Bloomberg Opinion — Nem os republicanos nem os democratas querem admitir a verdade chocante sobre 2020: o sistema eleitoral dos EUA teve um bom desempenho. Os americanos passaram por uma pandemia e tiveram que mudar os procedimentos de votação de acordo com as novas circunstâncias, mesmo com toda a controvérsia partidária que isso acarretava. Os dois lados fizeram declarações irresponsáveis durante a campanha, que minaram a confiança de que as eleições seriam conduzidas de forma justa. O então presidente, Donald Trump, advertiu que as cédulas pelo correio não eram seguras, e os democratas, que elas não seriam contabilizadas.
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Considerando tudo isso, poderíamos ter esperado uma catástrofe. Em vez disso, um número recorde de americanos votou, e a empenhada busca por evidências que comprovassem uma quantidade absurda de supostas fraudes eleitorais não deu em nada. As preocupações liberais com a “supressão de votos” e as preocupações conservadoras com a falta de “integridade eleitoral” se mostraram um grande exagero.
Ninguém está comemorando. Em vez disso, os legisladores estaduais republicanos têm tentado alterar os procedimentos de votação em nome da prevenção de fraudes, e os legisladores democratas em Washington têm pressionado por grandes mudanças para resgatar o que eles dizem ser uma democracia em crise. Nenhum dos partidos está prestando atenção às mudanças legislativas, aparentemente insignificantes, que serão de fato necessárias no cenário pós-eleições.
O foco equivocado dos partidos é uma consequência um tanto óbvia da campanha de Trump para convencer as pessoas de que ele teve uma “vitória esmagadora” em uma eleição que perdeu. Os legisladores republicanos, mesmo aqueles que não compactuam com essa falácia, dizem que as dúvidas de seus eleitores sobre o pleito corroboram políticas que defendem há muito tempo, especialmente a exigência de que os eleitores apresentem identificação com foto. Os democratas dizem que a ameaça trumpista à democracia justifica a reforma de tudo, desde o obstrucionismo no Senado até o financiamento de campanhas e outras peculiaridades do sistema eleitoral americano, como o gerrymandering - método controverso para obter vantagens no número de representantes políticos nos locais onde se utiliza o sistema eleitoral majoritário com voto distrital.
O estudioso neoconservador de política externa, Robert Kagan, defendeu recentemente uma coalizão que inclui democratas e republicanos anti-Trump, que teria medidas pró-democracia como um denominador comum e, idealmente, alcançaria “um consenso governamental temporário” em uma série de outras questões.
O acadêmico dá crédito aos senadores republicanos Mitt Romney, de Utah, e Ben Sasse, do Nebraska, por votarem pela condenação de Trump no pedido de impeachment - por incitar a violência no episódio que culminou com a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro deste ano. Entretanto, ele os culpa por não terem mostrado qualquer interesse neste projeto de coalizão. Eles, em sua opinião, se deram por satisfeitos com o fracasso de Trump em reverter a eleição de 2020 e não se alarmaram o suficiente sobre como “o contrário poderia facilmente ter acontecido”. Kagan fala por muitos ao dizer que “o golpe de Trump esteve perto de se concretizar no início deste ano”.
É mesmo de se assustar com a conduta de Trump, e o com o número de republicanos que embarcaram nela.
Nenhuma legislatura estadual republicana tentou anular o veredito dos eleitores. Não houve duelos entre eleitores. Os tribunais foram todos unânimes em rejeitar as contestações legais de Trump. O vice-presidente Mike Pence rejeitou o curso ilegal que Trump e seus parceiros estavam defendendo: que ele deveria expulsar os eleitores de sete estados que defendiam Biden.
Teria sido mais um golpe para a saúde da cultura política americana se ele tivesse tido continuidade. Mas mesmo nesse caso, pode-se presumir que a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, teria encerrado a farsa ao suspender a sessão conjunta do Congresso. Trump não teria permanecido no poder depois de 20 de janeiro.
Dizer que o esforço de Trump para reverter os resultados das eleições estava fadado ao fracasso não é revisionismo. É o que seus oponentes estavam dizendo, com razão, durante grande parte do período entre a eleição e o final de seu mandato, embora todos soubessem muito bem que Trump queria desafiar os eleitores de Biden. Os editores do Washington Post observaram, em 15 de dezembro, que “a estratégia era o último recurso” de “alguns poucos defensores de Trump na Câmara, que visivelmente, não daria em nada”. Eles acabariam por se juntar a nada mais que um punhado de senadores. Os editores do New York Times, que venhamos e convenhamos, não podem ser considerados nada complacentes quanto às ameaças feitas por Trump durante os últimos anos, escreveram, em 5 de janeiro, que tinham certeza de que Trump fracassaria em sua tentativa de permanecer no poder.
Fica evidente que a campanha pós-eleitoral de Trump requer uma resposta política. Mas, trata-se de uma reforma da Lei de Apuração de Votos, de 1887, que contém confusões e imperfeições, das quais um líder político inescrupuloso e ágil poderia se valer. Por exemplo, é imprescindível que seja feita uma emenda para que seja necessário mais de um senador para forçar uma votação no caso de objeção aos eleitores de um estado. Também é preciso dificultar a exclusão, por parte do Congresso, dos eleitores de um estado.
Mas os democratas não têm pressionado por esse tipo de reforma mais contida. Não consta em nenhum dos principais projetos de lei relativos aos “direitos eleitorais” que o Congresso aprovou. É difícil culpar Sasse e Romney por “tirarem o corpo fora”, como Kagan coloca, diante de uma legislação que eles nem mesmo foram instados a apoiar.
Os democratas se esforçaram mais - ou seja, houve algum esforço - para conseguir financiamento dos contribuintes para as campanhas parlamentares. Tal como acontece com os republicanos e a identificação de eleitores, eles colocaram como agenda prioritária uma questão de política eleitoral antiga acima de qualquer coisa que possa responder ao ocorrido de 6 de janeiro. Se a democracia americana está em crise, ninguém está agindo de acordo.
Ramesh Ponnuru é colunista da Bloomberg Opinion. Ele é editor sênior do National Review e pesquisador visitante no American Enterprise Institute.
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