Burger King quer virar ‘foodtech’ com aposta em dados e ‘ghost kitchen’, diz CEO

Exclusivo: Iuri Miranda fala à Bloomberg Línea sobre estratégia para os canais digitais em um cenário de gradual retomada do consumo presencial

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São Paulo — Impulsionada pelo desempenho positivo de seus canais digitais e pela retomada de consumo presencial em restaurantes, a BK Brasil avança rumo a seu objetivo de tornar-se uma foodtech, com uma estratégia pautada por transformação digital, utilização intensiva de dados e ampliação da operação logística e as chamadas ghost kitchens, que operam sem público, para atender à demanda do delivery.

Master-franqueada da empresa de fast-food Burger King Corporation e da rede de restaurantes Popeyes Louisiana Kitchen, a empresa tem um efetivo de 14 mil funcionários e mais de 900 restaurantes em território nacional. A esta base serão incorporados os mais de 300 restaurantes da rede Domino’s, aquisição anunciada em julho, que marca a entrada da companhia no segmento de pizza.

A empresa sofreu com o aumento de internações por Covid-19 que limitaram a mobilidade urbana no início do segundo trimestre: com restrições mais severas entre março e abril, 40% dos restaurantes precisaram fechar. Porém, com o avanço da vacinação a partir de maio, o fluxo de consumidores nas lojas retornou gradativamente, e a receita chegou a R$ 567,9 milhões, alta de 94% em relação ao mesmo período em 2020.

Nesta recuperação, canais digitais tiveram um papel crucial. Os cerca de 500 totens de autoatendimento, a operação de delivery e o aplicativo foram responsáveis por 33% das vendas, um crescimento de 75% versus o primeiro trimestre do ano passado e 95% em relação a 2019. O avanço digital é prioritário para a empresa: a tecnologia é uma das principais áreas de alocação dos R$510 milhões captados no follow-on da BK na B3 em novembro de 2020.

“O restaurante físico continuará sendo importantíssimo, o ser humano quer socializar e isso vai permanecer. Mas o cliente será mais exigente, e vai querer qualidade e menos atrito na compra: a tecnologia é o grande enabler (habilitador) disso”, diz Iuri Miranda, CEO da BK Brasil em entrevista à Bloomberg Línea.

“Vemos uma integração muito grande entre a experiência de consumo dentro e fora do restaurante, além de uma evolução exponencial em vendas digitais e no relacionamento customizado com o cliente.”

Personalizando a experiência do cliente

O objetivo da BK é conhecer os padrões de consumo de seus clientes através de canais digitais através da coleta, tratamento e geração de insights a partir de dados de clientes. Segundo Miranda, o conhecimento baseado nos dados do público alvo deve ajudar a companhia a direcionar melhor seus esforços de marketing, impulsionar vendas e melhorar a operação.

“Com as informações que os consumidores nos fornecem, é possível saber a promoção que funciona, o lançamento com mais aderência a uma determinada faixa etária ou região. Torna-se possível analisar os aspectos micro das ações e medir o efeito do que estamos fazendo”, pontua o CEO.

No centro dos esforços da companhia nesta frente, está o aplicativo Burger King, que conta com cerca de 34 milhões de downloads e mais de 10 milhões de clientes cadastrados. A estratégia avançou com o Clube BK, programa de fidelidade no app lançado em fevereiro, atualmente com mais de 2 milhões de membros, que tem um padrão de frequência maior do que clientes não-afiliados, e gastam mais.

A atual estratégia digital da BK é resultado de um investimento em tecnologia que remonta à fundação da companhia, há uma década. “Nem tínhamos restaurantes próprios, mas aprovamos investimento em [sistemas de gestão] SAP em conselho pois tínhamos a visão de ser um grande operador e precisaríamos da conexão com os restaurantes e da leitura desse ecossistema”, diz Miranda.

Esta base permitiu a criação de um CRM (sistema de gestão de relacionamento com clientes) próprio há três anos, que gerou um data lake, em que algoritmos de inteligência artificial são utilizados para obter insights sobre padrões e tendências de consumo a partir dos dados coletados. O Clube BK é fruto desses esforços.

Em dezembro de 2020, a empresa passou a identificar as transações dos restaurantes. Cerca de 20% das transações da BK atualmente são identificadas: segundo o CEO, a meta é aumentar o percentual para 50%.

“Obter a granularidade de metade do que fazemos seria um sonho. É algo que pode fazer a diferença em termos de gerenciamento de receita, margem, relacionamento com o cliente, eficiência de mão de obra, negociação de contratos.”

Segundo o CEO, a evolução digital da BK é linear, e não exponencial. “Há um ponto de partida em que se constrói a infraestrutura e depois disso ocorre uma mudança dentro da organização rumo a um trabalho mais ágil apoiado por tecnologia, e os resultados começam a aparecer cada vez mais rápido”, diz o executivo. “Estamos próximos de começar a colher o que plantamos.”

Com cada vez mais clientes cadastrados e transações identificadas, o plano é reforçar a centralidade do smartphone na experiência do cliente, e incentivar o uso do app. “Hoje o aplicativo é a base de tudo: se [o cliente] quiser conectar no Wi-fi na loja, pedir no delivery, pegar um cupom de desconto, consultar lojas, menus, lançamentos, todas estas opções estão sob esse guarda-chuva”, diz Miranda.

“Novas ferramentas de personalização e customização serão o próximo nível de eficiência das empresas. Nem todas vão conseguir: é uma jornada que não é possível começar e concluir rapidamente.”

Evolução do delivery e ghost kitchens

Mesmo com a perspectiva de retomada de consumo presencial, o consumidor brasileiro deve continuar a usar serviços de delivery com frequência, segundo Miranda. Para atender à demanda, a companhia deve reforçar o investimento em sua rede própria de logística, que atualmente atende cerca de 120 restaurantes.

Apesar de coexistir com o serviço de agregadores como Rappi, Uber Eats e iFood, o CEO diz que a expansão da operação logística da empresa é interessante por alguns motivos: “É uma avenida bem interessante para nós, não só do ponto de vista de custo, já que não pagamos [comissão] para um agregador nesse caso, mas pelo fato de que alguns agregadores não vão a certas cidades, então há uma limitação da malha logística deles para a entrega”, pontua.

Outra frente que deve gerar eficiência operacional é a implementação de ghost kitchens, espaços de produção sem presença do público e montados para atender somente a operação de delivery. Após o primeiro piloto em São Paulo há um ano, o segundo espaço neste modelo deve ser implementado no Rio de Janeiro até o segundo trimestre de 2022, com duas cozinhas de Burger King e Popeyes - e provavelmente, da Domino’s.

“Imaginamos que a centralização do custo de ocupação com entrega de burger, frango e pizza saindo de um mesmo local pode gerar uma sinergia de Capex muito interessante. O tempo de deslocamento do motoboy é otimizado, assim como o fluxo de produção e a administração de estoque, pois é possível identificar os picos de demanda, já que todas as transações são identificadas”, aponta.

À medida em que a BK avança seu plano de se tornar uma empresa de comida de base tecnológica, Miranda diz que as mudanças da digitalização também o transformaram enquanto líder. “Eu achava que a transformação era sobre tecnologia, mas em poucos meses cheguei à conclusão que a mudança precisava acontecer nas pessoas, na cultura da empresa”, diz o executivo.

“O CEO é o grande sponsor [da transformação digital], mas não promove a mudança sozinho. Todos precisam estar na mesma sintonia”.

“Por outro lado, é muito difícil começar mudanças assim se o CEO não acredita que vai dar certo, e eu acredito em praticar o que prego. Ainda não tenho 100% de compreensão [sobre a pauta digital], tampouco uma receita de bolo que todos podem copiar. Teremos muitos ajustes pela frente e, sobretudo, evolução,” finaliza.

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