Opinión - Bloomberg

Facebook deveria parar de fingir que tem padrões elevados

Seria melhor se os críticos, funcionários e o fundador da empresa admitissem que o objetivo principal é o lucro

Seria muito mais benéfico se a rede social admitisse a natureza banal e nociva de seu produto
Tempo de leitura: 6 minutos

Bloomberg Opinion — A denunciante do Facebook, Frances Haugen, trouxe à luz uma coleção de documentos sobre os lados negativos da rede social. Segundo seu depoimento ao Senado na semana passada, os registros internos mostram que os líderes do Facebook “priorizaram os lucros astronômicos sobre as pessoas”.

Sim, isso é verdade e não é nenhuma surpresa. O Facebook é uma companhia de capital aberto que busca maximizar os lucros para seus acionistas. Derek Thompson, da The Atlantic, argumenta que a rede social é como o álcool – divertido, mas viciante e “nocivo em grandes doses” – e a metáfora é bastante adequada: nos Estados Unidos, as fabricantes e distribuidoras de cervejas, vinhos e destilados também priorizam os lucros.

A diferença é que, na maioria dos casos, elas não fingem o contrário. Muitos negócios – desde a indústria de salgadinhos até os reality shows – prosperam ao se aproveitar das fraquezas e pontos fracos das pessoas. Uma das coisas que torna o Facebook uma exceção (e ajuda a explicar o descontentamento de muitos funcionários) é que a liderança da empresa se recusa a reconhecer esse fato tão óbvio.

No imaginário dos anticapitalistas, a motivação do lucro no cerne da economia dos EUA é uma acusação de todo o sistema. Lembro do entretenimento do documentário de 2003, The Corporation, que cita um especialista do FBI dizendo que, se uma empresa fosse uma pessoa (mais do que apenas no sentido jurídico), seu foco incansável no valor para o acionista a qualificaria como um psicopata.

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Eu cresci e percebi que o capitalismo industrial e a economia de mercado realmente geraram muitas melhorias no padrão de vida. Ao mesmo tempo, é verdade que o objetivo principal de um negócio é lucrar, mesmo que isso aumente o colesterol das pessoas (como os salgadinhos) ou degrade a vida cívica ao minar a economia das notícias locais (como na ascensão da publicidade na internet).

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Isso nos leva de volta ao Facebook. O que é fascinante na empresa é que ela está em um patamar injustamente alto, não apenas de seus críticos, mas também de seus próprios executivos.

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O fundador e CEO Mark Zuckerberg negou com raiva as reclamações de Haugen e as taxou de “simplesmente falsas”. Falando em nome dos funcionários do Facebook, ele disse: “acredito que a maioria de nós não reconhece a falsa imagem da empresa que está sendo transmitida”.

Eu conheço pessoas que já trabalharam em várias iniciativas dignas do Facebook – e elas confirmam tanto a acusação de Haugen quanto a resposta de Zuckerberg. Na prática, o Facebook não está interessado em fazer nenhuma mudança que resulte em um menor gasto de tempo dos usuários na rede social, independentemente dos outros impactos positivos que essa mudança possa ter. Enquanto isso, os funcionários comuns com habilidades técnicas que fazem a empresa funcionar realmente acreditam que estão engajados em algo mais nobre do que fabricar salgadinhos.

Essa é uma ideia profundamente enraizada na cultura do Vale do Silício. Em 1983, quando Steve Jobs recrutou o então executivo da Pepsi John Sculley para a Apple, ele fez a famosa pergunta: “você quer vender água com açúcar pelo resto da vida ou quer vir comigo e mudar o mundo?”

As empresas de tecnologia claramente mudaram o mundo, ao passo que as empresas de refrigerantes não. Mas os gigantes de tecnologia de hoje não são mais startups empolgantes. Algumas ainda enfrentam problemas técnicos grandes e difíceis (como o Google e os carros autônomos), enquanto outras encontram nichos de comportamento idealista (como a busca constante da Apple para fornecer os melhores recursos de acessibilidade para cegos). Mas nenhuma empresa é idealista o suficiente para comprometer as principais considerações de lucros por questões humanitárias; pergunte à Apple sobre direitos humanos na China, por exemplo.

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E o Facebook? Seu negócio principal pode estar mais perto de vender água com açúcar (ou salgadinhos) do que a empresa gostaria de admitir. Agora está claro que a invenção de adoçantes produzidos em massa foi uma bênção e uma maldição para a humanidade – contribuindo para grandes problemas de saúde como obesidade e diabetes, mas também proporcionando doses de prazer genuíno para bilhões de pessoas diariamente.

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Se você tentasse proibir o açúcar, as pessoas se rebelariam. Sua regulação ou não é um outro assunto, mas não há hesitação no que diz respeito à regulação das redes sociais. A ideia do vencedor do Nobel Paul Romer quanto a um imposto progressivo sobre a receita de publicidade digital para desestimular o gigantismo faz muito sentido, mas não seria desejável nem possível para uma agência federal gerenciar de perto as decisões de moderação de conteúdo das empresas privadas, como muitos parecem querer.

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Enquanto isso, a melhor estratégia do Facebook no futuro pode ser reconhecer a natureza banal de seus negócios. Como todas as outras empresas, ele tem produtos com prós e contras, mas o que realmente importa é fazer com que os usuários passem mais tempo usando-os.

Admitir sua banalidade causaria uma dor de cabeça para as relações públicas, é claro. Mas o grande problema é se os esforços de recrutamento e retenção do Facebook poderiam lidar com esse tipo de honestidade revigorante.

Voltando aos salgadinhos: Ninguém leva os grandes executivos da indústria ao Congresso e os acusa de “priorizar lucros em detrimento de pessoas”, mesmo que todos concordem que vender petiscos altamente processados não é exatamente benéfico. Por outro lado, a indústria de junk food não escolhe os melhores egressos das melhores escolas todos os anos.

Se o Facebook admitisse que está essencialmente vendendo uma versão digital de água com açúcar (ou salgadinhos, ou qualquer outra alternativa prejudicial à saúde), isso poderia atrair menos atenção negativa. Mas muitos de seus funcionários podem estar inclinados a abandonar o navio. Eles podem formar ou ingressar em startups empolgantes que se alinham melhor com seus valores. Ou poderiam apenas trabalhar e levar a empresas não tecnológicas as habilidades técnicas tão necessárias.

Pode ser que, embora todas as empresas gigantes estejam priorizando lucros sobre as pessoas, o próprio Facebook seja particularmente vulnerável a essa crítica. Seu principal produto não é tangível, como o da Apple ou da Amazon, e também não é obviamente útil, como o do Google. Se for o caso, então um Facebook menor e menos influente seria benéfico para o mundo.

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É improvável que Zuckerberg concordasse – ou, aliás, que estivesse disposto a se submeter a quaisquer exercícios de autorreflexão corporativa. Afinal, há não muito tempo, ele mesmo era um jovem egresso de uma universidade da Ivy League – grupo das melhores dos EUA – inteligente, trabalhador e idealista. Ele entendeu o potencial do Facebook em uma época em que poucos conseguiam, e sem dúvida acreditava sinceramente que a criação de interconexões entre pessoas em escala teria um impacto social mais positivo do que parece ter acontecido. Ainda assim, é um grande negócio.

Ao longo do tempo, muitos gigantes corporativos concluem que a busca incessante de valor para o acionista simplesmente não é tão satisfatória quando você já é inimaginavelmente rico. Há muito tempo, Bill Gates deixou a Microsoft para focar em atividades beneficentes, seguindo os passos de Andrew Carnegie e outros chamados Barões Ladrões de um passado distante. Zuckerberg tem a Chan-Zuckerberg Initiative, fundação que começou com sua esposa Priscilla Chan em 2015, mas por enquanto ele está muito envolvido nas operações diárias de sua empresa e na série infinita de controvérsias que elas geram.

Os debates sobre essas controvérsias tendem a ficar entre os exageros absurdos e a crítica desinformada. Se a empresa e seus funcionários fossem mais honestos sobre o que fazem, então talvez os EUA pudessem ter uma conversa menos carregada e mais sensata sobre a natureza não apenas do Facebook, mas das próprias redes sociais.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

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