Os faria limers estão voltando aos escritórios com o aluguel mais caro

Avanço na vacinação dá tração a locações nos prédios AAA, que se descolam da realidade imobiliária do resto de São Paulo. Os escritórios já não são como eram antes

Birmann 32
17 de Outubro, 2021 | 05:23 PM

São Paulo — O Birmann 32 é um colosso de aço e vidro insulado de 125 metros de altura, na esquina da Faria Lima com a rua Leopoldo Couto de Magalhães. O B32 tem 57 mil metros quadrados para locação, em 25 pavimentos. O prédio corporativo, considerado o mais moderno de São Paulo, foi projetado pelo arquiteto chinês Chien Chung Pei, ou Didi Pei, do escritório Pei Partnership Architects (Didi é filho de I.M.Pei e trabalhou com o pai nos projetos da pirâmide de vidro do Louvre, em Paris, e da ala leste da National Gallery of Art, em Washington). Diferente de outros edifícios na Faria Lima isolados urbanisticamente, o Birmann 32 é voltado para o entorno, com uma praça e teatro abertos ao público. Foi entregue em julho do ano passado, quando ainda não havia vacina à vista.

“Houve, é claro, um pouco de apreensão se alguns dos contratos podiam não ser concluídos por causa de toda a incerteza quanto à pandemia, mas isso não aconteceu. Fomos muito bem recebidos”, contou Rafael Birmann, o incorporador que levantou o B-32, em entrevista à Bloomberg Línea.

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No mercado estima-se que o prédio tenha mobilizado R$ 1,2 bilhão em capital para ser erguido. Dos 25 andares, há apenas um ainda disponível para a locação (preço: R$ 235/m²) e o maior ocupante é o Facebook, com quase metade das lajes locáveis.

Na praça do B-32, está em construção a estátua de uma baleia de metal (em tamanho natural) – metáfora a Jonas, personagem caro às tradições judaica e cristã por ter sido engolido por uma baleia e, depois, renascido para uma nova vida. De certa maneira, a baleia do B-32 é uma metáfora que serve também ao mercado imobiliário da Faria Lima. Depois de ter sido engolido por uma crise que esvaziou escritórios na pandemia, a reocupação dos espaços vem acontecendo à medida em que o ritmo da vacinação se acelera. Depois da marca de 100 milhões de brasileiros vacinados, gestores de ativos imobiliários da região vêm duas métricas se recuperarem: a vacância está caindo e os preços de locação, subindo.

Geograficamente, a região da Faria Lima é um retângulo de cerca de 450 mil metros quadrados, entre a avenida 9 de Julho e a rua Elvira, depois da JK. Neste espaço, equivale a um terço da área do Ibirapuera, estão 26 empreendimentos de alto padrão com pouco mais de 465 mil m² e a nata do capitalismo brasileiro.

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No ano passado, com a pandemia, o preço da locação em prédios das classes A+ e A da região estava na casa dos R$ 165/m². No final do setembro, segundo o dado da SiiLA, empresa com atuação em dados e análises do mercado imobiliário da América Latina, a média do preço pedido na Faria Lima era de R$ 183,88/m² – é quase o dobro do valor pedido por m² em prédios da mesma categoria que a média das demais regiões corporativas de São Paulo (R$ 95,05).

Alguns negócios de locação – em prédios icônicos da Faria Lima – têm sido fechados a um patamar acima dos R$ 230/m2 nos últimos dias.

Em setembro, Blue Macaw e a Catuaí Asset compraram seis dos 18 andares do famoso Pátio Victor Malzoni (9.500 m²). Destes, quatro andares estão alugados ao Google e os outros dois para locatários diversos. A transação envolveu de R$ 350 milhões. O prédio também abriga a sede do BTG Pactual.

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No Platinum, um prédio-boutique na rua Jerônimo da Veiga, um locatário devolveu meio andar, mas o espaço foi alugado imediatamente após a saída por R$ 235/m² – valor mais alto já obtido com locação pelo fundo do Credit Suisse, dono do edifício, segundo relatório enviado a investidores este mês.

Uma maravilha para os proprietários, certo? Nem tanto, o preço médio de aluguel na Faria Lima ainda está abaixo de 2014, último ano antes da recessão que engoliu o país. Até 2013, o valor tinha superado a casa de R$ 200/m².

Taxa de vacância e o novo escritório

“Eu sempre fui cético quanto à ameaça do home office ao escritório. Em algumas atividades, a presença física não vai perder a importância e a aceleração da retomada do uso corporativo mostra isso”, disse Rodrigo Abbud, sócio-fundador da VBI Partners, uma gestora com R$ 5,6 bilhões em ativos sob custódia.

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Os escritórios, segundo ele, estão diferentes agora. Grande parte deles passou teve o layout repaginado com maior espaçamento entre as mesas de trabalho e áreas de convivência redesenhadas. Com menos gente nos escritórios por causa de modelos híbridos, afirma o gestor, os locais foram redesenhados durante a pandemia.

“No final, é uma soma zero em termos econômicos. Muitos escritórios ganharam mais espaço em salas de reunião, copas e áreas de descompressão porque adotaram um modelo híbrido, sem a lotação completa todos os dias”, analisa ele.

A taxa de vacância da Faria Lima está em 11.93% contra 25,65% do restante da cidade de São Paulo. Entre 10% e 15% de vacância, segundo gestores é uma taxa “confortável” para proprietários. Em alguns momentos, quando ela cai abaixo dos 10 pontos percentuais significa que os preços explodem e que, quando um locatário sai, é imediatamente reposto por outros. Acima de 20%, como na média da cidade, é igual a queda de preços dos aluguéis por causa da alta oferta.

“A Faria Lima é mesmo diferente porque há pouco estoque para a demanda, ali as unidades já saem pré-locadas”, diz Bruno Nardo dos Santos, sócio da RBR Asset Management, gestora com R$ 6,4 bilhões sob gestão.

Há pouco estoque de novos projetos

O mundo exclusivo dos prédios de alto padrão da Faria Lima deve continuar aquecido nos próximos anos, segundo os gestores ouvidos pela reportagem. A razão é que o estoque de novos projetos é pequena em comparação ao resto da cidade. Até dezembro de 2022, estão previstos 38,8 mil metros quadrados novos a serem entregues no retângulo mais desejado, segundo a SiiLa. Em toda a cidade de São Paulo, são esperados 110 mil m² novos no mesmo período.

Estima-se no mercado que o valor de construção de um AAA esteja na casa de R$ 30 mil (incluindo a despesa com os Certificados de Potencial Adicional de Construção, o Cepac, um título de autorização que a Prefeitura de São Paulo emite para permitir a construção de prédios na região). Em tese, um aluguel no patamar de R$ 200/m² seria capaz de remunerar com 8% ao ano um investimento nesse patamar.

A perspectiva de alta da Selic por causa do aumento da inflação também pode causar retração em investimentos em empreendimentos novos, embora ativos de tijolo costumem ter uma proteção, segundo Bruno Nardo, da RBR, via correção dos contratos de alugueis ou pela própria valorização dos imóveis.

“O bom do mercado imobiliário é que ele é extremamente previsível porque um prédio não aparece do dia para a noite. Um projeto leva de três a cinco anos para ser entregue, se não tiver nenhum imprevisto na construção, então o investidor precisa olhar para um horizonte de vários anos à frente quando decide construir”, explica Abbud, da VBI.

E aí é que está o problema, segundo ele: “Ninguém é capaz de adivinhar como estará e economia do país quando o empreendimento ficar pronto”.

Graciliano Rocha

Editor da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela UFMS. Foi correspondente internacional (2012-2015), cobriu Operação Lava Jato e foi um dos vencedores do Prêmio Petrobras de Jornalismo em 2018. É autor do livro "Irmã Dulce, a Santa dos Pobres" (Planeta), que figurou nas principais listas de best-sellers em 2019.