidenciado na “demora deliberada” na compra de vacinas, e também diz que Bolsonaro trabalhou “intensamente” para divulgar notícias falsas sobre a pandemia.

“Com esse comportamento, o governo, que tinha o dever legal de agir, compactuou com a morte de milhões de brasileiros”, disse um trecho do documento apresentado pelo senador Renan Calheiros, relator da investigação. “O governo Bolsonaro inquestionavelmente prejudicou a saúde pública”.

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A CPI também sugeriu acusar 67 outras pessoas e empresas, incluindo atuais e ex-ministros, médicos que prescreveram medicamentos ineficazes e três dos filhos de Bolsonaro – o senador Flávio, o deputado Eduardo e o vereador Carlos – por incentivar crimes por meio da disseminação de notícias falsas.

Filhos do presidente também podem ser indiciados pela disseminação de notícias falsas

Os senadores ainda precisam votar o relatório, o que deve acontecer na próxima terça-feira (26). O Senado não pode propor ações judiciais formais contra Bolsonaro, mas sim sugerir acusações ao procurador-geral Augusto Aras. Aras, nomeado pelo presidente, pode então decidir se segue ou desiste das acusações.

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Uma investigação dos casos poderia levar a um pedido de impeachment, embora isso seja considerado altamente improvável – o presidente da Câmara Arthur Lira, o único responsável por iniciar tais procedimentos, é aliado de Bolsonaro e ignora dezenas de pedidos há meses.

“Sabemos que não temos culpa de absolutamente nada”, disse Bolsonaro durante discurso em Russas, cidade no estado do Ceará. “Esta investigação tomou o tempo do ministro da Saúde, de empresários e funcionários públicos e não produziu nada além de ódio e rancor”.

O relatório deveria acusar Bolsonaro de crimes mais graves, incluindo homicídio por omissão. As acusações foram retiradas de última hora em meio a uma intensa reação dos senadores que fez o relator reconsiderar sua inclusão.

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Bolsonaro, um dos únicos líderes globais que se recusou a ser vacinado, intensificou seu estilo de confrontação durante a pandemia. À medida que as mortes e os casos se acumulavam, ele frequentemente fazia manchetes com comentários como “todo mundo morre, o que você quer que eu faça?” e “brasileiro pula no esgoto e não acontece nada”. Ele promoveu medicamentos sem eficácia comprovada, incluindo hidroxicloroquina e ivermectina, como uma solução para a doença, enquanto lançava dúvidas sobre vacinas e dados do governo e derrubava decretos de lockdown.

No início de sua investigação, o Senado notou o atraso do governo na aquisição de vacinas, o que levou a um início lento e tardio das imunizações na maior economia da América Latina. A investigação revelou que o governo Bolsonaro havia ignorado repetidas ofertas da Pfizer para a compra de vacinas em 2020. As acusações de suposta corrupção nos contratos de vacinas também foram investigadas.

Desde então, os esforços de imunização aumentaram. O Brasil já tem mais de 74% de sua população vacinada com pelo menos uma dose – índice bem acima das taxas observadas nos Estados Unidos e na União Europeia. Como resultado, o número de casos e óbitos despencou mesmo com a reabertura da economia.

74% da população tomou ao menos uma dose

Bolsonaro, que deve se candidatar à reeleição no ano que vem, viu sua popularidade cair em níveis recordes em meio à pandemia e suas consequências econômicas subjacentes. A inflação que ultrapassou os 10% em meio ao aumento dos preços dos alimentos e combustíveis corroeu ainda mais sua aprovação, e o líder está atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu principal rival político, na maioria das pesquisas eleitorais realizadas até o momento.

Nas CPIs brasileiras, “tudo ou nada pode acontecer”, disse Antônio Carlos de Almeida Castro, advogado criminal que trabalhou por anos para dezenas de políticos investigados. Nesse caso, disse ele, as pessoas ficarão frustradas se nada acontecer – o que ele acha que vai ocorrer.

“O presidente da Câmara não precisa levar o impeachment à votação, e o procurador-geral não tem obrigação de aceitar as acusações”, disse. “As acusações estarão nas mãos de duas pessoas com poderes imperiais que podem simplesmente não fazer nada.”

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