Lula adota tom conciliador e foco na economia para criticar Bolsonaro

Em Brasília, ex-presidente fez atos simbólicos para base de esquerda, jantou com MDB e falou para eleitorado mais amplo, que o do PT

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Nos últimos três dias que esteve em Brasília, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva antecipou o que deve ser seu figurino na eleição do ano que vem: fez atos simbólicos para sua base de esquerda, mas falou para públicos mais amplos que o eleitorado do PT.

Líder nas pesquisas, jantou com caciques do MDB na quarta – indicando que o impeachment de Dilma em 2016 é uma página virada –, visitou e discursou numa cooperativa de catadores de material reciclável na quinta – categoria que levou ao Planalto quando foi presidente – e, nesta sexta, concedeu a primeira entrevista coletiva em muito tempo.

Aos jornalistas, o tom do ex-presidente foi de conciliação. Embora tenha dito publicamente que só decidirá se será ou não candidato a presidente no ano que vem, o líder nas pesquisas escolheu a inflação e o estado da economia para criticar o presidente Jair Bolsonaro. Lula diz que não discutiu nomes para um eventual companheiro de chapa nem para ocupar a pasta da Economia.

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“O legado que deixei nesse país vale por 500 Cartas ao Povo Brasileiro”, comparou o ex-presidente, ao responder se faria uma nova versão do documento em que se comprometia, na eleição de 2002, com a disciplina fiscal e o controle da inflação.

“Nós pegamos esse país com US$ 30 bilhões de dívida ao FMI, 12% de inflação, 12 milhões de desempregados e o Malan, que era um bom homem, tinha de ir todo final ano até Washington buscar dinheiro para fechar o caixa no Brasil”, contou o ex-presidente Lula, afagando Pedro Malan, o ministro da Fazenda de Fernando Henrique Cardoso.

O ex-presidente disse que seu governo consertou a economia: “Trouxemos a inflação para 4,5%, geramos 20 milhões de empregos, tivemos superávit primário durante todo o governo, pagamos a dívida ao FMI, emprestamos US$ 10 bilhões ao FMI e ainda deixamos U$ 370 bilhões em reservas, que é o que está salvando o Brasil hoje”, disse.

Logo depois, voltou-se contra Bolsonaro: “”Bolsonaro não consegue controlar o preço da carne, o preço do frango, da mandioca, que subiu 45%, do açúcar, que subiu 38%”.

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“Não é apenas o combustível que ele não controla. Não controla o custo de vida do povo, não controla a inflação, e agora está dizendo que vai haver desabastecimento por causa da China”.

Sobre a Lava Jato, o ex-presidente – cujas acusações foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal este ano – disse que era um assunto que queria deixar no passado.

OPERAÇÃO POLÍTICA – Na quarta-feira, Lula jantou com caciques do MDB na casa do ex-presidente do Senado, Eunício Oliveira (CE), em Brasília.

Segundo um dos participantes do encontro, o petista avaliou que não haverá uma terceira via viável eleitoralmente, a não ser que Bolsonaro derreta a ponto de se tornar inviável – um cenário que Lula nem qualquer dos presentes disseram acreditar.

Segundo esse relato, Lula se mostrou preocupado com o cenário político e econômico do país em 2023 – e voltou a dizer que ainda é cedo para discutir eventuais nomes para compor a equipe econômica, mas revelou aos convidados o que acredita ser essencial para o perfil de um futuro ministro: capacidade de articulação com o Congresso porque a economia vai estar numa situação pior.

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O ex-presidente José Sarney não compareceu ao jantar com Lula, mas no dia seguinte seu filho, o ex-ministro do Meio Ambiente Zequinha Sarney, atual secretário do governo do Distrito Federal, acompanhou o petista na visita à cooperativa de catadores de material reciclável.

Na quinta à noite, o ex-presidente fez uma reunião virtual com 5,9 mil dirigentes municipais e estaduais do PT no país.

Na viagem, Lula ainda esteve com Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD. O encontro foi em um hotel de Brasília na terça. O PSD é o partido do ministro Fábio Faria (Comunicações). Kassab disse a Lula que o partido considera lançar candidatura própria a presidente.

Nesta sexta, respondendo a uma pergunta sobre a terceira via, Lula deu a entender que não acredita na viabilidade de outro candidato para quebrar a disputa PT-Bolsonaro, como havia dito aos emedebistas no jantar de Eunício: “Tem muita gente sem competitividade se colocando como candidato. Eu acho ótimo, mas é preciso disputar o primeiro turno. Pode ter quantas vias quiser”.

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