Postulante à condição de candidato a presidente pelo PSDB, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, minimiza a importâncias de pesquisas eleitorais que mostram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro como prováveis adversários em um segundo turno daqui a doze meses.
Para Leite, o eleitor agora está preocupado “em colocar comida na mesa e com a inflação, que tira poder de compra”, e não com um processo eleitoral cujos candidatos nem foram apresentados.
Recentemente, a consultoria de risco político Eurasia classificou o tucano gaúcho como provável vencedor das prévias que disputa com o governador de São Paulo, João Doria, devido aos apoios que vem costurando em diretórios regionais do partido pelo país.
Eduardo Leite, 36, foi prefeito de Pelotas e, em 2018, foi eleito governador num estado em que muitos gaúchos reconhecem uma “mentalidade de Grenal” – de divisão e confronto que se espraia em outros aspectos da vida, além do esporte. Na verdade, a polarização política no RS vem sofrendo atualizações desde o século 19, quando maragatos (lenços vermelhos) e chimangos (brancos) combateram uns aos outros na Revolta Federalista.
Quase tão persistente quanto a disposição da classe política local para o confronto é a situação das contas públicas: entre 1978 e 2018, o Estado só fechou as contas no azul em dois anos; o restante foi de déficit fiscal que foi sendo sucessivamente financiado por dívidas, que, aos poucos, dragaram a capacidade de investimento do Estado.
No Palácio Piratini (sede do governo gaúcho), o governador angariou apoio político para mexer em alguns tabus fiscais do Estado – aplicou uma reforma da previdência, elogiada por economistas de centro-direita e criticada por servidores e sindicalistas de esquerda. Também removeu um artigo da Constituição que exigia que qualquer privatização estadual deveria passar por plebiscito. Depois, tocou um projeto que privatizou serviços de energia elétrica e pretende passar à iniciativa privada as estatais de saneamento e a do gás.
Sob o atual governo, o RS conseguiu deixar a despesa abaixo das receitas correntes e tem usado as receitas extraordinárias com privatizações para investimento. Do ponto de vista estritamente pessoal, o governador concedeu uma entrevista este ano em que falou publicamente sobre sua orientação sexual – Leite é um homem gay.
“O próximo presidente da República também precisa deixar claro que o foco está nas reformas e não para viabilizar a sucessão para ele mesmo”, disse ele.
Abaixo os principais trechos:
Bloomberg Línea: O Rio Grande do Sul é um dos Estados com a situação fiscal mais complicadas do país, com endividamento alto, baixo investimento e déficit orçamentário há quatro décadas. O sr. obteve apoio político para fazer reformas. O que mudou?
Eduardo Leite: A nossa reforma da previdência foi a mais profunda entre todos os estados da Federação. Talvez tenhamos sido o único estado a ter reduzido o limite de isenção para o possível, que foi o de R$ 1.000. Isso aumentou muito a base de contribuição. Nós fizemos para os militares também, sob as mesmas condições. E associado a isso, fizemos uma reforma da estrutura de carreira dos servidores, com revisão de benefícios e vantagens que a União já tinha encerrado nos anos 1990, mas na maior parte dos entes subnacionais ainda permanece. São anuênios, biênios, quinquênios, outros benefícios que se incorporam. Isso permitiu uma redução da despesa com servidores, no ano passado, de R$ 700 milhões. Esse ano deve ser R$ 1 bilhão e, no ano que vem, a gente projeta uma economia de R$ 1,3 bilhão em relação à despesa que haveria se não tivéssemos feito nada. No total, são R$ 3 bilhões nos anos de 2020, 2021 e 2022 – o que equivale a duas folhas de pagamento. Não só não houve o crescimento vegetativo [da despesa], como houve redução. De um lado, controlamos a despesa corrente para dentro das receitas correntes. De outro, estou promovendo um forte programa de privatizações, que está viabilizando muitos recursos extraordinários que está livre de ser usada para custeio da máquina, mas para investimentos em estradas, educação, saúde, editais para inovação.
O Rio Grande do Sul tinha um dispositivo constitucional que previa que privatização de estatais deveria ser submetidas a plebiscito, que o senhor conseguiu tirar da Constituição. Como foi esse processo?
O governo anterior tinha dado os primeiros passos para esta discussão. No fim do mandato, ele [José Ivo Sartori, MDB] não conseguiu passar na Assembleia a mudança na Constituição dessa questão do plebiscito, mas abriu caminho. A nossa vitória nesse ponto começou antes da eleição. Na campanha, eu assumi publicamente que eu iria encaminhar a revisão da Constituição para a privatização sem plebiscito. Isso ajudou a legitimar no processo eleitoral a nossa visão sobre esse tema. Foi abertamente tratado. Depois, quando chegamos ao governo, colocamos energia nessa discussão e conseguimos aprovar nos primeiros meses do governo essa alteração da Constituição e, em seguida, aprovamos a venda das estatais. Hoje, inclusive, recebemos os R$ 2,67 bilhões da CEEE (antiga estatal elétrica) Transmissora. Agora pela frente tem a CEEE geradora, que tem um valuation de R$ 1,3 bilhão, e da Companhia de Gás, que tem um valuation de R$ 900 milhões. E ainda temos o da Companhia de Saneamento, este ainda está numa fase de estruturação, mas a oferta das ações deve acontecer em fevereiro do ano que vem.
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Há alguma similaridade entre a situação do seu Estado e do país?
Eu acho que, em primeiro lugar, eu ter me dado com uma situação fiscal crítica num Estado de histórica polarização política, que o Rio Grande do Sul tem. Encontrei um cenário fiscal adverso e um cenário político hostil, isso guarda bastante semelhança com o Brasil que a gente vai encarar em 2023, um país dividido politicamente e uma situação fiscal difícil. Isso exige um esforço e uma estratégia política para não desviar o foco das reformas. No Rio Grande do Sul, eu ajudei o Estado a superar a crise e o Brasil vai precisar disso, de governo que ajude a serenar os ânimos, colocar a bola no centro. Não tenho dúvida, por exemplo, que fez toda a diferença no meu mandato como governador ter deixado claro, desde o início, que não seria candidato à reeleição. Já tinha essa prática como prefeito. Não concorri à reeleição mesmo tendo 90% de aprovação quando estava na prefeitura. Isso ajudou o ambiente político a ser melhor, mais colaborativo. O próximo presidente da República também precisa deixar claro que o foco está nas reformas e não para viabilizar a sucessão para ele mesmo.
O senhor vai prometer não ser candidato à reeleição?
Já falei publicamente que não serei candidato à reeleição. É importante que o próximo presidente da República esteja ciente que seu governo precisa trazer o país para a serenidade. Se for um virtual candidato à reeleição, ele passa a ser atacado no primeiro dia pelos dois polos de radicalização que terão sido derrotados e quererão voltar. No primeiro dia, ele passa a ser atacado por lulistas e bolsonaristas. Não ser candidato à reeleição passa a mensagem que é importante passar as reformas e que eu não serei empecilho [para outros projetos políticos], como no Rio Grande do Sul ajudou a construir um ambiente de maior colaboração.
As pesquisas eleitorais sobre 2022 mostram um quadro de disputa entre Lula e Bolsonaro. Não há um nome da chamada terceira via que pareça ameaçá-los. Por que?
Tem dois candidatos muito conhecidos, fala-se muito que eles polarizam na intenção de voto, mas pouco se aborda que eles polarizam também na rejeição. Pesquisa nesse momento ajuda a entender muito melhor o que o povo não quer efetivamente do que o que ele quer. Ainda não estão na mesa as opções que ele terá. Interessante então saber do que ele não gosta, e ele rejeita fortemente as duas candidaturas. Isso cria um ambiente favorável para uma terceira via. Agora, claro, cabe a nós dos partidos nos articularmos para que a gente dê força a uma terceira via. O ambiente será favorável no ano que vem. Nesse momento, a população está preocupada em colocar comida na mesa, com a inflação, que tira o poder de compra dela, se vai manter o emprego ou não vai. As preocupações são outras, não são com escolher um candidato a presidente em uma eleição que nem começou ainda.
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O senhor está disputando uma prévia com o governador João Doria. Ao longo da história, o PSDB ganhou fama de ser um clube de amigos formado integralmente por inimigos. Se o senhor ganhar a prévia, dá para ter o partido unificado na sua campanha?
(risos) Essa fama aí é injusta. Em política há disputa por espaço, a questão é como essas disputas se travam. Estou tranquilo fazendo uma campanha que fale de futuro, de fazer prevalecer um projeto pelas qualidades dele, não pelos defeitos dos outros. O partido vai sair fortalecido desse processo.
Qual sua interpretação sobre as pesquisas que indicam uma queda de popularidade do presidente Bolsonaro?
O cenário para o Brasil infelizmente não é positivo. A gente tem constantes revisões do crescimento do PIB para baixo. O Brasil se vê num cenário que a inflação é maior do que nos outros países, as projeções de crescimento são menores e, pior que isso, a gente perde a oportunidade econômica da agenda que está presente no mundo, que é a da sustentabilidade, das preocupações com o clima. São oportunidades que estão sendo completamente desperdiçadas. O cenário não é positivo para o presidente por causa do que ele mesmo cavou, da instabilidade que ele mesmo gerou. Inflação é um fenômeno que tem um componente global, mas tem um componente interno, das constantes crises que o presidente gera. Uma percepção de risco que aumenta o preço do dólar. Não parece que haverá uma mudança de humor do eleitorado em relação a ele. Por outro lado, ele conseguiu criar um clima de guerra para uma parcela da população. Não acho que seja só culpa dele, acho que tem também culpa do próprio PT. O ex-presidente Lula e o PT sempre fizeram o discurso de nós contra eles, de “nunca antes na história desse país”, de jogar toda a História do país no lixo, como se o país tivesse começado com eles em 1º de janeiro de 2003. Isso gerou muitas feridas para uma parte grande da população que quer mais é evitar a volta do PT.
O voto antipetista terá peso em 2022 como teve antes?
Ele estará presente tanto quanto o voto antibolsonarista, mas não adianta ser contra o Bolsonaro ou contra o Lula e ser pró-nada. Tem que ser pró-Brasil. Estamos numa perspectiva de uma eleição que não só importante é ganhar, como ganhar do jeito certo. Não dá para ganhar atacando Lula e Bolsonaro e, no dia seguinte, falar que vamos unir o Brasil. Não dá para ganhar insistindo na divisão.
O sr. tocou um programa de privatizações no RS. Esse será um tema da sua campanha, caso o PSDB o escolha como candidato?
Vamos avançar no tema da produtividade do país, que passa por uma série de fatores, como a melhoria do ambiente interno, com reformas que descompliquem o Brasil. É o caso da tributária que está sendo discutida aí, que promete avançar, mas não anda. Essa tarefa nós temos para abrir um bom cenário de investimentos. E, dentro disso, tem a questão das privatizações. Tem que fazer uma leitura acurada da conveniência e da oportunidade dessas empresas estatais todas e acelerar um programa que possa colocar nas mãos da iniciativa privada aquilo em que ela pode ser mais eficiente que o governo. Não há uma definição sobre quais empresas, mas nós mostramos no nosso histórico no Rio Grande do Sul que podemos olhar sem preconceitos para as privatizações. Não é uma tara privatizar, não é privatizar por privatizar, mas é avaliar do ponto de vista das oportunidades que a privatização pode gerar de acelerar investimentos e modernização tecnológica que o poder público não consegue fazer. O país precisa qualificar o seu capital humano. Educação vai ser uma alavanca na nossa plataforma, qualificando. Urgente é isso: qualificar a mão de obra para que a gente possa estar inserido nessa nova economia.
O sr. fez uma declaração recente sobre sua orientação sexual. Acredita que pauta de costumes terá importância na eleição do ano que vem?
A pauta da igualdade será uma pauta, sim. O país precisa superar essa divisão porque a diversidade da nossa população é uma alavanca para o nosso crescimento, e não um mal a ser combatido.
A Câmara dos Deputados aprovou ontem [quarta-feira] um projeto de lei que altera substancialmente a cobrança de ICMS sobre os combustíveis. O Confaz afirma que a mudança tira R$ 24 bilhões do caixa dos governos estaduais. Qual a sua interpretação?
É um absurdo que vai gerar uma enorme frustração na população e um impacto bilionário, afetando serviços. O problema não é o ICMS. O ICMS é o mesmo há anos. No início do ano, o litro de gasolina custava R$ 4,50 no Rio Grande do Sul, agora vai mais de R$ 6,50. O ICMS é o mesmo, não houve nenhuma alteração no ICMS. Então esse projeto vai gerar uma frustração porque a gasolina vai continuar aumentando. Isso é inevitável. Vai gerar uma frustração de expectativa e um impacto bilionário nas contas dos Estados, além da falta de previsibilidade, mudando as regras no meio do jogo. O que precisamos é de uma reforma tributária mais ampla, não de uma cortina de fumaça como essa.
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