Bloomberg Opinion — A prosperidade comum - nova ordem política do dia do presidente Xi Jinping - não banirá os produtos de luxo dos shoppings chineses. Contudo, inicia-se uma nova era em que os relógios são incrustados com menos diamantes e as logos não enfeitam mais jaquetas e jóias.
No início deste ano, Pequim fez uma proclamação visando construir uma sociedade “em formato de azeitona” com uma distribuição mais equitativa da riqueza. Depois da declaração vieram apertos regulatórios em grandes segmentos, como empresas de tecnologia de consumo e o setor de educação online. Embora os burocratas tenham falado muito sobre a população chinesa ser moderadamente próspera, o único foco do governo é desviar o país de uma economia da lei do mais forte.
Nesse sentido, grande parte da retórica em torno da prosperidade comum está centrada na melhoria da saúde, no aumento da renda familiar, no aumento dos benefícios e no uso de impostos para calibrar a distribuição de renda. Não é o tipo de ambiente propício para o consumo exibicionista. Para os grandes grupos de luxo, impulsionados por cinco anos de demanda crescente dos consumidores chineses, será necessária uma reavaliação de sua estética, seus produtos e sua estratégia de marketing.
Neste pano de fundo, o luxo tende a ser caracterizado por designs mais sutis, com menos detalhes pomposos. Pudemos ver um retorno ao clima que tomou conta da China há quase uma década, em meio a um cerco contra a corrupção, quando os consumidores não queriam que seu consumo tivesse grande visibilidade. Produtos como relógios e bebidas alcoólicas de marca foram danos colaterais.
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Alguns jovens compradores chineses já estão deixando de lado sua paixão pelo luxo, segundo a LookLook, empresa que realiza pesquisa de mercado. Em setembro, fizeram um levantamento entre 100 mulheres chinesas com menos de 40 anos, que gastam pelo menos US$ 10.000 por ano em produtos requintados. A conclusão é que elas estão se contendo, principalmente na expectativa de viajar - e gastar - fora da China novamente. Mas uma em cada dez disse que foi influenciada pela posição do governo contra demonstrações excessivas de riqueza. Jia Lin, analista da LookLook, disse que ficou surpresa ao ouvir algumas das jovens querendo manter a discrição.
Dado o novo clima, as casas com designs mais discretos, como Prada, e a Saint Laurent e Bottega Veneta, da Kering, parecem bem oportunas. Alessandro Michele, diretor criativo da Gucci, já está ajustando o maximalismo de sua marca registrada para atrair um público além da base de fãs da geração Y. As coleções recentes foram mais discretas. Entretanto, talvez dê mais trabalho se alinhar ao novo zeitgeist: o nome e o logotipo da Gucci ainda estão em evidência. Conseguir o tom certo é importante para a holding Kering. Em 2019, a Gucci foi responsável por cerca de 60% das vendas e cerca de 80% do lucro operacional.
Mas há outras maneiras do segmento de luxo se adaptar.
Se a prosperidade comum induz a ansiedade nos escalões mais altos, mas expande a classe média, isso poderia impulsionar a demanda por bolsas de baixo custo, em torno de US$ 1.000, em vez daquelas feitas de peles exóticas, que custam pelo menos dez vezes mais. As marcas precisarão “realmente olhar tanto para o comprador de primeira viagem, como para o bilionário”, diz o consultor de luxo Mario Ortelli.
Pequenos artigos de couro podem receber um impulso, assim como produtos mais acessíveis, como linhas de beleza e fragrância. Isso seria uma boa notícia para os gigantes globais de cosméticos. A Pandora, mais conhecida por seus acessórios mais baratos, teve um forte crescimento na esteira da campanha anticorrupção.
A LVMH, dona da marca Louis Vuitton, com seu famoso monograma, está vulnerável a qualquer tentativa de se afastar de rótulos ou marcas instantaneamente reconhecíveis. Mas isso poderia ser compensado por sua gama de produtos, que começa na bolsa Neverfull, relativamente acessível, por exemplo. A LVMH também gera um quarto de suas vendas nos Estados Unidos, onde os consumidores ainda esbanjam relógios Rolex e casacos Moncler.
O outro lado do novo clima está atraindo um consumidor chinês mais nova era, mais desperto. Alcançar esses compradores não é mais tão simples. É preciso mais que um logotipo em negrito e uma presença onipresente nas redes sociais. As grandes marcas precisarão aprimorar as técnicas de marketing, como colaboração com os influenciadores-chave - ou KOLs (key Opinion leaders, em inglês) - fazer lives em plataformas de compras e até o uso de KOLs virtuais. Quem sabe até pensar em ter seus próprios programas online? O e-commerce de rede social está estimado em 1,2 trilhão de yuans (US$ 186 bilhões) neste ano, enquanto que em 2020 foi de 961 bilhões de yuans, segundo analistas do HSBC Holdings Plc.
A China tem uma próspera economia de influenciadores, mas escolher e alavancar os KOLs certos tornou-se essencial. Isso porque Pequim está se afastando da cultura dos fãs e de certos tipos de estética de gênero.
As marcas também estão tentando diferentes formatos offline. A Prada, por exemplo, foi criativa e conseguiu adesão de um mercado local em Xangai para embrulhar alimentos básicos nas embalagens da empresa. O público local adorou. Outras marcas estão explorando questões sociais. Para fazer isso bem, elas terão que garantir que estão antenadas com as tendências locais.
Mas talvez o maior risco seja que o clima atual faça com que os compradores chineses se afastem dos gigantes globais para o luxo local. É provável que as bolsas permaneçam sob o domínio das casas europeias. Mas empresas locais, como a Cindy Chao, por exemplo, estão ganhando força no campo da joalheria. As marcas chinesas também estão avançando em beleza e moda, de acordo com a LookLook.
É improvável que tais mudanças apareçam nos próximos resultados do terceiro trimestre. Já um ressurgimento de casos de Covid e uma desaceleração da economia chinesa têm mais chances de figurar nessas cifras. Pelo menos isso dá aos gigantes do luxo mais tempo para se reinventarem, se a riqueza furtiva tomar o lugar da ostentação e se tornar o visual favorito dos endinheirados.
Andrea Felsted é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre os setores de varejo e bens de consumo. Anteriormente, escrevia para o Financial Times.
Anjani Trivedi é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre empresas industriais na Ásia. Anteriormente, escrevia para o Wall Street Journal.
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