Dúvida sobre base de assinantes leva TC a encolher R$ 1 bi

Tombo da ação de plataforma, que atraiu 4.229 investidores para IPO há 2 meses, já acionou CVM; empresa culpa alta de juro e cenário brasileiro para setor de tecnologia

TC conclui IPO na B3 em julho, mas ação já perdeu mais da metade do valor em relação à sua máxima histórica
30 de Setembro, 2021 | 10:04 AM

São Paulo — A plataforma paulista de serviços para investidores TC TradersClub perdeu cerca de R$ 1 bilhão de valor de mercado desde sua abertura de capital, há dois meses, em meio a incertezas sobre seu modelo de negócios, ritmo de crescimento e futuro de sua base de usuários. A companhia minimiza a desvalorização em tão curto tempo e culpa a instabilidade do mercado com o setor de tecnologia em geral.

A Bloomberg Línea ouviu de um gestor, que preferiu falar sob a condição do anonimato, que as ordens para venda maciça das ações registradas desde o mês passado tinham relação com incertezas sobre a manutenção do ritmo acelerado de crescimento da base de assinantes da plataforma, divulgado pela companhia, além da composição dos tipos de membros (pagantes e não-pagantes) e das suas contribuições para as receitas. A visão é compartilhada por outros investidores, que preferiram não apostar no TC.

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Uma das dúvidas apontadas dizia respeito particularmente à incorporação na sua base de assinantes dos números de usuários da Sencon, uma plataforma de software contábil adquirido em abril que automatiza o cálculo do imposto de renda devido sobre os investimentos, especialmente de renda variável. Os gestores ouvidos consideraram que o número de usuários dessa calculadora de IR infla a percepção do tamanho da base do TC. “Os documentos da companhia deixam bem claro o crescimento no volume de usuários com a aquisição da Sencon e o fato de existir a separação das operações, com faturamentos e bases de usuários distintos”, rebate o TC.

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O tombo de TRAD3 se acentuou após uma apresentação do resultado financeiro do segundo trimestre no dia 13 de agosto, acionando questionamento da CVM (Comissão de Valores Monetário) sobre movimentação atípica das ações. O TC respondeu que desconhecia os motivos.

Quando estreou na Bolsa, no dia 28 de julho, o material da B3 distribuído à imprensa, que é baseado nos dados fornecidos pela empresa, citava que o TC tinha “mais de 470 mil membros”. O prospecto do IPO citava 473 mil usuários registrados em abril, incluindo a base de usuários da recém-adquirida Sencon, uma empresa que criou uma calculadora de imposto de renda.

A SimilarWeb, uma ferramenta de marketing digital que mensura o tráfego gerado pelos sites na internet, aponta que o TC teve 387 mil visitas em julho em seu domínio, 328 mil visitas em junho e 275 mil em maio, além de uma média de 10,6 mil usuários ativos no seu app. Ao divulgar suas últimas aquisições, a empresa dizia ter “mais de 500 mil membros”.

No prospecto, TC detalha que oferece seis planos de assinatura anuais e mensais, sendo que um (TC Start, voltado para investidores iniciantes) é gratuito, e os demais têm três valores básicos mensais (R$ 250, R$ 1.500 e R$ 8.000), sendo que o ticket médio mensal era R$ 270 em março. No prospecto, a companhia diz ainda ter um alcance de aproximadamente 2 milhões de seguidores de membros de sua equipe e fundadores nas redes sociais.

Modelo de negócios

O modelo de negócios da plataforma se mostra ainda dependente das assinaturas de pessoas físicas, tipo de investidor que tende a reduzir suas posições quando o mercado de ações piora e a renda fixa passa a oferecer melhores rendimentos com o ciclo de alta de juros, iniciado em março deste ano. Além disso, o setor de tecnologia está vulnerável à rapidez na implantação de novos sistemas e à maior concorrência entre desenvolvedores.

No prospecto do IPO, procolado na CVM, a companhia informa aos potenciais investidores sobre os fatores de riscos ao seu modelo de negócio, listando desde questões de macroeconomia (como inflação, desvalorização do real e flutuações dos juros) até processos judiciais, administrativos e arbitrais.

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“Estamos sujeitos à alteração de hábitos de consumo dos usuários, novas preferências tecnológicas e outros fatores substancialmente fora do controle da companhia” e “as estratégias de crescimento e de negócios da companhia podem não ser executadas com sucesso, o que poderá afetar negativamente os planos de expansão da companhia”, afirma o documento.

Neste mês, o conselho de administração do TC discutiu e aprovou a abertura de uma filial em Passo Fundo (RS), que terá, entre suas atividades, o desenvolvimento e licenciamento de programas de computador. As duas aquisições anunciadas depois do IPO (RIWeb e Abalustre) são apresentadas como passos da empresa para também oferecer serviços para investidores institucionais.

Pedido da CVM

Nessa quarta-feira (29), a ação da companhia do setor de tecnologia cravou uma nova cotação mínima histórica: R$ 5,97, abaixo do preço fixado no IPO (R$ 9,50) e da máxima do papel (R$ 14,15), registrada em seu segundo pregão na B3, acumulando uma desvalorização de 57,8% no período.

A movimentação atípica da empresa logo chamou a atenção e caiu nos filtros de controle da CVM (Comissão de Valores Mobiliários). No dia 17 de agosto, menos de um mês da estreia do papel, a autarquia federal enviou um ofício à companhia pedindo esclarecimentos sobre as oscilações, o número de negócios e a quantidade negociada. O período observado pela CVM foi entre os dias 4 e 17 de agosto. Era o início de uma onda de liquidação das ações, que chegou a cair 17,92% no dia 16 de agosto e 18,18% no dia seguinte, com um volume de negócios saindo de R$ 7,6 milhões no dia 6 de agosto para R$ 63,4 milhões no dia 17. O TC respondeu à CVM que “não tinha conhecimento de nenhum ato ou fato relevante” para essas variações e transações.

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A ação do TC tem baixa liquidez, o que também afugenta a preferência de fundos de investimento para aplicar no papel. Só 31,5% (free float) dos papéis estão em circulação. A grande maioria está nas mãos dos controladores. No último dia 21, a plataforma anunciou um programa de recompra de ações com um prazo de 12 meses, envolvendo até 1 milhão de papéis (cerca de 1,2% do total em circulação), deixando claro que discordava do patamar de negociação de seus papéis pelo mercado. “Na visão da administração da companhia, o valor de suas ações não reflete o real valor dos seus ativos combinado com a perspectiva de rentabilidade e geração de resultados futuros”.

4.229 investidores

Ignorada por bancos estrangeiros, que não cobrem a companhia, o TC protagoniza eventos raros no mercado, como lançar um programa de recompra em menos de dois meses de listagem e um pedido de esclarecimentos pela CVM sobre movimentação atípica dos papéis. Atuantes no mercado brasileiro, os bancos norte-americanos Goldman Sachs e Bank of America, por exemplo, não fazem cobertura da plataforma, informaram as assessorias. Os brasileiros Itaú e Bradesco, também. Já o BTG Pactual, que liderou o IPO da plataforma, informa que cobre, mas “no momento não tem nenhum relatório disponível no research”.

A perda de “valuation” veio no curto período como companhia aberta: chegou avaliada em R$ 2,7 bilhões, disparando 32,63% para R$ 12,60 no seu primeiro fechamento. Dois meses depois, nesta quarta, encolheu para um valor de mercado próximo a R$ 1,7 bilhão, cotada a R$ 5,97.

A desvalorização de TRAD3, seu código no pregão, interessa a quem apostou no “case” de empresa mais jovem (criada em 2016) a entrar na Bolsa. O IPO teve a participação de 4.429 investidores, sendo 3.762 pessoas físicas, 24 clubes de investimentos, 207 fundos, 7 entidades de previdência privada, oito investidores estrangeiros, além dos 146 sócios, administradores, empregados e pessoas ligadas à empresa e às instituições da oferta (BTG e Banco Modal).

No fim de agosto, BR Trust, BTG Pactual, Perfin, Mongeral Aegon, Credit Suisse, PNBY, Hoa, Santander, Claritas, EuQueroInvestir, Oikos, Vinci, Franklin Templeton, 3R e Garin tinham as maiores posições em TRAD3, segundo dados obtidos na CVM.

Em sua oferta inicial, o TC captou R$ 544,930 milhões com a venda de 57.361.089 ações, como informou à autarquia em agosto. O valor final ficou abaixo do publicado pela imprensa (R$ 607 milhões) na época da precificação, já que os lotes suplementares e adicionais não foram integralmente vendidos.

No prospecto da oferta, a companhia destinava os recursos para aquisições (anunciou duas compras neste mês: RIWeb e Abalustre), aprimoramento da plataforma e investimento em marketing. Mesmo com esses anúncios, suas ações não pararam de cair na sequência, acelerando a correção negativa com a proximidade do fim do prazo do “lock-up” (período em que os investidores do IPO são obrigados a manter o papel em carteira).

Outro lado

Procurada pela reportagem para esclarecer sobre a variação dos números e as dúvidas sobre a composição de sua receita, a assessoria da plataforma informou que o TC não diz ter 500 mil usuários “ativos” e que, no release de resultados do segundo trimestre, foram reportados 502 mil usuários “cadastrados” e 88 mil usuários pagantes.

Sobre a avaliação da fonte ouvida pela reportagem referente às dúvidas sobre a contribuição de cada tipo de usuário na receita da companhia e a contabilização de usuários da calculadora de IR na base de clientes, a empresa rebate a avaliação de que não tenha sido transparente com os dados.

“Os documentos da companhia deixam bem claro o crescimento no volume de usuários com a aquisição da Sencon e o fato de existir a separação das operações, com faturamentos e bases de usuários distintos”, disse o TC em resposta à Bloomberg Línea. “No nosso formulário de referência, mostramos explicitamente o ticket médio dos usuários do TC sem a participação da Sencon, sendo R$ 283 no determinado período, enquanto o ticket médio consolidado é R$ 100 (incluindo Sencon)”, detalhou.

Em relação ao número indicado pela SimilarWeb, a companhia diz que o número (387 mil) se refere a visitantes no seu site e que o TC responde pelos seus números internos e não pelos divulgados por outras plataformas.

Indagada sobre os motivos da desvalorização de suas ações, a plataforma citou fatores setoriais e contextuais: “O preço das ações das empresas listadas costuma ter a sua volatilidade habitual e passamos por um momento atípico de mercado, com diversas empresas de tecnologia que abriram capital recentemente sofrendo com essas oscilações devido ao cenário macro brasileiro”.

Ela fez também menção ao aumento dos juros. “Contribuindo também foi a subida no Depósito Interfinanceiro (DI) de aproximadamente 20% desde a data do IPO, o que representa um aumento na taxa de desconto do fluxo de caixa futuro e, portanto, tende a penalizar mais as ações de alto crescimento”.

O TC finalizou expressando confiança na recuperação do seu valor de mercado no longo prazo. “Somos uma companhia que recém estreou na bolsa, é muito cedo ainda para uma conclusão sobre o desempenho do TRAD3. Papéis sobem e descem todos os dias, é o movimento natural do mercado de capitais. O TC tem uma visão de longo prazo e sabe o que pode e vai entregar, então estamos confiantes com o desempenho futuro das ações da empresa”.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.